Em meio às resistências enfrentadas no Parlamento, o governo resolveu deixar público a congressistas nos dois últimos dias a dimensão das dificuldades econômicas que tornariam imperativo o ajuste fiscal. Em jantar com o PMDB na noite de segunda-feira, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o governo precisa de um ajuste de R$ 80 bilhões este ano para recuperar a confiança dos investidores e voltar a crescer. Já o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, argumentou que, segundo as previsões de mercado, a inflação fechará 2015 acima de 7%, e que o ajuste fiscal é importante para auxiliar a autoridade monetária a fazer os índices de preços convergirem para o centro da meta, de 4,5%. Segundo participantes do jantar, Tombini disse que a inflação deve convergir para o centro da meta apenas no final de 2016.

Ao pedir apoio do PMDB para aprovar as medidas, Levy alertou para o risco de o Brasil entrar em uma crise econômica. Segundo relatos, o ministro argumentou que países que não tomaram medidas do tipo, diante do cenário internacional desfavorável, foram levados a severas crises.

O encontro com peemedebistas foi apenas a primeira de uma série de reuniões com lideranças partidárias para expor os argumentos pela aprovação das medidas. Segundo fontes do governo, o ajuste de R$ 80 bilhões citado por Levy inclui o contingenciamento do Orçamento, ações como o endurecimento das regras para o acesso da população a benefícios trabalhistas e previdenciários, além do aumentos de alguns tributos. Uma fonte presente no jantar com peemedebistas relatou que a frase do ministro da Fazenda foi: "não se faz um ajuste de R$ 80 bilhões apenas com cortes".

Segundo os técnicos da equipe econômica, o ministro chegou a esse montante com uma conta simples. Ele considerou a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) fixada para este ano, de R$ 55,3 bilhões, ou 1% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), e o rombo das contas públicas no ano passado. Em 2014, somente a União registrou déficit de R$ 20,5 bilhões. Assim, o montante seria de R$ 75,8 bilhões, arredondado para R$ 80 bilhões. No caso do Orçamento, a sinalização foi de que o contingenciamento será acima de R$ 60 bilhões.

Novas reuniões com Senado e Câmara

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), argumenta que o governo não pode basear seu discurso apenas em medidas que afetem a concessão de benefícios sociais. A equipe econômica tenta aprovar medidas que restringem o acesso ao seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte. Para Renan, também é preciso cortar na carne:

- A sociedade não entenderá se só a população mais pobre pagar a conta do ajuste. É preciso cortar também no setor público. É sobretudo uma oportunidade para que se possa dar um fundamento à coalizão de governo no Brasil.

Depois do jantar com o PMDB, o dia ontem foi de novas reuniões. Na primeira delas, um café da manhã com os senadores líderes dos partidos aliados e os ministros Nelson Barbosa (Planejamento), Manoel Dias (Trabalho), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Carlos Gabas (Previdência) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), houve críticas ao governo na condução do tema. Os dois lados concordaram que as propostas foram mal explicadas à sociedade e que agora está dando mais trabalho justificar que as medidas não são perda de direitos, mas ajustes para auxiliar no crescimento da economia. Escalado para falar em nome do governo, Pepe Vargas disse que o objetivo do encontro foi um "nivelamento de informações":

- Essas medidas não se inserem numa ideia de ajuste fiscal de curto prazo. Elas são medidas para preservar benefícios importantes, corrigir eventuais distorções e dar sustentabilidade aos fundos que lastreiam o acesso a esses benefícios. São mais ajustes de longo prazo do que de curto prazo. Não havia o objetivo de achar que todo mundo sairia convencido sobre as propostas. Agora é que o debate vai começar.

Os aliados também cobraram do governo flexibilizações nas regras que restringem o acesso a benefícios sociais, incluídas em duas medidas provisórias (MPs). Depois das primeiras reuniões, o consenso no governo é que só há uma alternativa para aprovar as medidas: ceder. Segundo senadores que estiveram no encontro, os ministros acenaram em flexibilizar as regras, reduzindo o prazo para recebimento do seguro-desemprego, dos 18 meses estabelecidos na MP, e também ajustar a pensão por morte.

- Todos ressaltaram a preocupação de que essas medidas não foram bem trabalhadas e isso criou um clima de animosidade. Agora, estamos correndo atrás do prejuízo - disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa.

Bancadas vão examinar argumentos

Após o café da manhã, um grupo de deputados da base chegou ao Planalto para discutir as MPs. A conversa também começou com reclamações sobre a postura do governo.

- O governo não é do PT, é de uma coalizão de partidos. Essas propostas tinham que ter sido discutidas antes - afirmou o deputado Hugo Leal (PROS), que é vice-líder do governo.

Nas reuniões, nenhum compromisso foi fechado pela aprovação das medidas. Segundo participantes dos encontros, as conversas recém começaram e há muito o que modificar.

- Não houve nenhum compromisso de mérito com as medidas. Ouvimos os ministros, vamos levar as ideias para as bancadas. A fase é de discutir - disse o líder do PR, Maurício Quintella Lessa. 

 

Renan afirma que coalizão do governo é 'capenga'

Para presidente do Senado, PT quer ser hegemônico e exclui PMDB do centro decisório

Simone Iglesias, Cristiane Jungblut e Júnia Gama

Na série de reuniões com ministros do Planalto e da equipe econômica, os caciques do PMDB deram seu recado: eles aceitam apoiar o ajuste fiscal, mas exigem que o Planalto os inclua no processo de formulação das decisões, que teria como primeira medida a inclusão de Michel Temer na coordenação política. Os peemedebistas também querem que o governo dê poder aos ministros do partido para de fato comandem suas pastas, o que passa pela aceitação de nomes da legenda para cargos do segundo escalão.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deixou clara a insatisfação com o formato atual da relação e disse que a coalizão do governo Dilma Rousseff é "capenga":

- Essa coalizão é capenga porque o PMDB, que é o maior partido da coalizão, não cumpre o seu papel. Você não pode ter um governo de um partido hegemônico (referindo-se ao PT), e ter um partido que é o maior do Congresso Nacional (o PMDB) sem que ele tenha papel na definição das políticas públicas.

Um dia depois do jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente Michel Temer, que reuniu a equipe econômica e a cúpula do PMDB, Dilma agradeceu ontem, em telefonema, a postura e o apoio de Temer. Segundo interlocutores do PMDB, a presidente também disse ao vice que gostaria de conversar pessoalmente na próxima semana com ele e outros integrantes da cúpula do partido sobre a relação com o governo. Devem participar da conversa, além de Temer, os presidentes do Senado e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Para peemedebistas, cargos não são favor

Ontem, Cunha disse que as reclamações feitas pelos peemedebistas de falta de participação nas decisões do governo são de natureza política e não irão interferir na postura a ser adotada pelo partido na votação do ajuste fiscal no Congresso.

- Isso (as reclamações) não têm nada a ver com as medidas. É de natureza política. Agora, na minha posição de presidente, não sou eu quem vai tratar. É o Michel e os líderes que vão tratar desse processo - afirmou Cunha.

No jantar no Jaburu, houve muitas críticas ao isolamento do governo. Peemedebistas reclamaram que só são chamados nas horas de crise, em vez de participarem das decisões, e que o PT posa de defensor dos trabalhadores enquanto eles assumem o ônus das medidas impopulares.

- A discussão está muito além de cargos no governo. Não se trata disso neste momento. Cargos têm que ser dados porque somos governo, não é favor nem troca. Os ministros e o partido têm que ser ouvidos, têm que participar do desenho das medida - disse um ministro peemedebista

A cúpula do PMDB deu o seu recado para o governo, durante encontro com ministros e o vice-presidente Michel Temer: se compromete com as medidas do ajuste fiscal e na aprovação destas ações no Congresso, mas, em contrapartida, exigiu participar de forma efetiva das decisões tomadas pela presidente Dilma Rousseff. Na mesma linha, o relator-geral do Orçamento da União de 2015, senador Romero Jucá (PMDB-RR), disse que o partido quer ter poder de decisão e não apenas assumir o desgaste das duras medidas do ajuste fiscal.

Os peemedebistas disseram ainda que o governo tem que começar a falar logo numa agenda de crescimento, voltada para o aumento do investimento em infraestrutura, para a redução da burocracia e a melhoria do ambiente de negócios.

- O PMDB não quer ser passageiro e sim tripulante. Não queremos ser apenas os responsáveis pelos cortes. O PMDB não será o carimbador do processo. Esse governo não pode ser depressivo, falar apenas em cortes, tem que falar em crescimento econômico - disse Jucá.

 

A vergonha de depender do PMDB

Ricardo Noblat

Pergunta incômoda que teima em ser feita: por que não há um só ministro do PMDB no chamado "núcleo duro" do governo? Por "núcleo duro" entenda-se o grupo de ministros com os quais a presidente Dilma Rousseff de fato governa o país.

Fazem parte do grupo: Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil; Pepe Vargas, ministro das Relações Institucionais; Jaques Wagner, ministro da Defesa; Miguel Rosseto, secretário-geral da Presidência; José Eduardo Cardoso, ministro da Justiça, e Ricardo Berzoini, ministro das Comunicações. Todos do PT.

O PMDB é o sócio preferencial do PT no apoio a Dilma. Manda no Congresso por meio dos presidentes do Senado (Renan Calheiros) e da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha).

No primeiro mandato de Dilma, o PMDB teve cinco ministérios. No mandato atual, seis. Mas os cinco eram mais importantes do que os seis de agora. Tinham mais poder.

Sempre se pode alegar que o vice-presidente da República é do PMDB - Michel Temer. Mas, e daí?

Dilma não ouve Temer para quase nada. Este ano, por exemplo, ainda não conversou com ele.

Joaquim Levy, ministro da Fazenda, reuniu-se ontem à noite com Temer, ministros e principais líderes do PMDB para pedir apoio às medidas antipopulares do ajuste fiscal.

Dilma ficou de conversar sobre isso com Temer, Renan e Eduardo. O PT quer deixar para o PMDB o encargo de publicamente se responsabilizar pela aprovação do ajuste.

Assim não dará certo.

Dilma, a turma dela e o PT têm vergonha de serem vistos na companhia do PMDB. Como se o distinto eleitorado não soubesse que é do PMDB que eles dependem. Como se eles fossem melhores do que o PMDB.

O mais forte sinal de que o PMDB arrebitou o nariz e não quer se manter a reboque do PT será dado amanhã em programa do partido no rádio e na televisão.

Dilma e o PT parecem esquecidos que foi por poucos votos que o PMDB manteve o apoio à reeleição de Dilma. Quase metade dele apoiou a eleição de Aécio Neves (PSDB) a presidente.

Estejam certos: haverão de beijar a cruz quantas vezes sejam necessárias se quiserem contar com a ajuda do PMDB.