A conta para repor a energia que deixou de ser produzida com o descumprimentos no cronograma de construção de usinas hidrelétricas, térmicas e eólicas alcança a amarga cifra de R$ 65 bilhões desde 2006. O rombo foi dimensionado em um estudo inédito da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que pesquisou o andamento de 272 obras de geração, com atraso médio de 4,1 anos.
Para medir o tamanho exato do prejuízo, a Firjan verificou o valor do megawatt-hora oferecido por cada usina nos leilões em que sua eletricidade foi contratada. Essas tarifas foram atualizadas pela inflação do período. A simulação abrange todos os empreendimentos monitorados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desde meados da década passada. No fim de 2014, o atraso comprometia a entrada em operação de 10.376 MW de potência - o equivalente a 8% de todo o parque gerador brasileiro.
No ano passado, as obras em atraso deveriam ter produzido energia suficiente para abastecer metade do consumo industrial no país. O rombo de R$ 65 bilhões corresponde à diferença entre o custo de geração dessas usinas e quanto foi efetivamente gasto para repor a oferta que deixou de entrar no sistema interligado nacional. De forma geral, a conta tem sido rachada entre os consumidores e o Tesouro Nacional, que vêm pagando o acionamento intensivo de térmicas bem mais caras nos últimos anos. Elas poderiam estar funcionando com menos intensidade caso todas essas obras tivessem seguido à risca os seus cronogramas originais.
O gerente de competitividade industrial e investimentos do Sistema Firjan, Cristiano Prado, avalia que pelo menos dois problemas estão na raiz dos atrasos: o planejamento falho e as dificuldades no processo de licenciamento ambiental. "Em um momento em que o país precisa de energia farta e barata, a soma disso é um desastre", afirma Prado.
Além de sugerir a melhoria da coordenação entre os órgãos oficiais, garantindo mais celeridade no licenciamento, a Firjan tem duas propostas: leiloar apenas usinas que tenham projetos executivos de engenharia prontos, diminuindo imprevistos durante as obras, e sejam ambientalmente viáveis; e acelerar a construção de linhas de transmissão para permitir sua conexão ao sistema.
Um indicador dos atrasos fica evidente no último boletim trimestral de acompanhamento de expansão da oferta da Aneel.
No ano passado, a agência esperava a entrada em funcionamento de usinas que somam 10.126 MW de capacidade. Houve frustração de 26% na estimativa e foram ligadas turbinas com 7.509 MW de potência total. Curiosamente, o maior acréscimo no parque gerador em 2014 veio justamente de duas usinas hidrelétricas - Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia - que precisaram recuperar o tempo perdido.
Apesar da sinalização de que a Aneel agirá com mais rigor, sem aceitar todas as justificativas dos empreendedores para pedidos de "perdão" aos atrasos, novos descumprimentos não param de acontecer. A hidrelétrica de Teles Pires (MT), com 1.819 MW de potência, já poderia estar operando em testes e gerando comercialmente a partir de abril. Sua nova data de entrada em funcionamento, porém, foi remanejada para setembro - a linha de transmissão para escoar sua eletricidade ainda não ficou pronta.
Como forma de atacar os atrasos cada vez mais frequentes, a Aneel quer prazos mais "realistas" para a construção das usinas, conforme noticiou o Valor em dezembro. Outra preocupação da agência é deixar mais claro em que circunstâncias os consórcios vitoriosos nos leilões podem ou não alegar ausência de responsabilidade por desvios nos cronogramas. Belo Monte, Jirau e Santo Antônio têm pedidos em andamento de "excludentes de responsabilidade".