A ânsia de gritar por punição pelas mortes de 43 ativistas, em 12 de fevereiro do ano passado, e de cobrar pelo fim da crise de desabastecimento foi sufocada, ontem, pelo regime venezuelano. A Guarda Nacional Bolivariana reprimiu com violência um protesto em San Cristóbal, capital do departamento (estado de Táchira), ao lançar bombas de gás lacrimogêneo e ao disparar balas de borracha contra estudantes. Até o fechamento desta edição, o balanço era de quatro detidos e oito feridos, incluindo três universitários. Pelo menos um deles teria sido atingido por tiros de metralhadora nas pernas; o outro recebeu um disparo de “chumbinho” à queima-roupa, que lhe mutilou o nariz e o lábio superior. Sob uma chuva torrencial, em Caracas, os alunos da Universidade Central da Venezuela (UCV) saíram às ruas e foram impedidos de se aproximar de uma igreja, ponto-chave da mobilização. A onda de manifestações, que se estendeu pelas cidades de Valencia, Mérida, Maracaibo e Veracruz, tinha sido convocada para marcar o Dia da Juventude.

Hasler Iglesias, presidente do Diretório Central dos Estudantes da UCV, contou ao Correio que os acadêmicos realizaram um ato dentro do câmpus e formularam um documento com 12 demandas. “Nós exigimos justiça pelos 43 assassinatos nas manifestações do ano passado. Também queremos a libertação de todos os 40 estudantes ainda detidos e a aplicação de políticas econômicas que nos ajudem a superar a crise, a reduzir a inflação e a ampliar as importações”, afirmou, por telefone. Ele defendeu a mudança de governo na Venezuela, mas lembrou que a transição deve ocorrer “de modo calmo, democrático e constitucional”. “Apenas os protestos pacíficos, com conteúdo, vão direcionar o futuro do país. Queremos a participação de toda a Venezuela”, acrescentou.

Secretária de Assuntos Internacionais da Federação de Centros Universitários da UCV, Sairam Rivas classificou a repressão de “brutal”. “As forças de segurança incutem medo na população”, declarou, por telefone. “Convocamos uma marcha nas imediações do câmpus, a qual tinha como destino a Igreja de São Pedro, para missa em memória dos caídos. A polícia montou piquetes nas vias que levam ao templo. Na Venezuela, não é possível nem marchar até a igreja”, ironizou. Preso desde 18 de fevereiro de 2014, o líder opositor Leopoldo López enviou mensagens de apoio aos estudantes, por meio das redes sociais. “Vocês são minha força para continuar de pé por nosso sonho. (…) Logo estarei com vocês nas ruas”, escreveu. Ele expressou “solidariedade absoluta” às famílias dos estudantes Bassil da Costa, Juancho Montoya e Robert Redman, “assassinados covardemente”.

Morador de San Cristóbal, o corretor de seguros Ángel Morales disse ao Correio que os choques com a Guarda Nacional Bolivariana começaram antes de os estudantes entregarem um documento ao promotor público. “A tensão e a o mal-estar coletivo são intensos na Venezuela. É preciso esperar por mais de uma hora para abastecer o carro. Os pneus custam o dobro do valor do salário mínimo. Há escassez de papel higiênico, café e açúcar. A compra de fraldas depende da apresentação da certidão de nascimento do bebê”, reclama. Morales atribiu a recessão ao controle cambial imposto pelo presidente Nicolás Maduro.

Em Miami, Lee McClenny, encarregado de negócios dos EUA em Caracas, fez grave advertência: “O governo da Venezuela, por sua postura ideológica, não está preparado para enfrentar a crise que atinge o país”. O diplomata diz que as autoridades venezuelanas “são indiferentes e não creem nas forças do mercado”. “Repressão, controles mais amplos e maior implicação do governo nos processos econômicos não vão ajudar a Venezuela”, alertou.