O economista Joaquim Levy deixou o Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente Michel Temer, na última segunda-feira, tarde da noite e sendo chamado pelo outros convidados de o "oitavo ministro do PMDB". O jantar na casa do vice serviu ao que se propunha. Mostrar que as medidas de ajuste fiscal podem contar com a boa vontade da cúpula do Congresso e o apoio do maior partido da aliança que elegeu a presidente Dilma Rousseff. Mas serviu também de pretexto para o PMDB exigir uma divisão maior dos sacrifícios impostos pelo ajuste e advertir o Palácio do Planalto de que não aceita mais o papel de coadjuvante nas decisões do governo. 

"Mercadante, você me desculpa, mas já que vocês tocaram no assunto, vou aproveitar para furar esse tumor", disse o vice-presidente Michel Temer, ao final da reunião, dirigindo-se ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, um convidado inesperado para o jantar. A princípio, a ideia era levar apenas Levy para discutir com os principais dirigentes pemedebistas. Dilma sugeriu a Temer que Mercadante também fosse. Num primeiro momento, Temer respondeu "fica a seu critério". O sétimo ministro, Mangabeira Unger (SAE), telefonou para lembrar que era filiado ao PMDB - foi incluído. 

O assunto a que se referiu Temer era um encontro dos pemedebistas com Dilma, que Mercadante prometeu patrocinar, provavelmente na próxima semana. "Nós iremos para rediscutir as bases da coalizão, porque também me sinto vítima desse processo", disse o vice. De um lado Temer sente-se pressionado pelo PMDB, partido que preside, que quer participar mais da formulação das políticas públicas e do núcleo de decisão do governo. De outro, o governo, que somente o chamaria para apagar incêndios como a votação do artigo da LDO que acabou com a meta do superávit fiscal em 2014. Seu descumprimento é um dos motivos pelos quais pode ser pedido o impeachment do presidente. 

A intervenção final de Michel Temer resume bem o clima do encontro. O ministro da Fazenda explicou que "as mudanças não vão criar desaceleração, mas a desaceleração da economia é que exige as mudanças". Os pemedebistas deram-se rapidamente por satisfeitos e trataram de falar em alto e bom som o que antes era apenas sussurrado. 

Depois de a equipe econômica traçar o quadro, os pemedebistas desfiaram suas queixas. O primeiro a falar foi o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), que recorreu à ironia: "Qual é o fundamento da coalizão, é o superávit?", indagou, referindo-se à votação da LDO, um dos exemplos de só se chamar o partido quando o governo necessita aprovar algo de seu interesse no Congresso, mas nunca para participar da formulação das políticas públicas. Num acordo prévio, os seis ministros do PMDB presentes não falaram, à exceção de Eduardo Braga (Minas e Energia). Só intervieram os parlamentares que devem encaminhar as votações. 

O relator da lei geral do Orçamento, senador Romero Jucá (RR), disse que o governo também deveria cumprir sua parte, fazendo corte de gastos e de cargos comissionados. "Eu sou candidato daqui a quatro anos e não quero ser o senador dos cortes. Eu quero ser o senador do crescimento econômico", disse. "Esse pacote está mal embrulhado. Exige sacrifícios da população, sem que o Estado também faça sua parte". O senador Eunício Oliveira, líder da bancada, também se queixou de que o PMDB só é chamado depois que tudo está decidido. 

O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, talvez tenha feito o discurso mais ameno da noite. Cunha reconheceu que a relação do PMDB com o governo está "estressada", mas advertiu que o jantar na casa de Temer não era o fórum adequado para a discussão. Apoiou com firmeza as medidas de Joaquim Levy e advertiu que "temos no horizonte o mês de março", quando agências de risco podem rebaixar o grau de investimento do país, com grave repercussão sobre a economia. Segundo Cunha, uma coisa era o ajuste - e o PMDB vai apoiar - e outra é a relação com o governo, que deve ser tratada no lugar e momento adequados. 

Cunha havia almoçado com Mercadante, também na última segunda-feira, o que foi visto pela cúpula do partido como uma manobra do Planalto para dividir o PMDB. Mercadante falou na reunião, mas os pemedebistas registraram que sua fala não teve o menor indício de autocrítica. Disse que as medidas como as restrições à concessão de seguro desemprego são perfeitamente defensáveis. Mas nenhuma palavra sobre por que se chegou a essa situação, sobre contrapartidas do governo aos sacrifícios atualmente exigidos pela população e muito menos sobre as políticas públicas que o PMDB quer discutir, como o principal partido da coalizão com o PT. Entre elas o modelo de concessões à iniciativa privada e até a mudança do modelo de partilha para a exploração do petróleo da camada pré-sal.

 

Pemedebistas retomam negociações para cargos do segundo escalão

Raphael Di Cunto e Vandson Lima

 

O PMDB aguarda a retomada das negociações com o Palácio do Planalto para a composição do governo. O gesto mais imediato seria a nomeação do ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (RN) para o Ministério do Turismo, caso o nome do pemedebista, hoje ex-deputado, não apareça realmente na lista de envolvidos na Lava-Jato que deve ser divulgada pela Procuradoria-Geral da República até sexta. 

Nos bastidores, a disputa pela montagem do segundo escalão foi retomada na segunda-feira, quando o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante (PT), questionou o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ) sobre o interesse dele por cargos no governo, e o pemedebista disse que quem trata disso agora é o vice-presidente Michel Temer, também presidente nacional da sigla. 

O PMDB ainda está de olho na lista de políticos envolvidos na Lava-Jato para saber, além dos próprios filiados atingidos, quão enfraquecido sairá o PP. Os pemedebistas disputam com os pepistas os cargos de segundo escalão do Ministério da Integração Nacional, como o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) e do Banco do Nordeste. 

O jantar anteontem com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi o primeiro passo na reaproximação, mas os pemedebistas querem agora a integração do vice-presidente Michel Temer (PMDB) ao conselho político da presidente Dilma Rousseff - composto apenas por petistas e apelidado de G6 - e que o PT passe a defender enfaticamente o ajuste fiscal. 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que classificou ontem a coalizão governista de "capenga" por causa da falta de participação do PMDB nas decisões do governo, afirmou que o ajuste tem que atingir o setor público. "A sociedade não entenderá se só a população mais pobre pagar a conta" disse. 

"O PMDB está disposto a ajudar, mas não está disposto a ser o agente do ajuste. O PT também precisa defender as medidas", afirma o líder da bancada pemedebista, Leonardo Picciani (RJ), em referência a dezenas de emendas propostas por petistas às duas medidas provisórias (MPs) com mudanças em benefícios previdenciários. 

O partido reclama que a conta não pode cair em seu colo e que as medidas de ajuste adotadas até agora não falaram à sociedade. "O governo diz que está com dificuldade nas contas e por isso mexeu em benefícios trabalhistas, mas não anunciou nenhuma medida de corte de custeio, nenhuma redução no número de ministérios. Tem que mostrar para a população que está cortando na carne", cobra o deputado Danilo Forte (CE). 

O senador Romero Jucá (RR) disse que o discurso tem que focar a retomada do crescimento. "O governo não pode falar só em corte, senão vira um governo depressivo, um ano perdido", disse, ao propor uma agenda de concessões. Na reunião com Joaquim Levy, cobrou um gesto prático: ele concorda em manter o veto ao reajuste de 6,5% ao Imposto de Renda, mas, para isso, o governo precisa encaminhar a proposta de 4,5%.

 

 

Ministros iniciam ofensiva por mudanças trabalhistas

Vandson Lima, Edna Simão, Raphael Di Cunto e Bruno Peres 

O governo deu início à articulação para diminuir as resistências de parlamentares às mudanças propostas nas Medidas Provisórias 664 e 665, que restringem o acesso a benefícios trabalhistas e podem gerar uma economia de R$ 18 bilhões este ano, contribuindo para o ajuste fiscal. Cinco ministros fizeram ontem uma série de reuniões com líderes da Câmara e do Senado para tentar convencer os parlamentares. 

Os ministros Pepe Vargas (Secretaria de Relações Institucionais), o do Planejamento Nelson Barbosa, Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), o do Trabalho Manoel Dias e o da Previdência Carlos Gabas terão ainda conversas com as bancadas dos partidos para reduzir as resistências, conforme anunciou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). 

"Agora é que o debate realmente vai começar. Inauguraremos a partir dessas reuniões encontros com bancadas ou blocos partidários", ", disse Pepe Vargas, prevendo uma série de encontros com senadores e deputados aliados. 

O governo ouviu de deputados e dos senadores críticas à forma como as alterações foram encaminhadas ao Congresso Nacional, sem uma discussão prévia. Aos parlamentares, foi vendida a tese de que as mudanças têm como objetivo corrigir distorções e ajudar a reduzir despesas obrigatórias. No médio prazo, outras propostas estão no radar do governo. 

Além de explicações sobre o que será alterado nas regras de liberação do seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse, conforme relato de um dos presentes à reunião, que o governo, até o ano passado, absorveu choques externos e internos, mas que se chegou a um limite. 

Para Barbosa e seus colegas de ministério, é equivocada a avaliação de que os trabalhadores estão pagando a conta para que o governo consiga fazer a meta de superávit primário prevista neste ano. O aumento na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e medidas tributárias adotadas recentemente pelo governo federal, defendeu, mostram que o governo tem feito ajustes em várias frentes. 

Assim como vem dizendo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, Barbosa frisou que serão feitas outras medidas, no médio prazo, para corrigir distorções como a reforma do PIS/Cofins, revisão do Super Simples e ações de gestão de governo para simplificar e melhorar a produtividade. Também foi ressaltada a proposta de unificação do ICMS, em tramitação no Congresso Nacional. Em março ou abril, por exemplo, começará a ser discutido como será tratada a agenda de investimentos, o que inclui concessões de portos, aeroportos e ferrovias. 

Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) afirmou após a reunião que os senadores mostraram-se bastante críticos à maneira como o governo encaminhou a apresentação das alterações. "Se houvesse envolvimento de parlamentares e de sindicalistas na discussão e elaboração das propostas, a recepção teria sido outra", avaliou. 

As discordâncias mais visíveis apontadas pelos senadores, relatou Costa, referem-se a alterações no seguro-desemprego, pensão por morte e seguro-defeso. "Creio que o governo vai conseguir aprovar os pontos mais importantes e vamos garantir um esforço para contribuir para o ajuste fiscal." 

Depois de jantar com a cúpula do PMDB na noite de segunda-feira para discutir as medidas de ajuste fiscal, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reuniu-se ontem à noite com o PSD para explicar as mudanças que o governo pretende fazer nos benefícios trabalhistas. O encontro, agendado pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab, ocorreu na casa do líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), em Brasília.