Testemunha entrega ao MP e-mails e documentos para provar que presidente da estatal sabia de desvios

"A vilã não é a Venina. Ela está do lado da ética e sempre denunciou internamente. A diretoria toda sempre soube, incluindo a Graça (Foster)" Ubiratan Mattos Advogado de Venina da Fonseca "Todos os elementos formais, como documentos e e-mails, foram entregues. Mas o teor deles e do depoimento vai continuar em sigilo" Deltan Dallagnol Procurador do Ministério Público "Em 2009, Venina teve uma briga com o Paulo Roberto. Não sei o porquê. E eu falei com o Paulo Roberto: " Você e Venina precisam conversar" " Graça Foster Presidente da Petrobras, em entrevista na última quarta-feira


Segundo advogado, cópias de documentos comprovam que diretoria foi avisada sobre irregularidades em contrato de comunicação e nas obras da Refinaria Abreu e Lima; Petrobras não se pronunciou A ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca reafirmou ontem, em depoimento de cinco horas a procuradores da Lava-Jato, que a presidente da Petrobras, Graça Foster, e toda a diretoria da empresa sabiam de irregularidades nos contratos da Diretoria de Abastecimento, chefiada por Paulo Roberto Costa. Venina, segundo seu advogado, ainda entregou cópias de documentos e e-mails que diz ter enviado a integrantes da cúpula da companhia alertando sobre desvios em contratos de comunicação e nas obras da Refinaria Abreu e Lima. A Petrobras afirmou que não teve acesso ao conteúdo do depoimento e, por isso, não comentou.

Num depoimento de cinco horas em Curitiba, a geóloga Venina Velosa da Fonseca afirmou ao Ministério Público Federal que a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, e toda a atual diretoria da estatal sabiam dos desvios de recursos em contratos superfaturados da Diretoria de Abastecimento da estatal. A funcionária da Petrobras disse que enviou mensagens eletrônicas alertando Graça e outros executivos da estatal, como o atual diretor de Abastecimento, José Carlos Cosenza, entre 2009 e 2011, para irregularidades em contratos na área de comunicação do Abastecimento, nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e na comercialização de combustível de navio, o chamado bunker. O conteúdo das mensagens foi revelado na semana passada pelo jornal "Valor Econômico", aumentando o desgaste de Graça à frente da estatal.

O advogado de Venina, Ubiratan Mattos, afirmou que sua cliente entregou cópias das mensagens reproduzidas pelo "Valor" e de outras centenas de emails, documentos e relatórios internos de auditoria da Petrobras que reforçam a versão dela de que Graça e a diretoria ignoraram seus alertas sobre os desvios. Mattos explicou que sua cliente manteve cópias das mensagens porque sabia que estavam sendo cometidas irregularidades graves. E decidiu ajudar nas investigações da Lava-Jato depois de ver seu nome incluído entre os responsáveis por irregularidades nas obras de Abreu e Lima, ao lado de Pedro Barusco, ex-gerente executivo da Diretoria de Engenharia e Serviços.

"A VILÃ NÃO É A VENINA" Barusco era o principal auxiliar de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, que chegou a ser preso pela Polícia Federal. O ex-gerente assinou acordo de delação premiada para minimizar punição, além de se prontificar a devolver cerca de R$ 100 milhões mantidos fora do país.

- A vilã não é a Venina. Ela está do lado da ética e sempre denunciou internamente. A diretoria toda sempre soube, incluindo a Graça (Foster) – disse Mattos, garantindo que a geóloga passou a ser intimidada por telefone após a primeira denúncia, com recados como "você está mexendo com gente grande".

- Havia um processo de desconstrução da imagem da Venina. Colocar o nome dela ao lado do de Pedro Barusco é um absurdo.

Entre 2005 e 2009, Venina ocupou um cargo similar ao de Barusco, mas na diretoria de Abastecimento, que na época era dirigida por Paulo Roberto Costa. O ex-diretor, que fez um acordo de delação premiada após ser preso pela PF, é apontado como responsável por contratos superfaturados que teriam provocado prejuízos de R$ 1,1 bilhão à Petrobras só na área de Abastecimento. Duque também tinha ingerência nesses contratos, segundo a investigação.

Principal auxiliar de Costa, Venina também assinou boa parte dos contratos superfaturados de obras como as da refinaria Abreu e Lima. Por isso, foi incluída entre os responsabilizados por uma investigação interna que detectou irregularidades nos contratos da refinaria, e perdeu o cargo de diretora-presidente da subsidiária da Petrobras em Cingapura. Ela teria sido enviada àquele país no início de 2010, pouco depois de ter se desentendido com Costa. Na versão de Venina, foi uma retaliação às suas denúncias.

Graça levou quatro dias para negar de forma incisiva ter sido avisada por Venina sobre os desvios de recursos no Abastecimento. Ao responder um pedido da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Petrobras não questionou a autenticidade das mensagens de Venina para Graça, para Cosenza e para outros executivos da estatal, mas argumentou que o conteúdo "não explicitava" as irregularidades.

Na quarta-feira, Graça disse não ter respondido os e-mails, embora Venina tenha pedido um encontro para entregar documentos numa das mensagens que enviou em 2011. Graça ainda não era presidente da Petrobras. Como diretora de Gás e Energia, ela disse ter procurado Costa para que se entendesse com Venina. Segundo fontes próximas a Graça, a presidente da Petrobras não confiava em Venina, que era braço-direito de Costa. Na semana passada, Graça avaliou que o envolvimento de Venina no caso da refinaria descredencia as denúncias dela. Mas a revelação das mensagens tornou ainda mais difícil a permanência da atual presidente da estatal no cargo. Auxiliares tentam convencer Dilma a substituí-la.

O procurador Deltan Dallagnol, que lidera a força-tarefa do MPF na Lava-Jato, ressaltou que Venina depôs na condição de testemunha e pode ser ouvida novamente na sequência das investigações, mas não deu detalhes do que ela falou. O gerente Gerson Luiz Gonçalves, relator da apuração interna que culminou com a exoneração de Venina, também será chamado a depor.

- Todos os elementos formais, como documentos e e-mails, foram entregues. Mas o teor deles e do depoimento vai continuar em sigilo – disse o procurador.

Durante o depoimento, o Ministério Público ofereceu a Venina a possibilidade de ser ouvida como "colaboradora" da investigação, em acordo de delação premiada, mas o advogado diz que ela não considerou necessário.

- Em nenhum momento ela cogitou depor como colaboradora. Ela será ouvida como testemunha de acusação – disse Mattos, acrescentando que Venina teme por sua segurança: – Essa foi apenas a primeira conversa com o Ministério Público. Mantivemos o sigilo por segurança. Ela tem sofrido ameaças por telefone.

TESTEMUNHA VOLTARÁ A MORAR NO RIO Venina voltou ao Brasil esta semana. Ela agora voltará a viver no Rio com as duas filhas. Em fevereiro, ela deverá prestar pelo menos três depoimentos ao juiz Sérgio Moro, nos inquéritos da Lava-Jato.

A comissão de apuração interna da Petrobras atribuiu a Venina a assinatura, em 2007, do documento de antecipação das obras da refinaria Abreu e Lima que permitiu o aumento dos custos do projeto por meio de aditivos aos contratos das empreiteiras. Em 2008, ela e Pedro Barusco assinaram o documento que pedia a Duque e Costa a abertura de 12 licitações para a refinaria. Segundo a investigação interna, a diretoria executiva da Petrobras não foi comunicada sobre a mudança na estratégia para estas contratações. No mesmo ano, ela assinou com Barusco um pedido de INCLUSÃO de empresas na licitação, e não houve parecer jurídico para a finalização do processo licitatório.

A Petrobras informou que não tem condições de se manifestar sobre o depoimento de Venina ao MP porque não teve acesso ao conteúdo. ( Colaborou Felipe Ribas, especial para O GLOBO)