Rússia irrita vizinhos ao cortar gasoduto

Por Christian Oliver, Andrew Byrne e Kerin Hope | Financial Times, de Bruxelas, Budapeste e Atenas

Os países do Leste Europeu reagiram com choque e irritação à decisão da Rússia de abandonar o projeto Fluxo Sul, seu duto de gás de US$ 50 bilhões que atravessaria o mar Negro até a Europa. As ações de algumas das empresas envolvidas no projeto despencaram.

Bulgária, Sérvia e Hungria disseram não ter recebido qualquer aviso prévio de que Moscou desistiria do Fluxo Sul, embora todos esses países tivessem investido significativo capital financeiro e político no projeto. A Rússia disse que, em vez de empregá-lo, exportará seu gás para uma central de transações na Turquia.

O Fluxo Sul é, até agora, a maior vítima do impasse entre a Rússia e a União Europeia (UE) devido ao envolvimento militar de Moscou na Ucrânia. O tão elogiado projeto, apoiado pelo grupo estatal russo de gás Gazprom, pretendia levar o gás da Rússia para a Europa sem passar pela Ucrânia. Ganhou impulso depois que uma série de disputas em torno de preços entre Moscou e Kiev levou alguns dos clientes europeus da Gazprom a sofrer cortes de abastecimento.

Mas havia temores em Bruxelas de que o gasoduto consolidaria a hegemonia da Gazprom sobre o mercado de gás europeu. A Comissão Europeia insistiu em que fosse concedido acesso ao Fluxo Sul a outras fornecedoras de gás, argumentando que a ideia de a Gazprom fornecer o gás e ao mesmo tempo controlar o gasoduto infringia as normas de competição da UE.

No entanto, o projeto foi apoiado por vários países do sudeste da Europa, que o encararam como um reforço à sua segurança energética. Além disso, eles estavam ansiosos por ganhar dinheiro com as tarifas de trânsito envolvidas na travessia de seu território pelo gás russo.

Os países da região perderam outra alternativa fundamental de abastecimento no ano passado, quando foi abandonado o projeto concorrente Nabucco, apoiado pela União Europeia, que transportaria gás do Azerbaijão até a Europa Central.

Numa reunião de embaixadores da UE realizada ontem em Bruxelas, o representante da Hungria perguntou a Federica Mogherini, a nova titular de política externa da UE: "Primeiro Nabucco, agora o Fluxo Sul. O que vamos fazer agora?"

Peter Szijjarto, ministro das Relações Exteriores da Hungria, disse que agora terão de ser exploradas fontes de energia alternativas, como o gás do Azerbaijão.

Por seu lado, o presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, disse ao canal RTS de seu país que a decisão era uma má notícia para Belgrado e que tentaria falar urgentemente com Putin. "A Sérvia investe nesse projeto há sete anos, mas agora tem de arcar com as consequências de um conflito entre as grandes [potências]", afirmou Vucic.

As ações das empresas que tinham contratos com o Fluxo Sul caíram acentuadamente ontem. Os papéis do grupo italiano de serviços petrolíferos Saipem fecharam com queda de 10,8%, enquanto os da siderúrgica alemã Salzgitter cuja joint-venture fornece dutos de aço a Fluxo Su l, perderam 7,4% de seu valor.

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Moscou admite que país caminha para recessão

Por Olga Tanas e Lyubov Pronina | Bloomberg

A crise econômica da Rússia não para de se agravar e ontem o governo admitiu que o país caminha para uma recessão. Uma ex-autoridade do banco central também mencionou "um certo pânico" no sistema financeiro por causa da queda dos preços do petróleo.

Um dia depois de o presidente Vladimir Putin ter dito que a Rússia está desistindo da construção de um oleoduto de US$ 45 bilhões para a Europa, o governo previu que a economia vai encolher no ano que vem e cancelou um leilão de bônus. Ele também foi forçado a prometer 39,95 bilhões de rublos (US$ 740 milhões) para o OAO Gazprombank, que é pelo menos o terceiro banco a precisar de uma injeção de capital desde que as sanções impostas pelos Estados Unidos e Europa afetaram sua capacidade de captar recursos.

A economia está sucumbindo às penalidades impostas em decorrência do conflito na Ucrânia, ao mesmo tempo em que a desvalorização do rublo provoca inflação e a queda de 30% nos preços do petróleo afeta as receitas de exportação. A Rússia poderá mergulhar no primeiro trimestre de 2015 em sua primeira recessão desde 2009, segundo o vice-ministro da Economia Alexei Vedev.

"Os elementos de instabilidade" que afligem a economia da Rússia vão de estruturais a geopolíticos, disse ontem Vedev a jornalistas em Moscou. "Um dos principais fatores é o preço mais baixo do petróleo."

O petróleo dos Urais, o principal blend exportado pela Rússia, provavelmente ficará na média de US$ 99 o barril em 2014, sendo que uma previsão anterior apontava para US$ 104 o barril, disse Vedev. O preço, acrescentou ele, deverá cair para a média de US$ 80 no ano que vem.

O PIB da Rússia poderá encolher 0,8% em 2015, em comparação a uma estimativa anterior de crescimento de 1,2%, continuou Vedev. As previsões ainda são preliminares e não refletem a posição unificada do governo, observou a jornalistas o ministro das Finanças Anton Siluanov.

As expectativas revistas mostram o quanto o PIB russo está sofrendo por causa do pior confronto do país com os EUA e seus aliados desde a Guerra Fria. Ele provavelmente vai cair ou mostrar crescimento zero neste trimestre, e recuar nos primeiros três meses de 2015 (numa base anualizada), afirmou Vedev.

No mês passado, o Banco da Rússia adotou o câmbio flutuante antes do previsto, depois que suas intervenções drenaram bilhões de dólares de suas reservas cambiais. As autoridades monetárias também aumentaram os juros básicos quatro vezes desde março, num total acumulado de 400 pontos-base, para conter a inflação.

O rublo acumula uma desvalorização de quase 30% em relação ao dólar nos últimos três meses, o pior desempenho entre as mais de 170 moedas monitoradas pela Bloomberg. Ele voltou a cair ontem e chegou a ser cotado em 53,8060 por dólar no fim do dia em Moscou, um recuo de 5,1%.

A Rússia vem sendo alvo de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, com penalidades que estão prejudicando seu acesso aos mercados de capitais globais e alimentando a fuga de capital. Putin nega envolvimento nas turbulências na Ucrânia, iniciadas depois que ele anexou a península da Crimeia, no mar Negro, em março.

A saída líquida de capitais deverá aumentar para US$ 125 bilhões em 2014, mais que os US$ 100 bilhões previstos anteriormente, segundo Vedev. Se confirmado, será o maior total anual desde 2008, quando US$ 133,6 bilhões deixaram o país, segundo dados do banco central. O Ministério da Economia prevê que as saídas diminuirão para US$ 90 bilhões em 2015, com a manutenção das sanções ao longo do ano.

A Rússia precisa que o preço do petróleo do tipo Brent, que os operadores usam como parâmetro para estabelecer o preço do principal blend de exportação da Rússia, fique em média em cerca de US$ 100 neste ano, para poder equilibrar seu orçamento, segundo estima o Deutsche Bank. Ontem, o petróleo Brent caiu 0,7% para US$ 72,06, depois da alta de 3,4% na segunda-feira. A inflação de 2014 deverá ser de 9%, devendo recuar para 7,5% em 2015, acrescentou Vedev. A inflação de outubro foi de 8,3%, a maior desde julho de 2011.

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Para FMI, país corre riscos

Por Agências internacionais

A queda nos preços do petróleo vai fornecer um impulso líquido à economia global, ao mesmo tempo em que representa riscos para países exportadores de energia, como a Rússia. A avaliação é da diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.

"Assumindo que teremos uma queda de 30% [nos preços do petróleo], é provável que haja 0,8 ponto percentual extra [em crescimento econômico] para a maior parte das economias avançadas, porque todas elas são importadoras de petróleo", disse Lagarde, mencionando especificamente Europa, Japão e China. Para os Estados Unidos, o ganho seria de "provavelmente" 0,6 pp.

Ao comentar pela primeira vez a queda de 18% nos preços da commodity nas últimas semanas, a diretora-gerente do Fundo disse que a desvalorização é uma "ameaça significativa" para a Rússia, aumentando "sua fragilidade e vulnerabilidade, e eles sabem disso. Temos que aguardar para ver qual será sua reação".