O tesoureiro do PT João Vaccari Neto é suspeito de ter participado de desvios de até US$ 200 milhões em contratos com a Petrobras para financiar a legenda, segundo a investigação da Operação Lava-Jato. Ele foi obrigado a prestar depoimento ontem à Polícia Federal em São Paulo, depois de ter sido levado de casa sob escolta policial. A ordem partiu do juiz Sergio Moro, da Justiça Federal do Paraná.

A força-tarefa da Lava-Jato apura supostas irregularidades em doações legais ao PT feitas por empresas contratadas pela Petrobras. "O foco são outros 11 supostos operadores do PT que atuavam na diretoria de Serviços da Petrobras", disse o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima.

Outra vertente da operação teve como alvo a Arxo, empresa de tanques para armazenamento de fluidos para, por exemplo, abastecer aeronaves. A investigação se dá em cima de denúncias de suspeita de fraude em licitação e de pagamento de propinas com a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.

Além da Arxo, 25 empresas foram alvos de mandados de busca e apreensão. Outras dez pessoas foram levadas para depor na PF; os investigadores suspeitam que sejam operadores de empresas, que fazem a ponte entre desvio de verba e partido político.

Essas ações e a convocação de Vaccari fazem parte da 9ª fase da Lava-Jato, a "My Way", deflagrada ontem em Santa Catarina, São Paulo, Rio e Bahia. As investigações partiram de informações dadas pelo ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco em sua delação premiada. A ação envolveu 200 policiais, 25 auditores da Receita Federal e 65 mandados judiciais entre prisões, buscas e conduções coercitivas.

As declarações de Barusco têm diversas referências ao PT e relacionam o partido a desvio de dinheiro na Petrobras. Antigo braço direito do então diretor de Serviços Renato Duque - indicado ao cargo pelo partido - Barusco, disse estimar que "foi pago valor aproximado de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões" ao PT. Disse também que Vaccari teria recebido US$ 50 milhões em propina "em nome do PT", em 90 contratos firmados com a Petrobras entre 2003 e 2013.

Vaccari resistiu a abrir a porta de sua casa para os policiais, que pularam o muro da residência.

Na delação premiada tornada pública ontem, Barusco cita ainda suposto pagamento de propina diretamente a Vaccari no valor de US$ 4,5 milhões, que teria sido realizado pelo estaleiro Kepell Fels.

Em um dos depoimentos, Barusco afirmou que o ex-presidente da Queiroz Galvão Ildefonso Collares priorizava pagamentos de propinas ao PT e tratava do assunto diretamente com Vaccari. Collares foi preso pela PF em novembro durante ação policial contra empreiteiros investigados por formação de organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo recursos da Petrobras.

Barusco contou que conheceu Collares "em 2004 ou 2005", quando o executivo presidia a empreiteira e respondia pelo Estaleiro Atlântico Sul -EAS.

"Ildefonso Collares no entanto priorizava o pagamento de propinas ao Partido dos Trabalhadores - PT, em nome de João Vaccari Neto, e a Paulo Roberto Costa [ex-diretor de Abastecimento da Petrobras que cumpre prisão domiciliar], e agia como interlocutor das empresas, sendo que quando precisava pagar propinas para a 'Casa', mandava o diretor financeiro Augusto Costa ir falar com o declarante [Barusco]", informa o relatório da PF sobre o depoimento de Barusco.

Nessas ocasiões em que dizia que Idelfonso iria 'liberar um dinheiro', e o declarante indicava conta para que ele pagasse a vantagem indevida ao declarante, agindo em nome próprio e de Renato Duque [ex-diretor de Serviços da Petrobras, superior de Barusco]", informa o depoimento.

Barusco disse que Vaccari também tratava diretamente com o presidente da OAS José Aldemário Filho, o "Leo Pinheiro".

O advogado de Vaccari, Luiz Flávio Borges D´Urso, informa que seu cliente "há muito ansiava pela oportunidade de prestar os esclarecimentos" e que Vaccari "reitera, mais uma vez", que o PT "não tem caixa dois, nem conta no exterior, que não recebe doações em dinheiro e somente recebe contribuições legais ao partido, em absoluta conformidade com a Lei".

Barusco apontou aos investigadores as contas mantidas no exterior à título de propina por Renato Duque, apontando pela PF como operador do PT na estatal. Barusco disse ter sido "uma espécie de contador", recebendo parte da propina em bancos suíços. Mas a maior parte era paga em espécie.

Segundo Barusco, Duque era "desorganizado" com a propina e, por isso, ele teria assumido o papel de cobrar as empresas envolvidas no esquema. Duque, disse Barusco, lhe pedia a cada quinze dias dinheiro em espécie, "normalmente em pacotes de R$ 50 mil".

Em regra, Duque ficava com 60% da propina e 40% ia para Barusco. Quando tinha a participação de um operador, Duque recebia 40%, o delator 30% e os outros 30% eram entregues ao operador.

O delator reconheceu que tinha em torno de R$ 3 milhões em casa quando o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa foi preso na Lava-Jato. O dinheiro, afirmou, foi remetido por meio do operador Bernardo Freiburg Hauss, que atuava em favor de Costa, para contas na Suíça.

Barusco disse ainda que o pagamento de propina na Petrobras era algo "endêmico e institucionalizado". Além disso, destacou a proximidade "muito forte" entre Duque e Vaccari. Eles se encontravam no Hotel Windsor Copacabana, no Rio, e no Meliá da Alameda Santos, em São Paulo, disse Barusco.

Barusco também apontou bancos em que Duque mantém contas a título de propina: Cramer, Delta e Lombard Odier. Não soube, porém precisar quanto Duque teria nas contas ou quanto ele recebeu enquanto foi diretor na estatal.

Segundo Barusco, o estaleiro Jurong teria remetido US$ 2,1 milhões para Duque em conta em banco suíço. Com sede em Cingapura, a Jurong finaliza o primeiro estaleiro no país, em Aracruz (ES). A Jurong não comentou o assunto.

Barusco implicou o ex-diretor da área Internacional da estatal Jorge Zelada - que sucedeu Nestor Cerveró no cargo - no esquema de propinas: disse que entregou US$ 120 mil, em mãos, na casa de Zelada. Segundo ele, Zelada pode ter recebido propina no exterior, pois ambos tinham conta no mesmo banco, na Suíça. Cerveró está preso acusado de receber US$ 30 milhões em propina.

 

Estatal assinou aditivos durante gestão atual

 

Foram criados aditivos firmados entre a Petrobras e o consórcio liderado pelo grupo Odebrecht na Refinaria Abreu e Lima (a Rnest) depois que a presidente Graça Foster assumiu o comando da estatal, em fevereiro de 2012. Ao todo, foram R$ 825,7 milhões "extras" em contratos assinados sob a gestão da executiva - em 2012, 2013 e 2014.

Os contratos que envolvem a construtora e a Petrobras na refinaria estão sob suspeita da Polícia Federal (PF) nas investigações da Operação Lava-Jato. Na divulgação do balanço não auditado do terceiro trimestre, a Petrobras disse que estão em processo de reavaliação apenas ativos cujos contratos foram firmados "entre 2004 e abril de 2012".

De acordo com documentos obtidos pelo Valor, no entanto, os aditivos entre Odebrecht e Petrobras em duas grandes obras foram assinados só depois desse período. Formado pela Odebrecht Engenharia Industrial e a OAS, o consórcio foi responsável pela implantação de dois dos maiores contratos na refinaria: unidade de destilação atmosférica (UDA), com orçamento inicial de R$ 1,4 bilhão; e unidade de hidrotratamento e geração de hidrogênio (HDT), com previsão inicial de R$ 3,1 bilhões. Em ambos os casos, os contratos foram originalmente criados no fim de 2009. A ordem de serviço (quando a obra é, de fato, iniciada) ocorreu no começo de 2010 nos dois casos.

Os primeiros aditivos que aumentaram o preço das obras foram assinados em 24 de outubro de 2012: foram R$ 30,7 milhões adicionais no caso da UDA e R$ 73,2 milhões no caso da HDT (ambos firmados na mesma data). A partir daí, houve diferentes acréscimos no valor - o maior deles, de R$ 332,6 milhões. O último contrato para aumento de valores foi firmado em 22 de agosto de 2014.

No total, foram 47 aditivos nas duas obras. Apenas cinco deles reduzem o preço da obra. No fim das contas, houve aumento de R$ 539,7 milhões no preço da HDT e de R$ 286 milhões na UDA. Há quatro aditivos, no entanto, que baixaram o preço da obra em cerca de R$ 70 milhões.

Procurada, a Petrobras afirmou que os contratos são legais. "A Petrobras ressalta que todos os aditivos firmados com consórcios que possuem participação da Odebrecht na Rnest foram realizados de acordo com legislação vigente, com os contratos e com os procedimentos internos da companhia. Todos os aditivos são submetidos à avaliação técnica por uma comissão constituída para este fim, bem como a uma avaliação jurídica antes de serem assinados", informou a estatal, por meio da assessoria de imprensa.

A Odebrecht foi citada ontem pelo ex- gerente de Engenharia e Serviços da Petrobras, Pedro Barusco, em seu depoimento de delação premiada. Barusco disse em depoimento de sua delação premiada na Operação Lava-Jato que Rogério Araújo, diretor da empreiteira, teria levado uma lista de empresas que deveriam participar das licitações para construir a Refinaria Abreu e Lima (Rnest). O projeto inicial da refinaria estava orçado em U$ 2 bilhões, já custou mais de US$ 18 bilhões.

"A Odebrecht nega veementemente as alegações caluniosas feitas pelo réu confesso. Nega em especial ter feito qualquer pagamento a qualquer executivo ou ex-executivo da Petrobras. A empresa não participa e nunca participou de nenhum tipo de cartel e reafirma que todos os contratos que mantém, há décadas, com a estatal, foram obtidos por meio de processos de seleção e concorrência que seguiram a legislação vigente", afirmou em nota a empresa.

 

CPI é instalada por Eduardo Cunha

 

A CPI da Câmara para apurar denúncias de desvios na Petrobras, foi instalada ontem pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), horas antes do pemedebista encontrar-se com a presidente Dilma Rousseff. O colegiado terá 15 parlamentares da base aliada do governo e oito de legendas da oposição, segundo divisão feita pela Secretaria Geral da Mesa Diretora.

A divisão garante mais espaço para os oposicionistas do que havia na CPI mista do ano passado, quando havia 23 deputados e senadores de partidos da base e oito da oposição (25%). Agora, PMDB, PT e PSDB terão direito de indicar três deputados cada e até os menores terão assento: PPS e PSOL dividirão a vaga rotativa com PHS e Pros.

Os partidos têm cinco sessões ordinárias para indicar os integrantes, o que deve deixar a primeira reunião da CPI para a primeira semana de março. A base aliada já começou a disputa pelo controle da comissão. Anteontem, o líder do PT, Sibá Machado (AC), cobrou que a presidência ou a relatoria fiquem com um petista porque o partido tem a maior bancada.

A formação de blocos para disputa da Mesa Diretora, contudo, fez com que o bloco liderado pelo PMDB fosse maior e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou ontem que a presidência caberá ao seu partido. O presidente da comissão escolhe o líder, geralmente em uma decisão negociada com os outros partidos.

Mesmo em minoria, a oposição aposta em traições na base aliada para reforçar sua força na CPI. O entendimento é de que a divisão entre os governistas é maior na Câmara do que no Senado. Apesar disso, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), já contabiliza 19 das 27 assinaturas necessárias para instalar uma CPI mista e calcula que até o fim da próxima semana terá o apoio de 28 a 32 senadores. Um dos que assinou foi o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que disputou e perdeu para Renan Calheiros (PMDB-AL) a Presidência do Senado.

O ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas (PT), disse que o governo não interferirá na nova CPI, relativizando sua importância. "As comissões parlamentares de inquérito perderam o protagonismo que tinham no passado, até por que as regras agora são diferentes. Uma pessoa pode chegar à CPI para um depoimento, ficar calada e não acontece nada", disse.

Novamente com ajuda de parlamentares da base aliada, a oposição protocolou ontem um pedido para criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar "as causas, as consequências e os responsáveis pela atual desestruturação do setor elétrico resultante das alterações no marco regulatório a partir de 2004 e agravada a partir de 2012".

Esta é a segunda CPI pedida pela oposição nesta legislatura e entrou como a oitava da fila - podem funcionar cinco ao mesmo tempo. As comissões têm prazo de 120 dias para fazer as investigações, que pode ser prorrogado por aprovação de requerimentos no plenário. Se nenhum dos atuais pedidos for indeferido, o grupo deve ser instalado no segundo semestre.

 

Partido faz ampla defesa de tesoureiro

 

O PT fez ontem uma ampla defesa do secretário de finanças da legenda, João Vaccari Neto, suspeito de receber propina em nome do partido, e deve mantê-lo no cargo. Com um discurso semelhante, dirigentes petistas afirmaram que Vaccari apenas cumpriu a missão dada pelo PT e rebateram as acusações de que o partido teria recebido até US$ 200 milhões em desvios da Petrobras, em um esquema que teria o tesoureiro petista como um de seus operadores, segundo investigação da Operação Lava-Jato. Horas depois de Vaccari prestar depoimento à PF, em São Paulo, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, afirmou ontem que as acusações são falsas e fazem parte de uma tentativa de criminalizar a legenda da presidente Dilma Rousseff. "Não haveria nenhuma razão para não apoiá-lo, já que ele [Vaccari] vem cumprindo suas tarefas com correção, com transparência, com lisura conforme depôs na Polícia Federal, respondendo a todas as perguntas sem deixar dúvida. Sequer foi indiciado", disse Falcão, ao sair de um encontro do PT de Minas Gerais, em Belo Horizonte. "Nada temos a temer. Não aceitamos o estigma da corrupção. Somos um partido honesto, um partido que cumpre as leis do país", afirmou Falcão. Vaccari teve de prestar esclarecimentos sobre depoimento feito por ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco. Na delação, Barusco disse que entre 2003 e 2013 o PT recebeu até US$ 200 milhões em recursos desviados da Petrobras e que o tesoureiro teria levado US$ 50 milhões. Depois do depoimento, Vaccari foi para Belo Horizonte, onde o PT está reunido para comemorar os 35 anos da sigla, em evento que deve ter a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff. Coordenador da corrente majoritária do PT, Francisco Rocha da Silva, o Rochinha, que comanda a Comissão de Ética e Disciplina do PT, disse que o tesoureiro cumpriu missão dada pelo PT e garantiu respaldo dentro do partido. "Saibam os abutres que aqui tem uma trincheira de companheiros e companheiros que jamais fugirão à luta. Os filiados consegue distinguir com clareza o joio do trigo", afirmou em texto publicado na internet. Ao Valor, disse que há uma "espetacularização" da Operação Lava-Jato. "Virou uma fanfarra de vazamentos, pouco crível. Por que só vazou o nome do tesoureiro do PT, às vésperas do aniversário do partido, quando 64 nomes são investigados?", questionou. Jorge Coelho, um dos vice-presidentes da sigla, disse que "de maneira alguma" o PT irá pedir o afastamento do tesoureiro do cargo. "Não há motivo nem interesse para isso. Vaccari goza de toda credibilidade no comando do PT", disse. "Não temos dúvida da lisura das operações feitas por ele". Coelho disse que as doações recebidas pelo PT foram feitas de forma legal. "Se a empresa faz uma doação irregular quem tem de responder é a empresa, não o PT", afirmou o dirigente, que foi tesoureiro da campanha de Alexandre Padilha ao governo de São Paulo, em 2014. Em nota, o partido seguiu a mesma linha de defesa e afirmou que o PT recebe apenas doações legais e que são declaradas à Justiça Eleitoral. O partido afirmou que as delações de Barusco "não merecem crédito" e disse que os acusadores "responderão na Justiça pelas mentiras" contra o PT. Ex-presidente do PT-MG, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) afirmou que parece haver uma ação para minar a festa de aniversário do PT. "Querem criminalizar doações oficiais. Então, o que é doação oficial das empresas para o PSDB é lucro, e o que é doação oficial para o PT é propina? Precisa ter cautela". Para o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), a oposição não encontrou nada contra Vaccari. "Colocaram [o Vaccari] no centro da CPI [da Petrobras] e quebraram o sigilo. O que fizeram com esses dados eu não sei porque até agora não se ouviu falar uma palavra da oposição sobre isso", afirmou. No governo, o clima foi de cautela. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), cancelou participação em um evento. A presidente Dilma não falou sobre a crise na Petrobras e, em discurso, enfatizou o uso dos recursos do pré-sal para educação. O ministro de Relações Institucionais, Pepe Vargas, disse que não há "constrangimento" para o governo. "Se houver algum envolvimento de alguma pessoa do PT, o partido terá que tomar as atitudes que tem que ser tomadas".