No dia 29 de janeiro de 2010, três dias depois de o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar uma decisão do Congresso que determinava a suspensão de quatro obras da Petrobrás suspeitas de irregularidades, técnicos da Câmara e do Senado emitiram uma nota conjunta que alertava para a "consolidação de danos" na estatal caso o veto presidencial fosse mantido.

De acordo com os técnicos do Congresso, as justificativas apresentadas por Lula para vetar a suspensão das obras não mencionam em momento algum as irregularidades graves apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No veto, o então presidente se refere aos indícios de corrupção como "pendências".

Na época, os técnicos do Congresso já alertavam que a decisão de Lula de permitir a continuidade das obras, apesar dos graves indícios de irregularidades, poderia provocar prejuízos irreparáveis à estatal – o veto acabou mantido pelos congressistas.

Passados mais de quatro anos, as quatro obras liberadas pelo petista são citadas pelos envolvidos na Operação Lava Jato como fontes de recursos que alimentaram o esquema de corrupção na Petrobrás.

Graças à decisão de Lula, foram repassados mais de R$ 13 bilhões para as obras nas refinarias de Abreu e Lima (PE), Presidente Getúlio Vargas (Repar), Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e o complexo de Barra do Riacho (ES). O custo total dos empreendimentos é de mais de R$ 80 bilhões.

Em meados de 2009, o TCU alertou o governo sobre indícios de superfaturamento, pagamentos indevidos, obstrução dos trabalhos de fiscalização e omissão de documentos por parte da Petrobrás, nas quatro obras. Para o tribunal, os indícios eram suficientes para pedir a paralisação das obras. Meses depois, o Congresso acatou a recomendação e determinou ao governo, em um anexo da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2010, a suspensão dos repasses. Lula contrariou a determinação, vetou a decisão do Congresso e permitiu a continuidade das obras suspeitas.

Nas justificativas para o veto, o então presidente alegou que a paralisação provocaria demissão de 25 mil trabalhadores, além de prejuízos mensais de R$ 268 milhões por "degradação" dos trabalhos já realizados e de outros R$ 577 milhões em função do atraso da produção.

Disse ainda que algumas obras estavam 90% prontas e que havia "consenso" entre TCU, Congresso e governo sobre a criação de um grupo de trabalho que permitiria corrigir as irregularidades sem parar as obras. Os técnicos rebateram dizendo que o cálculo não leva em conta os prejuízos causados pelas irregularidades.

Simplismo. "Raciocínios simplistas que ponderem apenas uma parte desta equação, ou seja, apenas o prejuízo causado pela paralisação e não o dano decorrente da continuidade de empreendimentos", diz a nota.

Segundo os técnicos, a análise parcial dos contratos de apenas dois empreendimentos (Abreu e Lima e Comperj) aponta prejuízo de R$ 250 milhões decorrentes de superfaturamento e pagamentos por equipamentos não utilizados.

Em março de 2010, numa visita à Repar ao lado da então pré-candidata a presidente Dilma Rousseff, Lula usou a manutenção dos empregos para justificar o veto. Segundo ele, os trabalhadores não poderiam pagar pela desconfiança do TCU.

"Se tem que fazer investigação, que façam, se tem que apurar, que apurem, mas não vamos fazer com que um trabalhador, um brasileiro que está levando o pão para sua casa, fique desempregado porque alguém está desconfiando de alguma coisa", disse Lula.

O governo nega que a gestão de Lula não tenha dado a devida atenção às suspeitas. Segundo a Casa Civil, ainda em setembro de 2009, antes, portanto, do veto presidencial, a Corregedoria-Geral da União foi acionada pela então ministra Dilma para apurar as suspeitas. Na mesma época, o grupo de acompanhamento do Programa de Aceleração de Crescimento também foi acionado para examinar o relatório do TCU.

Ainda de acordo com o governo, em uma reunião realizada no dia 20 de janeiro de 2010, seis dias antes do veto presidencial, TCU, Casa Civil, Ministério de Minas e Energia e Petrobrás decidiram acompanhar a solução das irregularidades em "reuniões regulares que efetivamente ocorreram".

O governo alega ainda que no ano seguinte o Congresso retirou o embargo às obras e em 2013 o próprio TCU também deixou de recomendar a suspensão dos repasses para os quatro empreendimentos da estatal.

A Petrobrás não negou a acusação de obstrução à fiscalização. Segundo a assessoria da estatal, "Petrobrás e TCU estão em constante processo de entendimento".

 

CPI mista marca para o dia 2 acareação entre ex-diretores

 

A CPI mista da Petrobrás marcou para o dia 2 de dezembro uma acareação entre o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e do ex-diretor da Área Internacional da companhia Nestor Cerveró. Na terça-feira, 18, após a oposição se articular com integrantes da base aliada, a comissão aprovou uma série de requerimentos de convocação de envolvidos no escândalo de corrupção e ainda decidiu quebrar os sigilos bancário, fiscal e telefônico do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, entre 1º de maio de 2005 e 20 de maio deste ano.

A acareação entre Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró colocará frente a frente acusador e acusado. Em delação premiada, Costa afirmou que Cerveró recebeu propina em contratos na Petrobrás, acusação negada pelo ex-diretor da Área Internacional. O pedido para colocá-los frente a frente foi apresentado pelo deputado Ênio Bacci (PDT-RS). "Acho que a acareação faz parte das investigações e nenhuma CPI tem usado muito. Aquele que é convocado, no mínimo, vai dizer algo de forma oposta (ao acusador)", afirmou o autor do requerimento.

No calendário de depoimentos marcados, entretanto, a comissão ainda não agendou dois depoimentos considerados importantes pela oposição: o do presidente licenciado da Transpetro, Sérgio Machado, e do ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque. Os trabalhos da CPI, que se encerrariam neste domingo, 23, foram prorrogados até 22 de dezembro.

Machado foi chamado para explicar, entre outros fatos, a acusação feita por Paulo Roberto Costa de que recebeu, das mãos de Sérgio Machado, R$ 500 mil dentro do esquema de pagamento de propina que envolve a estatal. Indicado para o cargo em 2003 pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Machado pediu o afastamento do cargo no início do mês por 31 dias após a auditoria PriceWaterhouseCoopers (PWC) ter exigido a saída dele da subsidiária da estatal como condição para auditar os balanços da Petrobrás.

Indicado pelo PT, Duque, por sua vez, foi apontado em uma delação premiada feita por um executivo de uma construtora como o "elo" entre o clube de construtoras que loteavam as obras da Petrobrás e o esquema de pagamento de propina a políticos e agentes públicos. Cabe ao presidente da comissão, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), marcar as datas das reuniões. Vital chegou a dizer que iria priorizar, nos depoimentos a serem agendados, a convocação daqueles que estiverem presos - como é o caso de Renato Duque.

Depoimento. A comissão marcou para a próxima terça-feira, 26, o depoimento da diretora-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Magda Chambriard, e do gerente-Geral de Implementação de Empreendimentos para a Refinaria Abreu e Lima, Glauco Legati. Magda foi convidada, o que significa que, pelo regimento interno, ela pode se recusar a comparecer. Glauco, por sua vez, foi convocado, medida que o obriga a ir ao colegiado.

No dia seguinte, 27, a CPI mista agendou a convocação de Márcio Bonilho, sócio da Sanko-Sider. Bonilho apareceu em um dos diálogos gravados com o doleiro Alberto Youssef. Na conversa interceptada, o doleiro reclama de Paulo Roberto Costa.

A comissão marcou o depoimento do ex-diretor da Área de Gás e Energia da Petrobrás Ildo Sauer.

O colegiado ainda quer convocar o ex-diretor da Área de Gás e Energia da Petrobrás Ildo Sauer. Em setembro, Sauer disse em entrevista ao Broadcast que o "governo de coalizão" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva permitia que partidos políticos indicassem dirigentes para a estatal para obter "ajuda". Recentemente, Sauer teve os bens bloqueados no processo do Tribunal de Contas da União (TCU) que envolve a compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA).