O governo Dilma Rousseff tentou ontem pacificar sua relação com o novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas a tarefa poderá ser árdua. Em seu primeiro dia no cargo, Cunha reforçou a independência entre os poderes, definiu a relação com o Planalto como institucional, reiterou que votará prioritariamente o Orçamento Impositivo e anunciou que porá em votação uma proposta de reforma política que contraria o PT. Além de precisar aprovar no Congresso medidas do ajuste fiscal em curso, o Palácio do Planalto teme que Cunha coloque em votação projetos que aumentam gastos do governo.

- Amanhã (hoje), vou apresentar um requerimento para aprovar, diretamente no plenário, a admissibilidade da reforma política que o PT estava segurando na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Em seguida, vou criar a comissão especial para fazer a reforma andar imediatamente - disse Cunha ao GLOBO.

O PT trabalha contra essa proposta, principalmente porque é contra incluir na Constituição a possibilidade de doação de empresas privadas para campanhas eleitorais, na contramão do que está para ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo texto que deve ser posto em votação por Cunha, os partidos poderão optar por três tipos de financiamento de campanhas: público, privado ou misto.

A proposta também acaba com o voto obrigatório e com a reeleição para cargos executivos. E inova na forma da eleição de deputados, dividindo os estados em regiões para a disputa eleitoral. Os deputados fariam campanha nessas regiões, e não em todo o estado; o voto proporcional seria mantido. O texto ainda prevê o fim das coligações partidárias nas eleições para deputados e vereadores e cria a cláusula de barreira para que o partido possa ter acesso ao Fundo Partidário e a tempo de TV.

Cunha também está empenhado em concluir esta semana a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a executar recursos do Orçamento da União reservados por deputados e senadores para obras e programas por meio de emendas parlamentares.

Dilma telefonou para Cunha, ontem de manhã, para parabenizá-lo pela vitória. Ela fez o mesmo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas na noite anterior - e com a diferença de que o governo comemorou a vitória do senador.

- Relação não se define com palavras, se define no seu contexto cotidiano, a relação é institucional. A presidenta telefonou, cumprimentou. Naturalmente, vamos ter que conversar, isso é inevitável. Os poderes terão que ser independentes, pregamos que sejam harmônicos e a harmonia há que existir - disse Cunha.

primeiro afago é feito por ministro da justiça

Como forma de tentar uma relação mínima com o novo presidente da Câmara, Dilma receberá Cunha nos próximos dias para uma conversa, em data ainda não marcada. No Palácio do Planalto, a avaliação é que Cunha não fará do seu mandato uma corrida pelo impeachment de Dilma - como defendem setores da oposição, na esteira do escândalo na Petrobras -, mas que dificultará a vida do governo, impondo uma agenda própria de votações, parte delas com impacto nas contas públicas.

O primeiro afago público ao novo presidente da Câmara partiu do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ainda pela manhã.

- Tenho absoluta convicção de que o presidente Eduardo Cunha investirá profundamente em uma boa relação com os poderes do Estado. A relação com o Executivo será harmoniosa, dentro daquilo que a própria Constituição prescreve - disse Cardozo, na abertura do ano para o Judiciário, em cerimônia realizada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Mais tarde, foi a vez do ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, responsável pela articulação política do governo, que criou arestas com partidos da base aliada ao cobrar apoio ao candidato do PT à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia, derrotado no domingo:

- O Eduardo Cunha não é um desafeto do governo. Quando tem um jogo de futebol, tem carrinho, tem puxão na camiseta, às vezes até uma canelada. Termina o jogo, os amigos sentam e tomam uma cervejinha.

Para reduzir danos, a postura do governo é de "bandeira branca" em relação a Cunha. Na visão do Planalto, a convivência pacífica com Cunha é vista como única alternativa, devido à dimensão que ele passou a ter. Cunha foi eleito com 267 votos em um colégio eleitoral de 513.

- Ele tem um tamanho que ninguém controla. Vamos usar alguma votação de uma medida provisória menos importante nas próximas semanas para ver o tamanho real da base do governo - disse um auxiliar de Dilma, já que três partidos aliados (PP, PRB e PTB) apoiaram Cunha, sem seguir a orientação do governo de apoiar o petista Arlindo Chinaglia (SP).

A avaliação do núcleo político do governo é a de que não adianta punir esses partidos com perda de ministérios ou de cargos, o que só agravaria a situação delicada que o Planalto deve enfrentar nas votações na Câmara.

 

 

Dilma diz que ajuste fiscal não trará recessão

 

Em mensagem ao Congresso, presidente garante que reequilíbrio fiscal será "gradual"

Cristiane Jungblut

Um dia após sofrer uma derrota acachapante na eleição para a presidência da Câmara, a presidente Dilma Rousseff afirmou, em mensagem enviada ao Congresso, na abertura dos trabalhos do Legislativo, que sua gestão não vai promover "recessão ou retrocesso na economia", apesar dos ajustes em curso, como aumento de impostos. Parte dessas medidas terá que ser chancelada pelo Congresso, como as novas regras do seguro-desemprego. Dilma fez uma defesa do ajuste fiscal adotado e admitiu um cenário pessimista no futuro próximo. Ela afirmou que em 2015 o Brasil ainda sofrerá os efeitos da crise econômica. Para ela, a meta é promover o reequilíbrio fiscal "gradual" e o crescimento econômico "o mais rápido possível".

- Não promoveremos recessão e retrocessos. Vamos promover o reequilíbrio fiscal de forma gradual. Ajustes fazem parte do dia a dia da política econômica, bem como do cotidiano de empresas e pessoas. Ajustes nunca são um fim em si mesmos. São medidas necessárias para atingir um objetivo de médio prazo, que, em nosso caso, permanece o mesmo: crescimento econômico com inclusão social - dizia o texto, lido pelo primeiro-secretário da Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP).

- Precisamos garantir a solidez nos nossos indicadores econômicos. E lidar com as incertezas e oscilações da economia internacional que ainda devem marcar 2015 - afirmou a presidente.

oposição tenta criar cinco CPi"s

Dilma foi direta ao afirmar que a redução do superávit em 2015 para 1,2% do PIB é a forma encontrada para reagir ao cenário adverso.

- Atingimos um limite - admitiu.

A mensagem foi longa, repleta de defesas de suas ações e garantias de que o governo não mexeu em direitos sociais ou trabalhistas. Ao defender as duras medidas fiscais, ela disse que havia "excessos", citando a necessidade de novas regras para o pagamento de abono salarial, seguro-desemprego e auxílio-doença. Sem citar o escândalo da Petrobras, Dilma disse que o Brasil avança no combate à sua "histórica impunidade" e pediu a ajuda dos poderes Legislativo e Judiciário.

Líderes da oposição criticaram a ausência da presidente na reabertura da sessão legislativa num momento de crise e consideraram uma "inabilidade política" ela mandar em seu lugar o ministro chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante de "cara ruim". Ele ficou o tempo todo de semblante muito fechado e mudo na Mesa, ao lado do novo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que sorria muito.

Os deputados compararam a reabertura da legislatura com o "Estado da União", quando o presidente dos EUA, em sessão solene, discursa fazendo uma prestação de contas de sua gestão e apresentando as propostas para o Legislativo. No momento da leitura em que o texto de Dilma elogiou conquistas da Petrobras, os oposicionistas não se contiveram, e começaram a protestar e a gritar: "petrolão, petrolão". Mansur chegou a interromper a leitura.

- A presidente Dilma explicitou sua insatisfação com o Congresso fazendo beicinho e dizendo: perdi, não vou! Na Inglaterra a rainha Elizabeth escolhe a sua mais vistosa coroa para ir ao Parlamento, num gesto de respeito - criticou o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

A oposição decidiu ontem que tentará apresentar requerimentos para a criação de cinco Comissões de Inquérito. Os temas na mira investigativa do PSDB, DEM e PPS são a Petrobras, setor elétrico, empréstimos do BNDES, fundos de pensão e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).