Uma das 11 empresas apontadas como integrantes de cartel de trens em São Paulo também aparece na investigação da operação Lava-Jato, que apura indícios de corrupção, fraude a licitações e pagamentos de propinas a políticos e funcionários públicos com recursos supostamente desviados da Petrobras. 

A empresa é a MPE Montagens e Projetos Especiais S.A., uma das responsabilizadas pelo Ministério Público Estadual de São Paulo (MPSP) em ação civil pública encaminhada à Justiça na sexta-feira. 

Segundo a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social, a MPE integrou suposto cartel para reforma e manutenção de trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) entre 2001 e 2002. O MPSP pediu reparação aos cofres públicos de R$ 418,3 milhões, em valores nominais. 

Os promotores requereram ainda a dissolução da MPE e de outras nove empresas acionadas na Justiça: Siemens, Alstom, CAF (Brasil), TTrans, Bombardier, MGE, Tejofran, Temoinsa e Mitsui. 

"De todo modo, a conclusão a que se chega é que as condutas anticompetitivas das empresas cartelarizadas impediu que a CPTM obtivesse as melhores propostas comerciais. 

Como consequência, houve o aumento arbitrário dos preços do contrato", afirmaram os cinco promotores que assinam o pedido encaminhado ao Fórum da Fazenda Pública, em São Paulo. 

Procurada na sexta-feira por telefone e e-mail, a empresa não retornou as tentativas de contato feitas pela reportagem. 

Em computadores do doleiro Alberto Youssef, alvo da operação Lava-Jato, a Polícia Federal (PF) encontrou um "acordo de confidencialidade" entre a Petrobras Distribuidora e a CSA Project Finance Ltda, controlada pelo ex-deputado José Janene (PP-PR), morto em 2010, e pelo doleiro. Ela foi usada para lavar R$ 1,15 milhão do mensalão, segundo os investigadores. 

Para a PF, a minuta do acordo indicou que Youssef e Janene, envolvidos no esquema acusado de desviar recursos da obra da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, também atuaram no leilão para construir e operar a Usina Termelétrica Suape II. 

O consórcio vencedor foi formado pela MPE Montagens e Projetos Especiais S.A, BR Distribuidora, Ellobras Infraestrutura e Participações, Genrent Participação Ltda. e Genpower Energy Participações. 

A MPE também foi responsabilizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por atrasos na entrega de obras do Complexo petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) que podem custar R$ 1 bilhão aos cofres públicos. 

Uma das maiores obras em execução no país, o Comperj passou por seguidas alterações de prazo e orçamento. O custo inicial, previsto em R$ 19 bilhões, disparou para R$ 26 bilhões. A inauguração deveria ter ocorrido há dois meses. Mas foi adiada para agosto de 2016. 

O TCU suspeitou de sobrepreço. 

A MPE venceu a concorrência da Petrobras com R$ 162 milhões acima do valor oferecido por três outras participantes. O tribunal também considerou a desclassificação das concorrentes irregular. Mesmo avaliada com "péssimo desempenho" no cadastro da Petrobras, a MPE foi contratada pela estatal. 

A obra não foi suspensa porque o TCU entendeu que a paralisação do contrato causaria prejuízos maiores aos cofres públicos. 

Em São Paulo, a empresa participa de grandes obras na área de transporte. Integrante do consórcio Monotrilho Integração, é uma das responsáveis pelo monotrilho que fará a ligação entre o aeroporto de Congonhas e linhas do metrô e CPTM. Em parceria com a Siemens no Consórcio Linhas Leste, participa de obras das linhas 11- Coral e 12-Safira da CPTM. 

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a empresa doou para campanhas apenas em 2010, com R$ 620 mil. Os repasses foram, em peso, às candidaturas dos governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) e do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT). Cabral recebeu a maior fatia dos R$ 620 mil doados pela empresa naquele ano, com R$ 400 mil. Agnelo recebeu R$ 100 mil. A companhia doou também para as campanhas de José Messias de Souza (PCdoB-DF) a deputado federal, com R$ 60 mil; para Mauricio de Mendonça Ramos (PCdoB-RJ) para deputado estadual, com R$ 30 mil e de Hercules Thadeu Pelles (DEM-GO), para deputado estadual.

 

Investigações no Rio estão mais lentas

 

As investigações que cabem à Justiça do Rio sobre as denúncias de corrupção na Petrobras estão em ritmo muito mais lento do que as do Paraná, onde correm as ações penais da Operação Lava-Jato. Os processos estão dispersos e aparentemente não há comunicação entre as partes, o que foi dito com o compromisso de sigilo, por algumas fontes ouvidas pelo Valor. No Ministério Público Federal do Rio (MPF-RJ) foram iniciados dois Procedimentos Investigatórios Criminais (PICs). Um deles, a cargo do procurador José Maria Panoeiro, investiga indícios de superfaturamento na aquisição da refinaria de Pasadena em favor do grupo belga Astra. A base é relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). O outro PIC procura determinar os beneficiários de pagamentos de subornos a funcionários da Petrobras e agentes públicos feitos pelo empresário Julio Faerman, representante comercial da holandesa SBM no Brasil. Essa investigação está a cargo do procurador Renato de Oliveira, do MPF-RJ. Faerman mora em Londres desde 2012. Esse processo corre em sigilo, apesar de a SBM ter concordado em pagar US$ 240 milhões depois de entrar em acordo com o Ministério Público da Holanda após a identificação de pagamentos de US$ 139,1 milhões no Brasil. O MP holandês concluiu que "os pagamentos foram feitos a partir de companhias offshore do agente de vendas do Brasil para funcionários do governo brasileiro". O Valor apurou que foram encontradas nas Ilhas Virgens Britânicas quatro empresas de Faerman: Bienfaire, Jandell, Journey Advisors e Hades Production Inc. No Brasil ele é sócio da Faercom e da JF Oildrive. Uma terceira investigação da Justiça, essa a cargo do Ministério Público Estadual (MPE-RJ) porque a Petrobras é uma sociedade de economia mista com sede no Rio, investiga contrato de US$ 825 milhões da Petrobras com a Odebrecht para serviços de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS) em 10 países, inclusive o Brasil. O valor foi reduzido posteriormente para US$ 481,69 milhões. Essa ação, na qual o MPE-RJ investiga "concessão de vantagens financeiras indevidas à Odebrecht", segundo a denúncia do promotor Alexandre Themístocles, foi desdobrada em três partes. Entre os denunciados estão o ex-diretor da área internacional da Petrobras, Jorge Zelada, o diretor de contratos da Construtora Norberto Odebrecht, Marco Duran e sete funcionários e ex-funcionários da Petrobras, inclusive o lobista João Augusto Henriques, que trabalhou na BR Distribuidora. A primeira denúncia, de fraude em licitação (Lei nº 8.666/93) é baseada em relatório da Comissão Interna de Apuração (CIA) da Petrobras criado após reportagem da revista "Época". O processo está em fase de notificação dos réus pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio. Falta notificar dois réus para começar a fase de depoimentos. Dada a envergadura dos negócios que podem ter gerado prejuízo à estatal, as penas aqui são pequenas caso aja condenação. O artigo 92 da Lei 8.666 prevê pena de dois a quatro anos. Sequer é possível decretar a prisão preventiva de algum dos réus, caso algum deles esteja, por exemplo, no exterior. Isso porque o artigo 313 do Código Penal admite apenas a decretação da prisão preventiva "nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos". Em nota, a Odebrecht "nega veementemente qualquer irregularidade nos contratos firmados com a Petrobras, conquistados legitimamente por meio de concorrências públicas". Em outro movimento, a Odebrecht entrou, na 9ª Vara Cível, com a primeira de cinco ações anunciadas contra a Petrobras, nas quais quer cobrar US$ 74 milhões por não pagamento de parcelas do contrato de SMS. A subsidiária chilena da construtora cobra da estatal R$ 7,6 milhões acrescidos de juros e atualização. Na segunda parte da denúncia, o MPE-RJ solicitou ao Núcleo de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil a instauração de inquérito policial para investigar a venda da refinaria de San Lorenzo e de 27,5% da participação da Petrobras na distribuidora Edesur (ambas na Argentina); a compra de participação em um bloco na Namíbia; e a contratação, nos Estados Unidos, da sonda Titanium Explorer da empresa Vantage Deepwater. Dada a extensão internacional e complexidade desses negócios, é incerto o sucesso da polícia na investigação. O ponto de partida é uma das investigações internas da Petrobras iniciada após declarações de João Augusto Henriques à "Época". Ele diz que intermediou negócios com Zelada porque o ex-diretor devia sua indicação ao PMDB e tinha que fazer negócios que rendessem ao partido. Henriques afirma ainda que o contrato com a Odebrecht foi assinado após pagamento de US$ 8 milhões para João Vaccari, tesoureiro do PT. E mencionou outras "comissões". A terceira parte da denúncia do MPE é a mais promissora pelo espectro mais amplo, e segue na Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Ministério Público do Rio, a cargo da promotora Gláucia Santana. O objetivo é apurar atos de improbidade administrativa, o que pode conectar a ação com a Lava-Jato. A promotora também investiga o contrato de construção da sede do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) pela Andrade Gutierrez e a evolução patrimonial do presidente licenciado da Transpetro, Sergio Machado. Sobre ele, o ex-diretor Paulo Roberto Costa afirma ter recebido suborno de R$ 500 mil. Já irregularidades no Comperj detectadas pelo TCU são investigadas no MP de Itaboraí.

 

Troca internacional fará crescer número de operações

 

O maior volume de trocas de informações entre as instituições no Brasil e instituições internacionais deve gerar um número cada vez maior de operações como a Lava-Jato. Segundo Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Lava-Jato é fruto de 108 relatórios de inteligência do órgão - documentos feitos no caso de fortes indícios de crime contra o sistema financeiro.

"Se em 2013, o Coaf fez um total de 2,4 mil relatórios, esse ano já chegou a 3 mil", afirma Rodrigues.

Esses relatórios são feitos após a análise de comunicações de operações suspeitas e o cruzamento dessas informações para contextualizá-las. Este ano, o Coaf registra pelo menos 73,7 mil comunicações recebidas com 47, 7 mil pessoas citadas, de acordo com dados do Coaf apresentados no I Seminário Nacional sobre Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, realizado pela Escola de Administração e Negócios (Esad), no Rio de Janeiro.

"No caso da Lava-Jato, o que se pegou foi movimento das empresas usadas pelo doleiro para lavar dinheiro. A Coaf descobriu as movimentações, a Polícia Federal (PF) investigou e chegou ao [doleiro Alberto] Youssef", disse. Mas, segundo ele, sobre o escândalo atual, tudo já está nas mãos da polícia. "Agora trabalhamos os dados de operações que vão estourar daqui a um, dois anos", afirmou.

Esse ano, mais de 1 milhão de comunicações foram registradas pela Coaf, sendo a maioria do Banco Central, seguida do segmento de cartões de crédito e, em terceiro, de empresas de factoring. A Lei nº 12.683, de 2012, lista os setores econômicos que são obrigados a comunicar o Coaf.

Milton Fornazeri Júnior, delegado da Polícia Federal em São Paulo, também acredita no aumento de operações com a maior troca de informações e a regulação da "colaboração premiada".

Segundo o delegado, embora a delação premiada exista em diversas leis, seu uso ficou mais seguro com a edição da Lei 12.850, de 2013. A norma instituiu o seu procedimento. Por exemplo, determina que deve ser iniciada por apresentação espontânea e levar a PF e o Ministério Público aos autores do crime e garante segurança jurídica por meio da homologação judicial e do sigilo - até a ação penal.

Além da delação, o delegado destacou as interceptações telemáticas - de Skype, Whatsapp e outros meios de comunicação pela internet -, sob as mesmas condições das telefônicas, e a crescente cooperação internacional: "Até 2001 a Suíça não passava informação. Essa evolução se deu por conta de atentados terroristas que ameaçaram o país."