O governo pode começar o próximo ano com uma previsão orçamentária para novos investimentos menor que o valor devido por obras já realizadas ou em execução. Relatório da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara aponta que esse fenômeno já aconteceu em 2014, quando os restos a pagar de investimento atingiram R$ 89,7 bilhões, enquanto os investimentos programados no Orçamento deste ano somaram R$ 81,864 bilhões. Para 2015, a proposta orçamentária prevê investimentos novos de R$ 67,259 bilhões, o que poderá ser bem inferior ao que ficará de restos a pagar de exercícios anteriores, cujo montante só será conhecido em janeiro.

"As dotações do orçamento de 2015 concorrerão pela programação financeira com um volume crescente de restos a pagar. Em 2014, os restos a pagar de investimentos (R$ 89,7 bilhões) e os restos a pagar no âmbito do PAC (R$ 69,5 bilhões) ultrapassam as dotações do orçamento do exercício, fenômeno que deverá se repetir em 2015. A existência dessas programações, em tese, reduz a pressão para aprovação do orçamento dentro do próprio exercício", alerta o relatório da Consultoria de Orçamento.

Esses valores não consideram as despesas do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), vinculadas ao Minha Casa, Minha Vida. Transferir o pagamento de uma despesa de um ano para outro tem ajudado o governo no cumprimento da meta de superávit primário.

Com o orçamento apertado, devido à frustração de receitas e às despesas em ascensão neste ano, a tendência é que o volume de restos a pagar em 1º de janeiro fique ainda maior. No início do ano, são incluídos os projetos empenhados no exercício anterior, mas ainda não quitados. As despesas entram no cálculo do primário somente após o desembolso.

Para os professores Armando Cunha e Fernando Rezende, da FGV Projetos, os restos a pagar deixaram de ser um instrumento contábil para se transformar em uma forma de gerir as despesas com o objetivo de ajudar no cumprimento da meta de superávit primário.

Segundo eles, esse entendimento deixará de ser aplicado apenas quando a reforma orçamentária entrar na agenda de discussão do governo. "Nos últimos anos, os restos a pagar evoluíram de uma regra contábil para instrumento de gestão", afirmou Cunha, coordenador da FGV Projetos.

Rezende ressaltou que os restos a pagar vêm sendo utilizados para garantir a meta fiscal em cenário econômico mais conturbado, em que há limitação para aumento da carga tributária.

Na avaliação do especialista, o aumento sucessivo dos restos a pagar nos últimos anos dificulta a administração das contas públicas e abre espaço para o uso de "novos expedientes" como as manobras contábeis adotadas recentemente no governo federal para conseguir cumprir a meta de primário.

Outros técnicos destacaram que o crescimento dos restos a pagar reflete o fato de o governo superestimar as receitas. Somente neste ano, a receita total teve a redução de R$ 57,360 bilhões entre a apresentação do decreto de programação e o quinto relatório bimestral que analisa o comportamento das receitas e despesas para que seja compatível com a meta de superávit primário, divulgado dia 21 pelo Ministério do Planejamento.

"Se a receita está superestimada, isso permite empenhar, porque está dentro da programação, porque há a previsão de arrecadar. Não se pode gastar. Em caso de desembolso, aparece no [resultado] primário. Então isso reflete, para que haja um empenho, uma possibilidade de gasto, mas sem o crescimento proporcional do pagamento, porque há uma meta para cumprir", explicou um consultor.

Com esse "orçamento paralelo", o governo fica ainda, conforme técnicos, menos pressionado a aprovar a proposta de orçamento de 2015. Isso porque, mesmo que o orçamento não seja aprovado, o Executivo pode continuar executando as obras, porque tem essa "enorme carteira" de restos a pagar. O que não pode fazer é contratar novos investimentos. Na semana passada, o líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), previu dificuldade em aprovar a peça orçamentaria até o fim do ano legislativo.

Essa "bola de neve" preocupa porque o planejamento de longo prazo fica "completamente desvirtuado". "Para que estou aprovando orçamento de investimento de 2015, se tenho o de 2014, 2013 e 2012, que ainda não fiz? Acho que as prioridades não estão bem definidas", explicou um consultor.