A Infraero teria ignorado a análise de "termos e condições de mercado", segundo uma auditoria recente do Tribunal de Contas da União (TCU), ao dar sinal verde para a contratação de obras no valor de quase R$ 5 bilhões nos aeroportos concedidos à iniciativa privada em 2012. Os serviços de reforma e ampliação dos três aeroportos foram executados por construtoras investigadas pela Operação Lava-Jato. A estatal manteve 49% de participação acionária nas concessões.

 

Pelo acordo de acionistas, os contratos entre as concessionárias e suas "partes relacionadas" devem ter consentimento prévio e por escrito da Infraero, que pode vetá-los quando detectar condições "diversas às de mercado".

 

O questionamento do TCU gira em torno do fato de que os vitoriosos no primeiro leilão de aeroportos têm grandes empreiteiras no mesmo conglomerado empresarial. Por isso, as construtoras são chamadas de "partes relacionadas" às concessionárias.

 

A OAS faz parte da Invepar, que arrematou a concessão de Guarulhos e foi contratada por R$ 2,1 bilhões para executar suas obras de ampliação. Em Viracopos, que tem a UTC como uma das controladoras, sua subsidiária Constran integrava o consórcio responsável pelas obras e contratado por R$ 2 bilhões.

 

A situação é idêntica em Brasília: a Inframérica tem entre seus sócios a Engevix, que recebeu R$ 863 milhões, junto com outra construtora. Todas as obras tinham as vésperas da Copa do Mundo como prazo de conclusão.

 

Para permitir o início imediato das obras, devido ao prazo apertado para a entrega dos serviços e à aplicação de multas salgadas em caso de atraso, o TCU sustenta que a Infraero deu uma "autorização provisória" e sem ter verificado as "condições de mercado" dos contratos.  Em relatório aprovado pelo plenário do tribunal, em março, os auditores manifestaram preocupação com o fato de que a estatal teria dificuldades em alterar valores dos contratos no futuro. "Poderá haver impossibilidade jurídica de posterior ressarcimento caso a Infraero identifique valores superiores aos de mercado", diz o relatório.

 

Os contratos em si não são objeto da auditoria. A rigor, eles foram assinados entre agentes privados e não podem ser auditados pelo tribunal. Formalmente, o ponto em discussão é apenas a postura da Infraero. Em tese, porém, fiscais afirmam nos bastidores que nada impede que as concessionárias tenham pagado valores excessivos pelas obras como forma de aliviar a dolorosa conta com o pagamento de outorgas bilionárias. O raciocínio é de que, de um lado, as empreiteiras receberam o valor integral dos contratos. De outro lado, a despesa com as obras foi dividida entre todos os acionistas do aeroporto, com 49% cabendo à estatal.

 

Para ilustrar: é como se o leitor tivesse 49% de participação em um restaurante no qual o sócio majoritário também é dono das fazendas que fornecem carnes e verduras. O sócio empurra a venda de seus produtos ao restaurante sem saber se podia ter encontrado fornecedores mais baratos. Pode ter feito bom ou mau negócio, mas não havia parâmetros.

 

Um protocolo para transações com "partes relacionadas" foi assinado entre a Infraero e as concessionárias. Pelo documento, os novos administradores dos aeroportos teriam que oferecer uma lista com três consultorias externas para e a estatal selecionaria uma delas para emitir um laudo de avaliação sobre as obras.

 

 O problema identificado pelo TCU é que não havia previsão de conferência dos quantitativos de serviços constantes do orçamento proposto pelas empreiteiras. "Tal verificação faz-se importante na medida em que os preços podem estar corretos, mas os quantitativos superestimados.

 

Uma análise apenas dos preços - quando estes estiverem em condições de mercado, porém com os quantitativos superestimados - poderia induzir a uma falsa impressão de que a contratação atenderia às condições de mercado", afirma o relatório do tribunal.

 

Estatal garante que avaliou condições

 

A Infraero rejeitou, em nota enviada ao Valor, a conclusão do Tribunal de Contas da União (TCU) de que não teria avaliado adequadamente os contratos para obras de reforma e ampliação nos aeroportos concedidos à iniciativa privada em 2012 e nos quais ela mantém 49% de participação acionária.
 
"Ao contrário do que foi afirmado, a Infraero não ignorou 'termos e condições de mercado' quanto aos investimentos previstos na fase I-B (até a véspera da Copa) nos aeroportos concedidos de Guarulhos, Viracopos e Brasília", diz a nota.
 
"O que a Infraero fez foi dar uma autorização preliminar, em virtude da necessidade de cumprir responsabilidades contratuais assumidas pelas concessionárias, que estavam, inclusive, sujeitas a pesadas penalidades pelo não cumprimento dos prazos, como os estabelecidos para atender a demanda prevista para a Copa, reservando-se o direito de verificar a adequação dos preços e condições praticados nos contratos posteriormente, o que já foi concluído", continua a estatal, em resposta à consulta da reportagem.
 
"Além disso, é importante esclarecer que a Infraero só analisa as propostas de contratação de 'partes relacionadas', pois somente estas necessitam de consentimento prévio e por escrito da Infraero. Qualquer outra contratação não passa antecipadamente pela Infraero, nem pelos demais acionistas", diz a nota, na qual a estatal ressalta que tem seguido as recomendações do tribunal.
 
Procuradas, as concessionárias dos aeroportos de Guarulhos e de Viracopos preferiram não comentar o assunto. A Inframérica, administradora do aeroporto de Brasília, disse que "os valores dos contratos de obras firmados entre as partes relacionadas foram auditados por empresa validada pela Infraero". "O resultado da auditoria apontou que os valores praticados foram os de mercado. Todo o trâmite seguiu rigorosamente as regras do acordo de acionistas e seu respectivo protocolo de governança corporativa."