O deputado Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB na Câmara, é candidato a presidente da Casa tendo contra si o PT e o governo. Revigorado nesta volta de uma campanha bem sucedida para um quarto mandato, já cumpre um cronograma meticulosamente elaborado: primeiro, renovou sua liderança na bancada; em seguida, estimulou os outros partidos a fazerem a mesma inclusão dos novos eleitos e adiantarem o processo; na semana que vem, vai procurar a oposição, o PT e o governo. A Câmara, a que o deputado se refere sempre considerando o conjunto de partidos sem separá-los entre governo e oposição, é um Poder que deve ser exercido com independência, e toda a sua sondagem inicial para ser candidato a presidente se dá no plano político e não mais eleitoral. Cunha considera-se candidato do governo, tendo em vista que o PMDB, mais que um aliado, é governo, foi eleito para a Vice-Presidência. E diz que sua candidatura está posta porque a Casa não quer a hegemonia do PT no Executivo e no Legislativo ao mesmo tempo.

"O problema do PT não é vencer, é me derrotar", diz sobre a campanha contra ele que a cúpula do PT vem fazendo. Assegura que não tem fundamento a suspeita de que agirá contra o governo, ao contrário do que o PT alardeia, e derruba tese por tese do grupo que tenta minar sua candidatura, sobre a qual ele próprio faz ressalvas durante todo o tempo desta entrevista - "se mantiver a candidatura, se vencer"...

Cunha defende a votação da reforma política, sem plebiscito, condena o aumento da carga tributária mas avisa para ninguém esperar dele execução de pauta bomba que desequilibre as contas públicas.

Reuniu-se por duas horas, na noite de terça-feira, com Michel Temer, no Palácio do Jaburu, antes de o vice-presidente receber o conselho político do partido para um jantar, e ali teriam acertado uma convivência com essa candidatura que incomoda o governo. Eduardo Cunha conversou com o Valor às 8h de ontem, tomando café em uma confeitaria, já no seu terceiro compromisso de uma agenda que começou às 7h, com duas reuniões em sua casa. A perspectiva era trabalhar até 1h ou 2h, como tem sido a rotina, para atender a uma agenda política intensa. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor está em campanha, em tempo integral, três meses antes?

Eduardo Cunha:  Isso é um processo. Você não pode querer construir uma candidatura de si mesmo. Estamos terminando o processo eleitoral, teremos uma Casa de certa forma mais conflagrada. A gente tem que costurar. Se levar para a disputa da Casa a polarização eleitoral, ninguém vai governar a Casa. O princípio é outro, não é eleitoral. É político.

Valor: Quais os critérios dessa costura?

Cunha:  Não pode ter critério partidário. Para comandar a Casa tem que ter um equilíbrio, como o Henrique [Eduardo Alves, atual presidente da Câmara] faz, e faz muito bem. É o equilíbrio entre o que é governo, o que é oposição. Ser leal, como Henrique é com o governo, sem necessariamente concordar com tudo o que o governo faz. Dar espaço para a oposição exercer o papel dela. Dificilmente alguém na coloração partidária da disputa mais renhida teria condição de fazer isso. A gente não está pregando nem vai pregar uma candidatura de oposição ao governo. O que eu digo não é contra o governo. Você pode ser leal, mas tem que manter uma independência mínima pois a Casa é um Poder independente. E, além disso tudo, não pode ter submissão.

Valor: O Executivo já não domina há tempos os Poderes?

Cunha:  O Executivo já domina a pauta do Poder Legislativo. Ele edita as medidas provisórias, os projetos de urgência constitucional. Já é uma predominância natural do Executivo sobre o Legislativo, por força de erros que foram cometidos até na Constituinte. Já houve algumas mudanças no rito das medidas provisórias. Michel teve decisões importantes sobre isso quando era presidente da Câmara. Os grandes avanços institucionais ocorreram quando estava o PMDB no comando da Casa. Essa da interpretação das medidas provisórias foi um marco definitivo para acabar com uma parte do predomínio do governo na pauta. E o Henrique fez o orçamento impositivo para obrigar a liberação de emendas, afastando a chantagem do Executivo que só libera emenda se votar.

Valor: A chantagem, então, é ao inverso do que se costuma registrar?

Cunha:  Só liberam emenda quando vota, se não vota não liberam.

Valor: E quanto ao acordo de revezamento, agora a maior bancada não é o PT?

Cunha:  O PT tem 70 deputados e nós 66. No Senado é regimental. Na Câmara, o acordo foi feito para a legislatura que terminou. Tamanho não é critério para ser candidato. O Aldo Rebelo foi presidente com 15 deputados, o Severino Cavalcanti ganhou com 40 deputados. Temos que voltar ao processo como ele foi nos últimos oito anos. A alternância PT e PMDB não foi um acordo eterno, até porque a Casa pode não concordar.

Valor: E pode surgir outra candidatura, de qualquer partido.

Cunha:  E vai derrotar a gente. A Casa não vai aceitar um acordão de PT e PMDB. Tanto o PMDB quanto o PT, para ganharem a eleição, têm que construir. Eu, com humildade, estou tentando construir.

Valor: Quem é seu exército?

Cunha:  Eu não tenho exército. É a minha bancada, o meu partido.

Valor: O senhor citou a medida para destravar a pauta e o orçamento impositivo como marcas de presidentes da Câmara no esforço para reforçar a independência da Casa. O que o senhor pretende fazer nesse sentido?

Cunha:  Isso faz parte da Constituição. Eu tenho que ver aquilo que as bancadas têm hoje de anseio. Estou ouvindo, é um processo em construção. Primeiro eu tinha que resolver o meu problema de PMDB. Depois, fui para os partidos do blocão [PR, PTB, PSC e SD, além de PMDB] porque nós atuamos juntos. Esse é o processo. A partir de agora, na semana que vem eu vou ver se me encontro com as oposições formalmente para debater com elas. Ao mesmo tempo, eu vou conversar com o PT.

Valor: Por que há resistência ao PT na Câmara?

Cunha:  É uma junção de alguns fatores mas, o primeiro, a tentativa de hegemonia. Você não pode esquecer que quando a gente fez o blocão não era contra o governo. Nunca foi contra o governo. O blocão foi contra a hegemonia do PT. Eu estou dizendo para todo mundo que o PMDB pode lançar candidato agora e, se lançar candidato agora e vencer não vai lançar candidato no segundo biênio. Vou assumir esse compromisso para não parecer que o PMDB quer ter a hegemonia.

Valor: O vice-presidente Michel Temer está com o PMDB ou PT?

Cunha:  Ele está com o PMDB, nisso não há dúvida nenhuma. O que ele não quer é que seja uma candidatura contra o governo, e é óbvio que isso não será. Ela não é contra o governo.

Valor: O senhor esteve na terça-feira por duas horas com o vice-presidente. Ele pediu isso?

Cunha:  Eu tenho uma relação muito antiga e muito forte com o Michel. A gente estava de uma certa forma no fim desse processo eleitoral. É natural, porque ele estava disputando a vida dele e eu estava numa posição de neutralidade e sem entrar no processo. Então, eu estava livre, leve e solto para falar o que eu queria para um lado e para o outro. Às vezes eu falava coisas que agradavam e às vezes que desagradavam. Isso vai gerando rusgas, é normal. Acaba o processo eleitoral tem que passar uma borracha e andar para frente.

Valor: Quem então são seus outros adversários, já que o PT sinalizou que pode apoiar alguma candidatura?

Cunha:  Há uma incoerência. Quando o PT fala que vai para o terceiro, quarto ou quinto, significa que o problema dele não é ganhar. É me derrotar. Você vai derrotar o líder do PMDB, que continuará líder do PMDB no primeiro dia depois da eleição. É o governo derrotando o partido do governo. Não terá lógica.

"Se o PMDB lançar candidato e vencer não vai lançar candidato no segundo biênio. Vou assumir esse compromisso"

Valor: Dizem que esse impulso que a sua candidatura tomou vai refluir na hora em que aparecer a lista de envolvidos nas denúncias da Petrobras. O senhor pode estar na lista da delação premiada?

Cunha:  Pode ficar tranquila porque eu não estou nela. Eu não tinha absolutamente nada com Paulo Roberto [Costa, ex-diretor da Petrobras que fez acordo de delação premiada]. Eles ficam espalhando esse troço achando que eu vou me constranger. Se eu fosse me preocupar ou se alguém fosse se preocupar com citação -, pelo que me consta a própria presidente da República e o ex-presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] foram citados pelo doleiro -, o fato de ser citada não quer dizer que ela tenha absolutamente nada com isso. Ninguém vai achar absolutamente nada, porque não tenho absolutamente nada com essa história.

Valor: A sua bancada está preocupada com isso?

Cunha:  Zero.

Valor: Mas o Paulo Roberto Costa citou, por exemplo, o Sergio Machado, que é ligado ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Cunha:  A citação que foi feita do Henrique nem foi dito do que era. É preciso dar o direito ao Henrique de se defender porque delação [premiada] tem um problema: se diz uma coisa que é verdadeira e legitima dez que não são. Pode aparecer alguém do PMDB lá? Pode, é possível. O que todos nós estamos falando é que não existe uma coisa estruturada de PMDB com relação a esse assunto. Se alguém fez alguma coisa, fez individualmente e que responda por isso. Então, isso não nos preocupa.

Valor:  O senhor não teme que isso tome conta do Congresso em 2015?

Cunha:  Se porventura eu mantiver a candidatura e me eleger, obviamente, se for verdade que existe essa delação com vários parlamentares, será um ano mais tumultuado. Temos que lidar com isso com toda a tranquilidade do mundo. Não se pode parar o Parlamento por causa disso.

Valor: O senhor acha que a próxima legislatura terá mesmo uma nova CPI da Petrobras?

Cunha:  As delações, pelo que eu ouvi do Teori [Zavascki] e do [Rodrigo] Janot na reunião que a CPI teve com eles, efetivamente não serão conhecidas agora. Eles só podem tornar pública a delação na parte que virou denúncia aceita. Então, esse é um processo que dependerá muito do Ministério Público impetrar as ações ou abrir inquérito. Quando isso se tornar público certamente será depois do fim dessa CPI em vigor, praticamente morta pela delação, e certamente vai ensejar uma nova CPI. E todos nós que não temos absolutamente nada com isso, e aí inclui até o próprio governo, ninguém vai ficar contra ter uma nova CPI.

Valor: O senhor se beneficiou de uma onda apontada por alguns especialistas como mais conservadora no Congresso?

Cunha:  Eu não acho que tenha uma onda. O eleitor é conservador, na maioria da população. Se a representação vai ficando mais conservadora é porque a sociedade está mais conservadora. Mas não acho mais conservadora. Acho mais fragmentada, porque tem muito mais partidos. Você vai estimular a formação de blocos. Então, a discussão sobre a reforma política e o papel dos partidos é inevitável.

Valor: Se eleito, o senhor assumirá num momento de questionamento do papel do Parlamento diante de iniciativas do Executivo de maior participação popular, regulamentação de conselhos populares e plebiscito para reforma política. Como o senhor pretende conduzir isso?

Cunha:  Com relação aos conselhos populares, a Casa já se manifestou semana passada. Houve um equívoco de dizerem que aquilo [derrota do governo] foi uma retaliação do Henrique ou da Casa ao governo. Não era. Esse assunto já estava na pauta, tanto que conseguimos aprovar a urgência com obstrução do PT no meio do processo eleitoral, com 257 votos favoráveis em duas horas de votação. A Casa não aceita isso, e todos no governo já sabiam. O plebiscito a Casa não aceita porque a Casa não quer ser substituída na sua representatividade. O referendo é uma coisa simpática, não temos por que ficar contra o referendo. Nós saímos da eleição igual à presidente Dilma Rousseff, com o mesmo tamanho de mandato. Se eu tenho 232.708 pessoas que confiaram em mim, essas 232.708 pessoas não querem um plebiscito para dizer o que eu vou fazer. Já fizeram o plebiscito. Agora, um referendo para confirmar se o que eu fiz está correto, tudo bem. O que há por trás disso aí é um pano de fundo de uma disputa ideológica sobre a transferência ou a substituição do Parlamento por modelo de consultas populares, é uma coisa a que o Parlamento tende a reagir. Da mesma forma que não adianta querer me convencer a colocar na pauta, se porventura amanhã eu me candidatar e me eleger, regulação de mídia. Sou totalmente contrário.

Valor: Qual a reforma política viável para ter um consenso?

Cunha:  Talvez a gente não ache o consenso. O consenso acaba sendo achado pelas votações e o PT não deixou votar. Em reforma política você tem conceituações que uma vai anulando as outras. Vamos votar tudo.

Valor: Em uma presidência sua, que tratamento daria a projeto que aumenta a carga tributária?

Cunha:  Se porventura eu for candidato e me eleger, eu sou um opositor de aumento de carga tributária. Mas também serei um guardião para que não arrombem as contas públicas com projetos corporativistas. Responsabilidade tanto quanto com o usuário e consumidor quanto com as contas públicas. Se alguém está esperando de mim uma pauta bomba por dia e arrebentar as contas do governo, esquece.

 

TEMER EVITA ENDOSSAR CANDIDATURA DE DEPUTADO

 

O vice-presidente Michel Temer afirmou nesta quarta, ao sair da reunião do conselho político do PMDB, que a candidatura do líder da bancada na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), à presidência da Casa, “é um assunto do Congresso, e não ainda do partido”. Temer é o presidente nacional da sigla e na noite de terça manteve uma longa reunião com Cunha, durante jantar com líderes da legenda no Palácio do Jaburu. De acordo com Temer, uma candidatura à presidência da Câmara ” precisa ser construída entre todos os partidos no Legislativo, no interior da Câmara”. O vice admitiu que Cunha deu início ao processo, mas evitou endossar a pretensão do parlamentar. “A decisão [de concorrer ou não] é de cada um. A temporada já se abriu”, disse.

O conselho político é formado pela Executiva Nacional, governadores, ex-governadores e ex-presidentes da sigla e das Casas do Legislativo. Raramente é convocado e a reunião de ontem foi formalmente organizada para discutir a reforma política. O conselho aprovou a decisão de apresentar uma proposta de reforma política a ser apresentada no Congresso na próxima legislatura. Uma comissão foi criada pelo conselho para redigir um texto consensual no partido.

O encontro foi uma demonstração de força de Temer. Governadores eleitos e em fim de mandato condenaram a articulação independente de Cunha.

“Se o PMDB agir no Congresso em meio a interesses fragmentados de grupos e alas não terá como ocupar o espaço que é do tamanho do PMDB”, disse o governador reeleito de Sergipe, Jackson Barreto, frisando que “Temer tem que ser respeitado”.

Para a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, que está em fim de mandato, o protagonismo de Cunha tende a arrefecer: “O que começa a prevalecer agora é o trabalho de Temer pela união, o que fortalece o PMDB como um todo”.

O vice-governador eleito de Minas Gerais, Antonio Andrade, foi mais taxativo. ” Ou você é da base, ou não é. Esse negócio de independência não existe. Nós somos governo porque o Temer é o vice da Dilma. O PMDB precisa estar unido neste projeto”. De maneira cautelosa, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), comentou que existe risco de se “fragilizar a sustentação da base”.

Os aliados diretos de Cunha demonstraram tranquilidade. O parlamentar, que estava presente na Câmara, já tem o apoio da bancada para sua candidatura. “Não vai haver interesse dentro do PMDB em se opor a uma candidatura com este nível de apoio. Seria aprofundar a divisão”, comentou o deputado Danilo Forte, do Ceará.

 

MINISTRO REFORÇA INDISPOSIÇÃO DO GOVERNO

 

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, um dos principais auxiliares da presidente Dilma Rousseff durante a disputa eleitoral, reforçou ontem a indisposição do governo em apoiar a candidatura a presidente da Câmara do líder do PMDB na Casa, o deputado Eduardo Cunha (RJ). Em conversa com o Valor, o ministro afirmou que, até agora, o comportamento do pemedebista não sinaliza que o Executivo terá em sua eventual presidência a estabilidade considerada necessária para executar as políticas defendidas pela presidente em sua campanha à reeleição.

Rossetto retornou recentemente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, depois de integrar a coordenação da campanha petista. Agora, é cotado para exercer uma Pasta estratégica na próxima administração dentro do Palácio do Planalto, como a Secretaria-Geral da Presidência da República.

Para Rossetto, é essencial que o Congresso assegure ao Executivo um padrão de estabilidade num momento em que a oposição será mais dura. Assim, argumentou, o governo poderá apresentar à sociedade um padrão de competência e levar adiante sua agenda. Para isso, no entanto, Rossetto disse que o governo precisará de uma base sólida no Congresso para aprovar projetos e reformas, mas apontou sinais de possíveis problemas com o PMDB.

Rossetto concordou que o PMDB tem condição de governo, e não de aliado. E afirmou que é missão do vice-presidente da República, Michel Temer, “acomodar” o partido. Ele ponderou, no entanto, que o Executivo não tem “tanto problema” com a bancada pemedebista no Senado.