Falhas em série nas previsões de chuvas dificultam operação

Valor Econômico - 15/01/2015

Daniel Rittner

À exceção de junho e de setembro, dois meses de hidrologia fraca no meio do período de estiagem, todas as previsões meteorológicas usadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) desde o início do ano passado falharam - muitas vezes grosseiramente. Na prática, tem chegado menos água nos maiores reservatórios do país do que o originalmente previsto, colocando em xeque o discurso oficial de que a volta das chuvas garantirá o abastecimento de energia em 2015. Ainda é cedo para falar em racionamento, mas o conflito pelo uso da água não vai diminuir.

Um exemplo do erro está nas projeções de dezembro: o ONS contava com uma afluência equivalente a 107% da série histórica no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, considerado a maior caixa d'água do país, mas o dado real foi de 84%. O problema se repete novamente em janeiro. Previa-se uma entrada nos reservatórios de 90% da vazão média dos últimos 84 anos. Nas duas primeiras semanas de janeiro, choveu só 48%.

Com isso, o volume de água armazenado nas represas caiu pelo segundo dia consecutivo na terça-feira, em plena temporada de chuvas. O estoque diminuiu para 19,1% da capacidade máxima noSudeste/Centro-Oeste. Há exatamente um ano, quando a situação já era bastante crítica, estava em 41,8%. Para garantir o fornecimento de energia neste ano, segundo o ONS, é necessário atingir pelo menos 33% de armazenamento no fim de abril, quando termina oficialmente o período chuvoso. Internamente, no governo, trabalha-se com uma meta mais próxima de 40% para afastar completamente o risco de déficit.

"A frustração das chuvas tem sido muito grande e está cada vez mais difícil alcançar os números desejados pelo ONS", diz o presidente da Thymos Energia, João Carlos de Oliveira Mello. Ele frisa que a hidrologia do primeiro trimestre é crucial para o planejamento da operação nos meses seguintes. "Já praticamente perdemos janeiro. Temos fevereiro e março pela frente. Na melhor das hipóteses, este ano será igual ao que foi 2014", afirma Mello, prevendo o acionamento das térmicas a todo vapor e restrições operativas nas usinas hidrelétricas.

Para complicar ainda mais, as altas temperaturas têm dificultado a recomposição dos reservatórios. Às 15h38 de terça-feira, o sistema interligado nacional registrou a terceira maior demanda da história, com 85.391 megawatts (MW). O horário de pico, que historicamente se dava no fim do dia, migrou para o meio da tarde devido ao uso massivo de aparelhos de ar-condicionado. O recorde de demanda, verificado em fevereiro de 2014, é de 85.708 MW.

Com os reservatórios mais vazios, as turbinas das hidrelétricas precisam "sugar" mais água para produzir a mesma quantidade de energia, já que as quedas estão muito menores do que habitualmente. A quantidade de megawatts gerados resulta da combinação da queda d'água e da vazão que passa pelas máquinas.

Diante das dificuldades, o Valor apurou que o ONS pretende repetir dois elementos da estratégia adotada no ano passado para driblar as ameaças de racionamento. Uma delas é acumular o máximo possível de água nos reservatórios mais perto das cabeceiras, que podem liberar o estoque para as usinas rios abaixo gradualmente, ao longo do período seco. Outra é diminuir a vazão de saída das represas, mas isso tem um custo: prejuízos à operação de hidrovias, à pesca, aos polos de agricultura irrigada e até ao abastecimento humano.

Segundo fontes do ONS, a flexibilização dos usos múltiplos da água permitiu uma economia de 11,2 pontos percentuais no armazenamento da região Nordeste, em 2014. As hidrelétricas de Sobradinho (BA) e de Três Marias (MG) enfrentaram as maiores restrições. Nas bacias dos rios Grande e Paranaíba, no Sudeste, teria havido uma economia de 7 e 14 pontos percentuais com essas restrições, respectivamente.

Quem se sentiu prejudicado por essa estratégia promete contestar a prioridade absoluta dada ao setor elétrico no ano passado.

"Todos têm que se conscientizar de que enfrentaremos sacrifícios", afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo Miranda. "A questão é que, além da absoluta transparência no diagnóstico da situação, esses sacrifícios devem ser divididos igualmente."

Miranda vê um cenário incômodo para o restante do ano e acredita que o período de estiagem começará em condições piores do que em 2014. Por isso, vê a necessidade de se traçar "urgentemente" uma estratégia preventiva, levando em conta a preservação das atividades de transporte fluvial e do abastecimento hídrico a municípios que dependem das represas.

Segundo ele, o ONS tem insistido com a Agência Nacional de Águas (ANA) em reduzir ainda mais a vazão da usina hidrelétrica de Sobradinho, que está em 1,1 mil metros cúbicos por segundo. O normal é 1,3 mil. A intenção do operador, diz Miranda, é diminuir a saída de água para 900 m3 /s em períodos de carga leve no sistema (de madrugada, durante a semana, e aos sábados e domingos). "Os impactos ambientais são desconhecidos."

As hidrovias do Tietê e do São Francisco ficaram interditadas desde meados do ano passado devido ao baixo calado. Cada tonelada de grãos transportados pelas barcaças nos rios custa US$ 27 por mil quilômetros, segundo dados do Ministério da Agricultura. Se a mesma quantidade de grãos seguir por rodovia, o custo do frete aumenta para US$ 42.

O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Mário Povia, cobra um "regime mais democrático" para o uso da água e diz não acreditar em novas "medidas unilaterais" do ONS. Povia aposta em um quadro "menos grave" do que o de 2014, na torcida por mais chuvas, mas antecipa: uma reunião com os principais interessados deve ocorrer na ANA, até o fim de fevereiro, para discutir o assunto. "Sem prejuízo ao setor elétrico, o que precisa ser evitado é a paralisação total das hidrovias."

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ONS diz que trabalha em remoção de viés otimista

Valor Econômico - 15/01/2015

Daniel Rittner

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) trabalha na "remoção do viés otimista" usado nas previsões meteorológicas elaboradas pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec). Todos os meses, ao definir a operação do sistema, o ONS se municia das projeções do Cptec para traçar sua estratégia.

"O modelo trabalha com um viés otimista", afirma o diretor-geral do ONS, Hermes Chipp. Em uma comparação remota, é como se fosse uma pesquisa eleitoral em que há uma margem de erro para mais ou para menos, mas na qual sempre se adota o limite de tolerância superior. Com isso, quando se divulga a expectativa do nível dos reservatórios ao fim de um determinado mês, reflete-se essa perspectiva otimista. "Estamos discutindo a remoção do viés."

Semana a semana, o ONS atualiza suas previsões meteorológicas, chegando gradualmente mais perto da afluência efetivamente verificada. Mas, na última semana de cada mês, fica relativamente fácil acertar a estimativa. O Valor pesquisou, desde janeiro do passado, as projeções usadas pelo operador antes de suas revisões semanais. A comparação foi feita com a vazão verificada ao término de cada mês.

Na região Nordeste, por exemplo, as chuvas ficaram acima do previsto em um único mês desde o início do ano passado: em novembro. Os reservatórios estavam, na terça-feira, em 17,81% da capacidade máxima. Há um ano, o índice marcava 39,8% do total.

O Cptec, que faz as previsões, é parte do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) e não respondeu as perguntas encaminhadas pela reportagem.

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Reajuste extra de energia puxa inflação no 1º trimestre

Valor Econômico - 15/01/2015

Leandra Peres e Rafael Bitencourt

O impacto da nova política de reajustes das tarifas de energia elétrica sobre a inflação se estenderá até o fim do primeiro trimestre e deve ser mais acentuado em fevereiro e março. No cenário traçado pelo governo, o efeito dos reajustes extraordinários que serão concedidos para resolver o problema de caixa das distribuidoras de energia vai superar o aumento da inflação causado pela adoção das bandeiras tarifárias em janeiro.

A estimativa é que o IPCA, índice usado como referência para a meta de inflação, aumentará em 0,3 ponto percentual por causa das bandeiras vermelhas acionadas em janeiro. Já os reajustes que serão autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se dividirão entre fevereiro e março, fazendo com que o IPCA continue elevado no início desse ano.

Numa tentativa de aliviar os reajustes médios de até 40% na tarifa de 2015 em virtude da nova política de preços, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, disse ontem que o governo tentará alongar o prazo de pagamento do empréstimo de R$ 17,8 bilhões que os bancos fizeram ao setor no ano passado.

"A partir das revisões extraordinárias [de tarifas], teremos um redesenho da remuneração do setor elétrico. A qualidade dos recebíveis e a geração de caixa permitirão uma renegociação dos termos do financiamento, com impacto positivo na redução da tarifa", disse o ministro.

Segundo fontes, o aumento do prazo de pagamento dos empréstimos foi tratado na reunião dos ministros Braga e Joaquim Levy, da Fazenda, com a presidente Dilma Rousseff, que, no entanto, pediu uma avaliação mais precisa. A mudança no cronograma de pagamentos não virá sem custos: os bancos envolvidos na negociação exigirão juros mais elevados e o resultado final pode não ser o melhor para o governo, especialmente no que diz respeito à inflação.

O ganho agora poderia chegar a cerca de oito pontos percentuais na tarifa caso nada fosse pago este ano, um cenário improvável. O impacto sobre a inflação, no entanto, é marginal. Conforme antecipou o Valor, a equipe econômica calculou em 0,2 ponto percentual o impacto que o pagamento do empréstimo sobre o IPCA de 2015.

Há também o argumento de que a postergação nos pagamentos implicará manter as tarifas de energia elevadas por mais tempo para quitar a dívida, o que contamina as expectativas para a inflação para os próximos anos no momento em que o Banco Central promete trazer o IPCA para 4,5% em 2016.

O cronograma original de pagamentos prevê que a Aneel crie um encargo nas contas de energia a partir de fevereiro. Nos primeiros nove meses, devem se arrecadados R$ 1,2 bilhão. Esses recursos funcionarão como um colchão e uma garantia extraordinária ao empréstimo. Se não for usado, poderá ser devolvido aos consumidores quando a dívida for quitada. O primeiro pagamento aos bancos está previsto para novembro desse ano.

O aumento da inflação em janeiro e fevereiro já vem sendo projetado pelo próprio mercado financeiro. O boletim Focus, feito pelo Banco Central com participação de mais de cem analistas do mercado financeiro, estima um IPCA de 1,05% em janeiro.

No governo, janeiro já não é mais visto como o pior mês. Espera-se uma pressão maior de preços em fevereiro por causa exatamente dos reajustes extraordinários que serão concedidos ao setor elétrico. O índice cheio pode ficar maior no mês de janeiro, por causa da concentração de pressões de outros segmentos, mas a energia deve ter um peso proporcionalmente maior no mês que vem.

Caso o governo leve adiante a estratégia de mudar o cronograma de pagamentos do financiamento de R$ 17,8 bilhões, estará na verdade começando uma nova negociação com o grupo de bancos públicos e privados que participou da operação. Além dos juros, que vão subir, será necessário obter a aprovação dos comitês de crédito de cada uma das instituições, um processo que dificilmente será finalizado em menos de dois meses.