Título: O eterno escudeiro de Dilma Rousseff
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 26/06/2011, Política, p. 4

perfil - GILES CARRICONDE AZEVEDO

Ainda que não seja titular de ministério, o geólogo é uma das figuras mais influentes e próximas da presidente, e um dos poucos com liberdade para apontar erros e dizer o que pensa

Giles Carriconde Azevedo, ou simplesmente Giles, é alvo de inveja na Esplanada. Ele é um ministro sem pasta, sem orçamento e sem planos políticos futuros, apesar da filiação ao PT. Mas ninguém é tão próximo da presidente Dilma Rousseff quanto o chefe de gabinete da primeira presidente mulher do país. Ambos têm o mesmo perfil workaholic e perfeccionista. Giles ouve as mesmas broncas e gritos com que Dilma brinda os interlocutores nos momentos de raiva e insatisfação. Mas poucos, como ele, têm a liberdade para dizer o que pensam e apontar erros quando acham que eles existem.

Um exemplo dessa liberdade foi testemunhada pelos aliados do PMDB, com quem Dilma e o PT sempre mantêm uma relação de amor e desconfiança eternos. Nervosa, Dilma reclamou do vazamento de uma informação de governo e atribuiu o descuido ao aliado mais forte. "Presidente, se a senhora ler a matéria, verá que existe um parlamentar do PT falando em on nela", apontou Giles. Dilma resmungou, checou a informação e confirmou a veracidade da observação. "Pelo menos alguém naquele palácio admitiu que não somos maus por natureza", brincou um aliado do vice-presidente Michel Temer.

Os caminhos de Giles e Dilma cruzaram-se no Rio Grande do Sul, em meados da década de 1990. Brizolistas convictos, ajudaram a construir o partido no estado. Giles era chefe de gabinete do então deputado estadual Vieira da Cunha, presidente nacional do PDT. "Ele sempre impressionou pelo zelo e pela responsabilidade com que assumia as tarefas que lhe eram designadas. Já demonstrava enorme capacidade para articulação política", reconhece Vieira.

Surgiu aí a capacidade de atuar nos bastidores, com a discrição possível mas a eficiência necessária para desembaraçar os problemas antes que eles chegassem aos superiores hierárquicos. A fama cresceu e Giles tornou-se chefe de gabinete do governador do Rio Grande do Sul, Alceu Collares (PDT). Dilma era secretária de Minas e Energia de Collares. Encantou-se pelo trabalho do geólogo e convenceu o governador a nomeá-lo presidente da Sulgás ¿ a Companhia de Gás do Rio Grande do Sul.

Sai o pedetista Collares, entra o petista Olívio Dutra. Dilma deixa o PDT, migra para o PT e leva Giles com ela. As afinidades se intensificam até que, em 2002, Dilma é convidada pelos então coordenadores da campanha presidencial de Lula, Antônio Palocci e José Dirceu, a integrar a equipe de transição do futuro governo petista. Dilma seduz Lula com sua capacidade de trabalho e torna-se ministra de Minas e Energia. Não esquece Giles nem sua formação profissional: nomeia o fiel escudeiro para a Secretaria de Minas e Metalurgia.

O mensalão assombra o governo e derruba o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Lula nomeia Dilma para a Casa Civil e ela reforça a ligação umbilical com Giles, que torna-se, finalmente, seu chefe de gabinete. Na experiência cotidiana, reforçou o conhecimento que já tinha sobre o temperamento da chefe. Soube aprimorar essa expertise e hoje é dele o papel de filtrar quem conversa com Dilma e quais assuntos valem a pena ser tratados diretamente ou aqueles que podem ser debatidos por instâncias inferiores. Giles tem o poder de barrar ministros, se achar que o assunto não é definitivo.

"Low profile" Na primeira campanha eleitoral da história de Dilma, era Giles quem definia a agenda da candidata, as viagens e o staff que acompanhava a presidenciável. A comparação tornou-se inevitável e ele passou a ser conhecido como "o Gilberto da Dilma", numa referência direta ao chefe de gabinete de Lula e hoje secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. "Velho, ele parece muito comigo. Mas acho que é mais tímido. Eu sou um pouco mais assanhado que ele", diverte-se Gilberto. Esse assanhamento, ressalte-se, tem a ver com a relação de ambos com a imprensa. Gilberto, quando abordado por jornalistas, costuma apontar os rumos do governo. Giles é mais tímido e reticente a esse contato. "Ele é muito low profile. Arrancar uma informação de Giles é uma dificuldade hercúlea", confirmou um parlamentar.

Uma outra diferença entre os dois foi apontada pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS), que conhece muito bem Giles. "Gilberto tem militância política tanto com os movimentos sociais quanto com a Igreja e as comunidades eclesiais de base. Giles não tem nada disso, ele trabalha para a Dilma. E só." Mas exerce esse papel com maestria. "Ele atende, tem paciência, ouve, dialoga, encaminha as demandas para a presidente", completa Delcídio.

A capacidade de trabalho de Dilma e Giles é conhecida. O chefe de gabinete da presidente é obrigado a chegar ao Palácio do Planalto antes dela. Mas só faz isso após deixar os dois filhos, um de oito e outro de quatro anos, no colégio. Não abre mão dessa rotina. E aproveita o hábito de Dilma de almoçar no Palácio da Alvorada para dar uma fugida e pegar os meninos na escola. Já foi flagrado em festas infantis e comemorações no colégio incorporando o estilo "pai gelol ¿ não basta ser pai, tem que participar", segundo palavras de uma mãe cuja filha estuda no mesmo colégio dos filhos de Giles.

Rotina discreta A discrição é tanta que, poucos anos atrás, essa mesma mãe celebrou o aniversário de um filho e chamou os coleguinhas da escola, entre eles, os filhos de Giles. Foi abordada por uma amiga, admirada: "O que o chefe de gabinete da ministra Dilma está fazendo aqui?" Surpresa, a anfitriã pediu para que a amiga apontasse sobre quem estava falando. "Aquele", disse ela. "Ué, é o pai de um dos amiguinhos da minha filha", disse ela, tão espantada quanto a amiga curiosa.

Giles é gaúcho, mas abandonou a bombacha e o chimarrão no seu cotidiano. "É um gaúcho moderno", brincou uma companheira de despachos palacianos. Gremista fanático, debate futebol com afinco e, sempre que pode acompanha os jogos do "Imortal". Mas não pratica o esporte nas horas vagas. Prefere deixar o estilo low profile no gabinete e pega seu jipe importado para aventurar-se por trilhas ao redor de Brasília. Ou pula de paraquedas para aproveitar a imensidão do céu da capital.