O Ministério Público Federal (MPF) comparou o modo como supostamente se associaram empreiteiros, políticos e funcionários para cometer desvios na Petrobras à maneira como as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, se uniram para controlar o tráfico de drogas no país. Os integrantes dos “partidos do crime” atuam do interior de presídios, em vários Estados do país.
A comparação foi feita pelos procuradores responsáveis pela acusação criminal na Operação Lava-Jato, em alegações finais apresentadas à Justiça Federal do Paraná. Ao elencar “os paradigmas” que afirmam definir os grupos criminosos organizados, os acusadores consideraram: “Em tais grupos, o componente principal é o lucro pessoal, e a união se dá em torno dessa finalidade, ou seja, é uma aliança de finalidade essencialmente econômica. Sobreleva a ideia de cooperação entre indivíduos e grupos, conforme a necessidade, formando-se vínculos horizontais, e não verticais. Exemplo: união entre CV e o PCC. É o modelo mais frequente na Europa, com exceção da Itália: uma rede informal e transfronteiriça de relações recíprocas entre os chamados criminosos em tempo integral, que trabalham em pequenos grupos”.
Para os procuradores da República que integram a força-tarefa, a atuação da suposta organização criminosa da Petrobras “surgiu de dentro para fora, ou seja, a partir da própria estrutura institucional da Petrobras, em que [é] inerente a ingerência política na nomeação de altos cargos da estatal (em especial, as diretorias), permitindo, a partir daí, a aproximação de altos escalões da política do Estado da criminalidade, com destaque para figura de Paulo Roberto Costa [Paulo Roberto Costa], na qualidade de ocupante de cargo de direção na estatal e operador político do esquema”.
Para o MPF, o modo de agir da suposta organização criminosa instalada na Petrobras “qualifica-se, ao lado da criminalidade econômica grave, como criminalidade dos poderosos, aproximando a política da criminalidade, com um aproveitamento das relações e do domínio do poder estatal para alcançar a impunidade. Exemplo: mensalão”, afirmam os procuradores.
Os responsáveis pelos pedidos de condenação dos investigados na Operação Lava-Jato são categóricos ao afirmar que a existência da organização criminosa “restou devidamente atestada nos autos”.
Planilha liga Youssef à Transpetro em terminal
Planilha com 750 contratos apreendida na casa do doleiro Alberto Youssef, contém cinco registros de propostas de intermediação de negócios que envolveriam a Transpetro, subsidiária da Petrobras. Elas tratam de obras do Terminal da Bacia de Ilha Grande (Tebig), em Angra dos Reis (RJ).
Quatro delas referem-se às obras de adequação do sistema de tratamento de esgoto do terminal de Angra como "projeto-referência". A Transpetro aparece na planilha de Youssef como "cliente final".
O documento, que traz registros feitos por Youssef entre 2009 e 2012, contabiliza negócios que ele teria buscado na intermediação de contratos entre empreiteiras do suposto cartel batizado de "O Clube" e órgãos da administração pública, principalmente a Petrobras.
Definida como "perturbadora" pelo juiz Sergio Moro, a tabela dos 750 contratos faz parte das novas investigações que focam em subsidiárias da estatal de petróleo.
A suspeita é que empreiteiras supostamente representadas por Youssef tenham sido contratadas diretamente para a obra ou terceirizadas.
A Lava-Jato apura a atuação da Construcap-CCPS Engenharia e Comércio S.A. Ela é mencionada duas vezes na planilha.
O primeiro registro em nome da Construcap traz a anotação "Transpetro-Sistema de Tratamento de Afluentes do Terminal Aquaviário de Angra dos Reis", orçado em R$ 4 milhões.
A Construcap não teve participação nas obras do sistema de afluente. No entanto, conduziu dois contratos no Tebig, em Angra, pelos valores de R$11,6 milhões e R$ 9,5 milhões.
Em nota, a Construcap afirmou que "jamais manteve relação, negócio ou transação financeira com tal pessoa [Youssef]"
Disse também que a companhia realizou obras para a Petrobras, no Terminal Marítimo Maximiano Augusto da Fonseca, da Transpetro, em Angra dos Reis: "Dois contratos, obtidos através de licitação regular".
"Na substituição da linha 3 de petróleo no trecho interno da Área de Trancagem da Área Principal (AP) do aludido terminal. Valor: R$ 11.647.688,01. Data de assinatura: 15 de maio de 2007".
A empresa admitiu ter adquirido tubos de aço da Sanko-Sider, empresa suspeita de emitir notas fiscais para a Camargo Corrêa que, segundo os investigadores, dissimulariam repasses de recursos desviados da Petrobras.
"Nesta obra, a Construcap adquiriu da empresa Sanko Sider 12 metros de tubo de aço de carbono(...) referida aquisição foi realizada de maneira legal e regular, sendo o material devidamente entregue na obra", afirma a empresa no comunicado.
Pela assessoria de imprensa, a Transpetro informou que "a companhia não possui intermediários na realização de nenhum de seus contratos ou pagamentos. E que "a empresa Construcap CCPS não teve e não tem contratos com a Transpetro referentes ao Terminal de Angra dos Reis nem a qualquer das instalações operadas pela Companhia".
Ontem venceu o prazo para que o presidente licenciado da empresa, Sérgio Machado, decida se ficará no cargo. No posto há 12 anos, por indicação do hoje presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), Machado foi acusado pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa de pagar propina de R$ 500 mil em contratos que teriam envolvido a aquisição de navios.
Supremo recebe pedido de investigação contra deputado
O Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de inquérito para investigar o deputado Luiz Argôlo (SD-BA). Ele é acusado de ligação com o doleiro Alberto Youssef, um dos pivôs do escândalo de desvio de recursos da Petrobras.
O pedido feito pela Procuradoria-Geral da República será analisado pelo ministro do STF Teori Zavascki, relator dos processos da operação Lava-Jato no Supremo.
O caso está em segredo de Justiça e, portanto, há poucas informações sobre a ação que, de acordo com o site do STF, tem como assunto "crimes de 'lavagem' ou ocultação de bens, direitos ou valores".
Em depoimento à Polícia Federal (PF), o advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, laranja de Youssef, afirmou que o doleiro deu um helicóptero de presente ao deputado.
Argôlo também seria sócio informal de Youssef na empresa de fachada Malga Engenharia, segundo relato de Meire Poza, responsável pela contabilidade das empresas do doleiro.
O deputado também foi flagrado em escutas telefônicas da operação Lava-Jato que monitoravam atividades ilícitas de Youssef.
Ontem, a Justiça Federal de Curitiba concedeu mais 15 dias para que a Polícia Federal (PF) investigue o empresário suspeito de operar para o PMDB na diretoria Internacional da Petrobras, Fernando Soares, o "Baiano". Ele cumpre prisão preventiva na Superintendência da PF em Curitiba, suspeito de corrupção.
"Apesar das provas já referidas na decisão em questão, apontando, em cognição sumária, provas de materialidade de crimes e indícios de autoria em relação a vários dos investigados, afigura-se salutar conceder mais tempo à Polícia Federal para melhor análise do material apreendido", decidiu o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Criminal.
A PF corre contra o tempo para avaliar as evidências obtidas nas operações de busca e apreensão realizadas no dia 14 de novembro em São Paulo, Rio de Janeiro e em outros Estados.
Soares foi apontado pelos delatores ligados à Setal, Julio Camargo e Augusto Mendonça Neto, como intermediador de contratos que recebeu até US$ 40 milhões em contas de offshores no exterior e dinheiro em espécie no Brasil.
O advogado de Soares, Mário de Oliveira Filho, afirma que seu cliente "não é nem nunca foi" operador do PMDB.
O controlador-geral da União, ministro Jorge Hage, defende mudanças no sistema de controle sobre as empresas estatais para evitar eventuais desvios de grandes quantias de dinheiro, como ocorrido com a Petrobras. No modelo atual, a Petrobras fica fora do sistema pelo qual a CGU analisa as licitações feitas no âmbito da administração pública.
A Controladoria monitora as concorrências públicas de dezenas de órgãos do governo para identificar eventuais desvios. Cada compra é avaliada por um sistema tecnológico que permite verificar os padrões nas licitações, se há um mesmo ganhador ou um grupo comum de vencedores junto a determinados órgãos do governo. A CGU já identificou casos de alternância entre os vencedores em concorrências semelhantes e até licitações decididas em feriados de modo a favorecer determinados compradores.
Por ser sociedade de economia mista, a Petrobras não é monitorada pelo cruzamento de dados feito dentro do Comprasnet – o portal de compras governamentais. Pelo sistema é possível identificar padrões de condutas capazes de revelar irregularidades, como favorecimentos constantes a empresas vencedoras em licitações e pagamentos por parte de entes públicos em valores acima do razoável pelo mercado.
A Petrobras dispõe de um mecanismo próprio para fechar contratos bilionários com fornecedores e prestadores de serviços, como empreiteiras, que é o procedimento licitatório simplificado. O Tribunal de Contas da União –TCU contestou as concorrências feitas pela estatal por esse procedimento, mas o Supremo Tribunal Federal –STF concedeu várias liminares autorizando-o. O Supremo nunca julgou o mérito dessas liminares que foram concedidas por vários ministros da Corte. Há dez dias, o presidente do tribunal, ministro Ricardo Lewandowski, anunciou que pretende levar o caso ao plenário do STF, nas próximas semanas, para que todos os integrantes da Corte analisem o procedimento próprio de licitações da Petrobras.
Para Hage, é necessário ampliar o controle sobre as empresas estatais de modo a evitar desvios como os apurados na Operação Lava-Jato. “Isso envolve, claro, primeiro, decisões políticas”, disse o ministro. “Envolve projetos de leis, decretos, decisões que implicam em implementação concreta de sistemas eletrônicos que abranjam as movimentações e transições dessa outra faixa da administração pública, que é mais distante dos controles centrais, que são as estatais de economia mista”, completou.
O juiz Sergio Moro, da 7ª Vara Federal Criminal do Paraná, responsável pelas ordens de prisão relativas à investigação de pagamento de propinas por executivos de empreiteiras à Petrobras, é favorável à aplicação da "teoria do avestruz", também chamada de "cegueira deliberada" nos casos de lavagem de dinheiro. Na prática, isso indica que, para o magistrado, mesmo se um investigado se coloca na posição de ignorância, deve ser penalizado - a título de dolo eventual.
O juiz não quis comentar especificamente sobre a Operação Lava-Jato.
Pelo dolo "eventual" o réu não teve intenção direta, mas assumiu o risco do resultado lesivo e deve ser condenado.
Para o juiz é possível a aplicação dessa tese nos casos de lavagem de dinheiro porque a lei não exclui essa possibilidade, de forma genérica a aplicação está prevista no Código Penal (CP) e há bons exemplos no direito comparado como no espanhol.
O juiz comentou que em vez de teoria do avestruz, seria melhor ela ser chamada de teoria da raposa, "que evita tomar conhecimento para evitar sua responsabilização".
"Se não admitirmos o dolo eventual, haverá dificuldade significativa para a responsabilização criminal", disse no I Seminário Nacional sobre Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, realizado pela Escola de Administração e Negócios (Esad), no Rio de Janeiro.
A prova da lavagem de dinheiro exige elementos objetivos e subjetivos. Estes últimos são mais difíceis de comprovar e abrangem o dolo eventual. Mas de acordo com Moro, na cegueira deliberada, precisam ser claras: a elevada probabilidade de conhecimento do ato lesivo, a indiferença sobre o resultado e persistência na conduta, e a possibilidade do agente estudar e conhecer melhor o que estaria acontecendo.
Não foi citada jurisprudência aplicando a teoria do avestruz em caso concreto. Porém, Moro lembrou que na Ação Penal 470, o processo do mensalão, a teoria chegou a ser debatida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) "apontando a tendência do STF em admitir essa forma de responsabilização", disse. No caso do mensalão, a maioria entendeu ter havido dolo direto (quando há intenção).