A operação Lava-Jato esmiúça o mecanismo de envio de recursos supostamente desviados da Petrobras para contas bancárias em paraísos fiscais. O esquema conta com remessas a empresas offshore na China, principalmente em Hong Kong.

Com a colaboração do governo da Suíça, os responsáveis pela investigação da Lava-Jato no Brasil compreendem todo o intricado sistema elaborado pelo doleiro Alberto Youssef: o dinheiro supostamente desviado era enviado a bancos chineses para ser redistribuído a dezenas de contas secretas em bancos na Europa. Falta saber como o dinheiro desviado saiu das contas chinesas.

A Juízo Final, sétima etapa da investigação, foi deflagrada com foco em supostos crimes praticados por gigantes da construção civil, e agora aprofundou a análise de toda a documentação apreendida desde março deste ano.

Acusado de lavagem de dinheiro, Leonardo Meirelles - sócio do laboratório Labogen, que quase fechou contrato milionário com o Ministério da Saúde - aparece descrito no inquérito como operador do doleiro Alberto Youssef.

"O alvo [Meirelles] envia uma série de documentações a bancos no exterior para abertura de contas correntes e posterior simulação de contratos de venda de produtos (...) dissimulando o caráter ilícito de transferências internacionais de recursos financeiros", anota um agente federal em relatório de inteligência policial. "Foram identificados contratos que totalizam uma possível movimentação superior a US$ 23.420.000,00."

Segundo a Polícia Federal, Meirelles abriu contas correntes de quatro empresas no Hang Seng Bank Limited "com contratos que simulam relações comerciais entre suas próprias empresas no Brasil e suas empresas em Hong Kong".

Para os policiais, a análise do material apreendido nas empresas Arbor e GFD, que pertencem a Youssef, em São Paulo, comprova a conexão entre os repasses recebidos por firmas de fachada do doleiro no Brasil e remessas a offshores no exterior.

Entre os documentos um item chamou a atenção da equipe de investigadores: "Trata-se de uma tabela contendo dados relativos a um suposto contrato previsto ou firmado entre o Consórcio CNCC e a Clyde Union Imbil no valor global de R$ 22.754.804,04", diz o relatório.

No material são indicados, por meio de abreviaturas e prenomes, os supostos beneficiários das comissões líquidas a serem rateadas, informa o documento.

Segundo a Polícia Federal, a análise do material revela "comissões devidas" para "[a empresa] Sanko, [o doleiro] Beto [Alberto Youssef], [o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras] Paulo Roberto Costa e a construtora [Camargo Corrêa], ou seja, 80% do total iam para as mãos de Alberto Youssef".

Outro documento apreendido pelos policiais na GFD, uma proposta comercial, é considerado evidência do envolvimento do Consórcio CNCC com remessas ilegais a offshores na China. "Trata-se de uma proposta comercial datada de 14/06/2012 endereçada ao senhor Edmundo Trujillo, diretor do CNCC, realizada pela empresa Clyde Union Imbil". Trujillo foi obrigado a comparecer à PF em 14 de outubro, quando foi deflagrada a atual fase da operação Lava-Jato.

O perito diz estranhar que esteja "em poder de Youssef documento contratual milionário entre a CNCC e outra empresa [...], vez que não há relação societária ou trabalhista entre essas empresas e Youssef", informa o relatório. O contrato menciona mais de R$ 12 milhões para aquisição de bombas hidráulicas para a obra da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

A Polícia Federal espera a chegada de documentos e extratos bancários obtidos pelos procuradores integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, que retornam hoje de uma viagem à Suíça. A equipe se reuniu com autoridades suíças para tratar do repatriamento de cerca de US$ 26 milhões, dos quais Paulo Roberto Costa abriu mão.

A incursão ao país europeu é etapa fundamental da operação para a obtenção de provas que demonstrem o caminho do dinheiro enviado do Brasil ao exterior por operadores, segundo a apuração.

Os investigadores estão convencidos de que o dinheiro da Petrobras foi distribuído para contas bancárias na Suíça, em Luxemburgo, em Jersey e no principado de Liechtenstein - onde foram identificados depósitos atribuídos ao suposto operador do PMDB, Fernando Soares, o Baiano.

As delações premiadas de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef orientaram os delegados e procuradores da Lava-Jato a procurar pelos operadores de PT, PMDB e PP que, segundo os relatos, viabilizavam a chegada do dinheiro a contas secretas em paraísos fiscais.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Camargo Corrêa disse que "desconhece e repudia as referidas acusações e informa que segue à disposição das autoridades para colaborar com as investigações". Procurado, o grupo Sanko não retornou o pedido de entrevista feito pela reportagem.

 

Ex-gerente promete devolver US$ 97 milhões e detalhar relação da Petrobras com a SBM

 

O acordo de delação premiada do ex-gerente executivo de engenharia da Petrobras Pedro Barusco foi dividido em duas partes. Na primeira parte, que envolve o ex-diretor de Serviços Renato Duque, o ex-gerente se comprometeu a devolver US$ 97 milhões.

Na outra etapa concordou em detalhar o que sabe sobre a relação da estatal com o empresário Julio Faerman, que era o representante comercial da holandesa SBM Offshore no Brasil até 2012. A SBM identificou pagamentos de "comissões" no valor de U$ 139 milhões a funcionários da Petrobras entre 2007 e 2011, que teriam sido pagas por intermédio de Faerman.

A SBM Offshore tem contratos de aluguel de plataformas flutuantes de produção (FPSOs) com a Petrobras no valor de US$ 27,67 bilhões, segundo informou a presidente da Petrobras, Graça Foster, em junho. Segundo a SBM, eles representam 15% da produção total da estatal. Somente o contrato da FPSO Cidade de Ilhabela, que entrou em operação recentemente no campo de Sapinhoá, é de US$ 5,2 bilhões, segundo Graça.

Barusco começou a falar no meio da semana passada. Ele registrou toda a documentação em arquivos pessoais já entregues aos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato. Os investigadores consideram o material "excelente" para a composição da prova.

No dia 12 de novembro o Ministério Público da Holanda e a SBM anunciaram acordo sobre pagamentos de propinas que teriam ocorrido no Brasil, Angola e na Guiné. Em nota publicada na quarta-feira na Holanda, a SBM Offshore fez um histórico de suas investigações sobre o tema, que começaram em 2012. Ela afirmou que encontrou "bandeiras vermelhas" nos contratos do Brasil, mas que não haviam evidências confiáveis de "pagamentos impróprios" feitos por seu agente - no caso a Faercom de Julio Faerman - a funcionários públicos brasileiros, que seriam empregados da Petrobras.

Contudo, informa a nota da SBM, no contexto de suas próprias investigações, o Ministério Público da Holanda, junto com o Serviço de Inteligência Fiscal e Investigações, detectou a existência de pagamentos feitos pelo representante comercial da SBM - ou seja, Julio Faerman - para funcionários públicos brasileiros. Isso foi informado em maio, mesma data em que a presidente da Petrobras informa ter sido comunicada.

A SBM informou que "tem lido na imprensa" sobre abertura de investigações formais contra ela no Brasil, mas afirma que não recebeu nenhuma notificação até agora. E que está discutindo com autoridades brasileiras, "a fim de encontrar uma rápida conclusão de qualquer questão envolvendo a companhia". Procurados, os advogados de Faerman, não se manifestaram.

Na nota, a SBM disse que não vê mais impedimentos para não participar das licitações da Petrobras e que fará o que for necessário para preservar sua reputação. A holandesa disse desconhecer o que ainda pode vir à tona no âmbito das investigações que ainda estão acontecendo no Brasil e a seu ver elas se estendem muito além da SBM e por isso a companhia irá "se abster de comentar publicamente sobre cada relatório", mesmo quando discordar do que ela considera interpretações factuais.

O comunicado termina reafirmando o compromisso com o Brasil, onde a holandesa emprega 4 mil pessoas, produz entre 250 mil e 380 mil barris de petróleo por dia para a Petrobras (em torno de 15% da produção) e é coproprietária de um estaleiro na área do Rio, referindo-se ao Brasa, em Niterói.

Ontem, o juiz Sergio Moro autorizou o Ministério Público do Rio de Janeiro a tomar o depoimento de Paulo Roberto Costa no inquérito que apura suspeitas de irregularidades na Transpetro pelo seu presidente licenciado, Sergio Machado, que também é investigado na Lava-Jato e foi citado por um dos delatores.