Na reta final da reforma ministerial, o Palácio do Planalto anunciou ontem o nome do novo titular da Cultura. O escolhido pela presidente Dilma Rousseff foi Juca Ferreira. Ato contínuo, Marta Suplicy, que comandou a pasta de setembro de 2012 até novembro passado, publicou nas redes sociais um duro texto contra Ferreira, desencadeando mais um Clima de desconforto nas hostes petistas. O novo ministro foi o coordenador da área de Cultura da campanha de Dilma à reeleição e já havia sido ministro entre julho de 2008 a dezembro de 2010, no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Na sua primeira passagem pelo ministério, defendeu a proposta de revisão dos direitos autorais que criminaliza o “jabá”, dispensa a autorização dos titulares para a restauração de filmes e exibições em cineclubes e prevê supervisão do governo em associações de gestão coletiva de direitos autorais, como o Ecad. Em mensagem postada no Facebook, Marta bateu forte na escolha da presidente. “A população brasileira não faz ideia dos desmandos que este senhor promoveu à frente da Cultura brasileira. O povo da Cultura, que tão bem o conhece, saberá dizer o que isto representa”, escreveu. Ex-ministra, que após deixar a pasta retomou seu mandato no Senado, aproveitou para atacar também o colega de partido Alexandre Padilha, que disputou o governo paulista em outubro e acabou em terceiro lugar. Isso porque Padilha, no meio da tarde, anunciou, antes mesmo da oficialização por parte do Planalto, que Ferreira havia sido escolhido para a Cultura. “Nada mais sintomático do que Alexandre Padilha, aquele que foi rejeitado pelo povo paulista, nas últimas eleições, para anunciar Juca Ferreira no Ministério da Cultura”, escreveu Marta. A petista saiu do Ministério da Cultura batendo a porta. Na carta de demissão, disse esperar que Dilma fosse “iluminada” para escolher uma equipe econômica “independente, experiente e comprovada”, a fim de resgatar a “confiança e credibilidade” ao governo. Em conversas reservadas, amigos de Marta afirmam que a senadora se movimenta para ser candidata à Prefeitura de São Paulo, em 2016, e pode deixar o PT, caso o partido queira apostar na reeleição de Fernando Haddad. O que mais irritou Maita foi o fato de Ferreira ter feito campanha ostensiva para voltar ao ministério que comandou no governo Lula, enquanto ela ainda estava lá. De acordo com um dirigente do PT, a senadora ficou furiosa porque em setembro Ferreira organizou, no Rio, um ato de apoio * à reeleição de Dilma, com artistas e intelectuais, sem ao menos consultá-la. Além disso, no dia do ato, Marta teve de passar pO novo ministro não foi localizado ontem pelo Estado para comentar as declarações de Marta. Com a escolha de Ferreira, Dil-ma chega à véspera da posse do novo governo ainda com 14 das 39 cadeiras de ministros vazias. 

Chanceler. Um entrave na escolha do novo ministro de Relações Exteriores atrasou mais seu cronograma de anúncios. Dilma ainda não conseguiu decidir se mantém o atual chanceler, Luiz Alberto Figueiredo, hoje bastante criticado, mas com quem tem um bom relacionamento, ou se faz a troca desejada por Lula, por empresários e mesmo por boa parte dos diplomatas. No final de semana, havia-se chegado em uma conformação considerada ideal: a volta de Celso Amorim para o cargo de ministro, a vinda do embaixador nos EUA, Mauro Vieira, para a Secretaria-Geral e a ida de Figueiredo para Washington. Amo-rim afirma que desconhece especulações sobre seu nome e diz que nunca foi sondado para voltar ao Itamaraty. Fontes próximas ao ministro garantem que ele poderia, sim, retomar. O problema no Itamaraty é causado pela impressão do governo de que o Brasil andou para trás nas relações comerciais. Em meio a crise econômica mundial, o País reduziu suas vendas no exterior e perdeu espaço em áreas onde um bom relacionamento havia sido construído, como África, Ásia e Oriente Médio. Sem nenhuma experiência em comércio exterior, Figueiredo tem sido responsabilizado pela situação. Dilma tem ouvido que precisa de um chanceler com vocação para aumentar a influência do País no exterior. 

* ANÁLISE: Carlos Melo 

Escolhas mostram presidente mais autônoma e isolada 

Desiludido agora está somente quem se iludiu no passado. É normal com as torcidas. Mas sabia-se que as condições do governo não seriam boas. Na economia, as apostas não deram resultado. Na política, os sinais indicavam esgotamento: três mandatos distribuindo espaços parece suficiente para exaurir os recursos da governabilidade. A movimentação recente mostrou que a galinha dos ovos de ouro já não satisfaz a todos. O novo ministério é expressão dessa exaustão: incapaz de estabelecer tréguas e reiniciar o processo, revela os problemas e as limitações do jogo. Não é um governo novo, apenas permanência de um conflito continuado, com alguns novos jogadores em campo. A arquitetura é ambígua. Na economia, reconhece-se desacertos e fracassos. Os sinais são de que haverá tentativa de desatar os nós que prenderam o barco. Mas será preciso reformá-lo. Na política, a engenharia de Dilma vai em sentido contrário. Ela radicaliza o que já não tem dado certo e aposta na fórmula manjada: atender aos aliados que, em tese, lhe darão sustentação. Com efeito, a estatura do ministério é maior que a atual - não seria mesmo difícil. Todavia, as condições são incomparavelmente piores que há quatro anos: o novo (sic) governo irá se deparar com ambiente inóspito, hostil; sem lua de mel, sem condescendência, sem pacto. Difícil avançar em agenda reformista, qualquer que seja. A relação acaba se resumindo à blindagem do Executivo. Para isso, cada partido - ou menos, os caciques de cada fragmento partidário -cobrará elevado preço por aquilo que, a rigor, não se pode garantir. As delações premiadas pesam sobre cabeças, como a Espada de Dâmocles. Seu tênue fio toma as lealdades frágeis, as fidelidades ainda mais voláteis. De certo modo, Dilma escolheu partes em cada partido - não é mais possível agradar a maioria. Em que pese o sorriso dos que estarão na foto da posse, aliados estarão ressentidos. Não apenas no PMDB, não só no PT; também no lulismo que um dia a abrigou. Aparentemente, a composição do ministério indica uma Dilma mais autônoma, mas é possível que resulte numa presidente mais isolada; cercada dos seus, mas menos protegida e mais exposta. 

* CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER

● Descanso
Passada a cerimônia de posse, marcada para amanhã, Dilma Rousseff seguirá no dia seguinte para a Base Naval de Aratu, na Bahia, onde ficará durante quatro dias descansando.