O juiz federal Sérgio Moro, que conduz todas as ações da Operação Lava Jato, classificou ontem (18) de “indevida interferência política” a estratégia das empreiteiras do cartel que se instalou na Petrobrás de buscar apoio do governo, via Ministério da Justiça. No mesmo despacho em que decretou nova ordem de prisão preventiva de quatro executivos - Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, e Eduardo Leite, Dalton dos Santos Avancini e João Ricardo Auler, estes últimos da Camargo Corrêa - o juiz chamou de “intolerável que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas”.

O juiz faz referência ao episódio do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que admitiu ter recebido advogados da Odebrecht para tratar da Lava Jato. O ministro reconheceu também um encontro com um advogado da UTC em seu gabinete, mas o tratou como fortuito e disse que os processos que tramitam em Curitiba não foram abordados na conversa.

“Embora os episódios ainda não tenham sido totalmente esclarecidos, trata-se, a ver deste Juízo, de uma indevida, embora malsucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência política em seu favor no processo judicial”, alerta o juiz.

“Evidentemente, não com o oferecimento de vantagem indevida, mas certamente com o recorrente discurso de que as empreiteiras e os acusados são muito importantes e bem relacionadas para serem processadas ou punidas e que cabe ao governo ajudá-las de alguma forma”, escreveu Moro.

No seu despacho, o juiz citou o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, que, pelas redes sociais, defendeu a demissão do ministro da Justiça. Moro endossou a tese de Barbosa segundo a qual defensores que recorrem à política pretendem, na verdade, corromper a Justiça. “(Barbosa)bem definiu a questão em comentário também divulgado na imprensa: ‘Se você é advogado num processo criminal e entende que a polícia cometeu excessos/deslizes, você recorre ao juiz. Nunca a políticos’.”

Moro, porém, não censurou a conduta do ministro. “Nem seria apropriado que o fizesse já que não sujeita a minha jurisdição, mas acima de tudo porque não há notícia ou prova de que o ministro de Justiça tenha se disposto a atender às solicitações dos acusados e das empreiteiras”.

O magistrado destaca, ainda, que nem “sequer é crível que (o ministro) se dispusesse a interferir indevidamente no processo judicial”. Ele disse que cabe ao ministro da Justiça apenas dar à PF “as condições estruturais de realizar o seu trabalho com independência”.

Para Moro, contudo, “a mera tentativa por parte dos acusados e das empreiteiras de obter interferência política em seu favor no processo judicial já é reprovável”.

“Assim como foram as aludidas tentativas de cooptação de testemunhas, indicando mais uma vez a necessidade da preventiva para garantir a instrução e a aplicação da lei penal e preservar a integridade da Justiça contra a interferência do poder econômico.”

Segundo ele, a conduta dos empreiteiros, a quem definiu como “algozes da Petrobrás”, caracteriza “total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal”.

Moro argumenta que “não há qualquer empecilho para que os advogados constituídos procurem a Justiça” e destacou que tem recebido “de portas abertas” os defensores. “Mais estranho ainda é que participem desses encontros, a fiar-se nas notícias, políticos e advogados sem procuração nos autos das ações penais.”

Inversão

O juiz também chamou de “uma estranha inversão de valores” as críticas à atuação da Polícia Federal, doMinistério Público Federal e da própria Justiça. “O policial que descobre o cadáver não se torna culpado pelo homicídio e a responsabilidade pelos imensos danos sofridos pela Petrobrás e pela economia brasileira só pode recair sobre os criminosos, os corruptos e corruptores.”

A nova ordem de prisão dos executivos da UTC e da Camargo Corrêa é fundada “em risco à ordem pública, ao processo e à aplicação da lei penal”. O juiz foi alertado pela PF sobre vazamentos da sétima fase da Lava Jato - deflagrada em 14 de novembro.

Defesa

O criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, que defende Eduardo Leite, classificou a decisão de Moro como “surpreendente” e “com argumentos absolutamente divorciados da realidade”. “Se ele entende que as empreiteiras ainda estão agindo de forma ilícita, que puna os que agem em nome delas e não aqueles que estão presos”, disse. “Espero que ele não esteja seguindo a mesma trilha do ministro Joaquim Barbosa, que demonstra seu total desapreço pela advocacia.”

Os advogados dos outros executivos não foram localizados.