Título: Da moratória à defesa de Furnas
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2011, Política, p. 2

Governador de Minas, Itamar virou notícia ao anunciar que não honraria a dívida com a União e ao enviar policiais militares para uma série de manobras na fronteira regional, forma que encontrou para mostrar a força do estado contra a privatização

Cinco anos longe do poder parecem ter dado a Itamar Franco fôlego suficiente para voltar a movimentar a política nacional. Bastaram seis dias no comando de Minas Gerais, em 1999, para agitar o mundo financeiro ao declarar a moratória unilateral da dívida de R$ 16,2 bilhões com o governo federal. Em poucas palavras, o governador anunciou que, durante 90 dias, não honraria os compromissos assumidos com a União durante uma renegociação que envolveu vários estados no ano anterior.

Os efeitos foram imediatos: em poucas horas, o C-Bond, principal papel brasileiro no exterior e termômetro da credibilidade da economia brasileira, perdeu 4% do valor. Ações de bancos e empresas europeias com negócios no Brasil despencaram. Assim como o índice Bovespa e, em efeito cascata, as bolsas mexicana e argentina. Analistas apontaram a moratória como causadora da perda de valor do dólar e da queda na bolsa de Nova York.

Ao justificar o ato duramente criticado na ocasião, Itamar Franco apontou uma situação financeira "caótica" em Minas e disse que a suspensão do pagamento visava a garantir os "compromissos sociais, evitando que o caos se instalasse no estado". O governador exigia ainda uma auditoria na dívida estadual. Um dos pontos mais questionados era o seu atrelamento a uma taxa de juros anual de 7,5%, maior que a adotada em São Paulo, fixada em 6%.

Como retaliação pelo chamado "calote", Minas Gerais sofreu bloqueios nos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE), sanção prevista no contrato de renegociação assinado em 1998 pelo antecessor Eduardo Azeredo (PSDB). A moratória terminou em 4 de fevereiro de 2000, 13 meses depois de decretada, com a assinatura no Tesouro Nacional de aditivos ao contrato do acordo da dívida. Na ocasião, ressalvou que continuaria a luta "pela dignidade do povo mineiro".

Em maio de 2001, voltou a ameaçar uma nova moratória por causa do racionamento de energia ¿ medida implementada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em que os brasileiros não poderiam consumir mais que o limite estabelecido pelo governo federal. O argumento do então governador é que a medida iria interferir na economia de Minas Gerais com a diminuição da arrecadação de ICMS sobre as contas de luz. Mas a intenção, daquela vez, não passou de ameaça.

Privatização A luta seguinte foi contra a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). E Itamar obteve na Justiça vitória sobre a ação anulatória do governo contra o acordo de acionistas da empresa, obrigando os sócios, as norte-americanas AES, Southern Eletric e o Banco Opportunity, a afastar-se da diretoria da empresa. As multinacionais estrangeiras adquiriram em leilão, durante o governo Eduardo Azeredo, 33% das ações da estatal energética.

Acordo previsto no edital do pregão dava aos sócios privados o direito de participação na administração da empresa e ainda poder de decisão sobre negócios e investimentos. Com a ação judicial, o governo retomou o controle acionário da empresa. No último ano de governo, Itamar Franco veio a público desmentir rumores de que poderia privatizar a Cemig e lembrou que a venda depende ainda de aprovação da Assembleia Legislativa e de referendo popular.

A privatização de Furnas Centrais Elétricas foi outra bandeira combatida por Itamar. A ponto de enviar 2,5 mil homens da Polícia Militar para o sudoeste de Minas, onde fica a usina, para uma série de manobras nas margens da represa e em nove cidades mineiras (Passos, Piumhi, Carmo do Rio Claro, Alpinópolis, Capitólio, São João Batista do Glória, Itaú de Minas, Guapé e São José da Barra) banhadas pelo complexo elétrico de 1,44 mil quilômetros quadrados inundados por 22,9 bilhões de metros cúbicos de água.

A chamada "operação" para treinar os novos praças nas "atividades de rua" duraria de 11 a 14 de outubro de 1999. No entanto, a manobra foi interpretada na época como uma demonstração de força de Minas Gerais no momento em que o governo federal se articulava para viabilizar a assembleia de acionistas, que poderia dividir as sete hidrelétricas e duas termoelétricas do complexo de Furnas em três pedaços para fazer um leilão.