De olho na prevenção de episódios semelhantes aos do Grupo Rede, que teve oito distribuidoras com intervenção decretada em 2012, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se prepara para reforçar o papel de xerife das empresas do setor. De certa forma, a ideia é reproduzir a supervisão que o Banco Central faz em instituições financeiras e acompanhar com lupa a saúde econômica das distribuidoras de energia.

Discretamente, o primeiro passo já foi dado pela agência reguladora, com o lançamento de uma consulta pública para colher sugestões para esse novo papel. Hoje a Aneel tem uma série de indicadores para avaliar a qualidade dos serviços prestados aos consumidores, mas o monitoramento do equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias ainda é visto como frágil por seus próprios diretores.

Em um trabalho preliminar anexado à consulta pública, a Superintendência de Fiscalização Financeira da Aneel detectou que apenas 36 das 63 distribuidoras que atuam no país podem ser consideradas "saudáveis", sem especificar exatamente a que se referia. Dezoito estão em situação "preocupante" e nove encontram-se em "dificuldades". Nenhuma empresa foi citada nominalmente no documento.

A proposta da área técnica é divulgar anualmente, sempre até o mês de agosto, uma análise com base em seis indicadores principais: endividamento, eficiência, investimentos, rentabilidade, retorno ao acionista e performance operacional. Outros 29 indicadores suplementares são sugeridos.

"A partir da definição clara da metodologia utilizada e dos parâmetros mínimos de sustentabilidade econômica e financeira estabelecidos pelo regulador, será possível avançar na simplificação de procedimentos aos agentes com indicadores saudáveis, tal como a necessidade de anuência prévia para determinadas operações comerciais e financeiras", afirma a nota técnica preparada pela superintendência. Na direção contrária, para evitar que problemas financeiros contaminem a saúde operacional das empresas, aponta-se a necessidade de uma "política prudencial que evite o risco sistêmico no setor elétrico".

No trabalho prévio, foram consultadas instituições de várias áreas: o próprio Banco Central, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, bancos públicos, analistas financeiros e até mesmo a agência de classificação de risco Standard & Poor's.

O Gesel, grupo de estudos do setor elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também foi ouvido e propôs a elaboração de um projeto específico de pesquisa voltado ao desenvolvimento de uma metodologia para permitir a avaliação da saúde econômico-financeiro das distribuidoras. Para o coordenador do Gesel, Nivalde de Castro, trata-se de um processo lento e que pode levar em torno de dois anos. "Diante da importância do que quer a Aneel, tudo deve ser feito sem pressa, sem açodamento", afirma.

Castro elogia a iniciativa da agência e acredita que o monitoramento dos indicadores será introduzido não apenas às distribuidoras cujos contratos de concessão expiram em 2015, mas a todas as empresas do segmento. Mais da metade das distribuidoras -- incluindo Cemig (MG), Copel (PR), Celesc (SC), CEB (DF) e companhias controladas pela Eletrobras -- tem concessões vencendo a partir de junho.

"Esse monitoramento é fundamental para uma atuação tempestiva da Aneel, prevenindo crises em determinadas empresas e agindo para evitar que elas se propaguem ao restante do segmento, em função da percepção de risco do mercado", observa o especialista do Gesel. A consulta pública da Aneel termina na segunda-feira.

 

ONS terá dificuldade para repetir este ano estratégia adotada em 2014

 

A estratégia declarada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para lidar com a crise energética ganhou uma dificuldade adicional neste ano.

 

Em 2014, diante da escassez de chuvas, o ONS apostou fortemente em uma tática 'radical': segurar o máximo possível de água nos reservatórios de usinas Hidrelétricas mais perto da cabeceira dos rios que cortam as regiões Sudeste e Centro-Oeste.

Depois, ao longo da estiagem que vai de maio a outubro, foi liberando mais vazão nessas usinas para reforçar o volume de água que chegava nas represas localizadas a jusante (rio abaixo).

Essa estratégia poderá ter resultados menos expressivos em 2015. Nos principais reservatórios de cabeceira, o estoque acumulado até agora é bem inferior ao verificado no mesmo período do ano passado, dificultando ainda mais a tarefa do operador.

Um exemplo está nas usinas Emborcação (rio Paranaíba) e Nova Ponte (rio Araguari), que há um ano estavam com 39,5% e 30,5% de sua capacidade máxima, respectivamente. Na quarta-feira, tinham apenas 15,1% e 11,9%.

A situação é igualmente preocupante na bacia do rio Grande, onde a hidrelétrica de Furnas tem só 11,7% de armazenamento. Maior caixa d'água de sua bacia, ela está na cabeceira do rio e tinha 38,6% na mesma data do ano passado. No último período seco, esse estoque foi crucial para regularizar a vazão nas usinas de Marimbondo e Água Vermelha, que ficam mais adiante.

"A estratégia usada pelo ONS no ano passado foi muito inteligente, mas não há como repetir exatamente esse tipo de operação", diz o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Alves Santana. "O que torna a situação atual mais complicada é justamente o baixo armazenamento dos reservatórios de cabeceira. A saída é ter mais térmicas e menos consumo. Não restam alternativas."

Na bacia do rio Tocantins, as turbinas da usina de Serra da Mesa chegaram a ser totalmente desligadas entre abril e maio de 2014. Tudo para usar menos água da represa e guardar estoque para os meses seguintes. Na época, o reservatório estava com cerca de 45% da capacidade.

Quando as chuvas pararam de vez, o ONS começou a liberar mais vazão de saída. Resultado: outras duas Hidrelétricas a jusante conseguiram minimizar o esvaziamento de seus reservatórios durante a estiagem. E o melhor de tudo: a megausina de Tucuruí, com 8.370 megawatts de potência e a última do rio Tocantins, pôde manter sua operação sem grandes restrições. O problema é que, na quarta-feira, Serra da Mesa tinha apenas 27,1% do armazenamento total.

Para não depreciar ainda mais os estoques em reservatórios estratégicos, o ONS tem adotado medidas para reduzir a vazão, muitas vezes às custas de outros usos da água - como a agricultura irrigada e o funcionamento de hidrovias. Mas algumas soluções simples podem mitigar bastante o impacto das diminuições de vazão, conforme ressalta um relatório recente da PSR, uma das principais consultorias do país no setor elétrico.

Um investimento de apenas R$ 600 mil na instalação de bombas flutuantes na cidade de Pirapora, em Minas Gerais, permitiu à companhia municipal de saneamento captar água do rio São Francisco com uma vazão mais baixa. Antes, a captação era feita exclusivamente pelo sistema de gravidade, ou seja, a água tinha que estar acima de determinada altura para abastecer a cidade. Com o novo sistema, a vazão que sai da usina de Três Marias já caiu de 500 mil para 80 mil litros por segundo, sem que tenha havido colapso no abastecimento humano.

"Obras simples nas tomadas de água dos municípios permitiriam a relaxação de restrições operativas do SIN [Sistema Interligado Nacional], com enormes ganhos para os consumidores de energia elétrica", diz o relatório da PSR. "O benefício dessas intervenções é, em geral, de magnitude superior ao seu custo. Algumas dessas obras simples foram afinal realizadas recentemente, 'no sufoco'. Mas poderiam ter sido realizadas anos atrás, se os geradores tivessem incentivos econômicos para ajudar os municípios. Enquanto não foram realizadas, permaneceu o desperdício de água e, consequentemente, de energia."

Para destacar os efeitos positivos da política de operação definida pelo ONS, no ano passado, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) registrou, na ata de sua reunião de dezembro, quanto foi possível economizar com a "flexibilização dos requisitos de uso múltiplo da água e suas condicionantes ambientais" em várias usinas

Com essa estratégia, os reservatórios deixaram de cair 7 e 14 pontos percentuais nas bacias dos rios Grande e Paranaíba, respectivamente. No caso do Nordeste, que envolve basicamente a bacia do São Francisco, a poupança com essas medidas foi de 11,2 pontos percentuais da capacidade máxima.
 
 
 
Falta de consenso trava decisão sobre geração nuclear
 
 

O governo deve definir este ano o que espera para a expansão da geração de energia de fonte nuclear no país nas próximas décadas. A posição oficial do governo para o setor estará incluída no Plano Nacional de Energia 2050, documento que traz os rumos previstos para cada tecnologia de geração de energia no período. Elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), sob a tutela do Ministério de Minas e Energia (MME), o plano está previsto para ser lançado em 2015.

Valor apurou, no entanto, que ainda não há consenso internamente no Planalto sobre a expansão da energia nuclear no Brasil. Em reuniões internas sobre o documento, foi apresentada uma proposta de implantação de oito novas nucleares até 2050, mas a ideia não ganhou força.

Segundo fontes a par do assunto, há resistências para a construção de novas usinas nucleares internamente tanto na EPE quanto no ministério. Na prática, o governo tem adotado uma postura cautelosa com relação ao tema, por ainda ter incertezas com relação à tecnologia e ao custo de geração. Nos bastidores, também comenta-se que o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, pessoalmente não seria favorável às nucleares.

A proposta de construir oito nucleares significa dobrar o total de empreendimentos previsto no plano nacional anterior, com horizonte 2030. Aquele estudo previa a construção de quatro centrais nucleares, de 1 mil megawatts (MW) de potência instalada cada, além de Angra 3. Com exceção da última, porém, não há sinalização para a construção de nenhuma nova usina.

A proposta de construir oito nucleares também ficaria próximo do cenário conservador traçado pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan). Em estudo entregue ao governo, a entidade sugeriu a implantação de oito a 23 novas usinas até 2040.

"Falta uma política clara para o setor de energia nuclear. Cabe ao governo dizer o que ele quer", afirmou Ruth Alves, diretora da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben). Ela lembrou que o governo argentino tomou posição sobre o assunto e vai dar continuidade ao seu programa de geração de energia nuclear.

No início do mês, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, assinou acordo com o governo chinês para a construção de duas novas usinas nucleares no país sul-americano, por meio da estatal chinesa China National Nuclear Corporation (CNNC). A Argentina concluiu recentemente a construção de sua terceira usina nuclear, Attucha II, de 740 MW.

Apesar da indefinição do Planalto, os principais fornecedores de reatores nucleares estão otimistas com o mercado brasileiro. Na avaliação deles, além de a falta de chuvas evidenciar que o país precisa diversificar a sua matriz elétrica, o próprio potencial hidrelétrico deve se esgotar em duas décadas, o que deve demandar outra alternativa de geração na "base" - que no jargão do setor significa geração contínua. Isso porque produção de energia de térmicas a gás e óleo combustível é mais cara e poluente.

Executivos globais da americana Westinghouse e da franco-japonesa Atmea, joint-venture criada pela Areva e a Mitsubishi para o setor de energia nuclear, estiveram no Brasil no início do mês para reforçar as relações com fornecedores da indústria nuclear brasileira e com a Eletronuclear, estatal responsável pela geração de energia nuclear no Brasil. Eles, no entanto, não encontraram com representantes do governo.

"Parte da minha visita teve o objetivo de buscar entender qual é o plano do Brasil [para energia nuclear]. Vamos dar suporte às necessidades do país", afirmou Graham Cable, vice-presidente global da área nuclear da Westinghouse. Segundo ele, para justificar a construção de uma base fabril no país seria necessário uma demanda de seis a oito novas usinas nucleares.

A empresa americana desenvolveu, em parceria com a Indústrias Nucleares no Brasil (INB), um novo combustível para usina de Angra 1. O combustível, chamado de NGF-16, deve ser usado a partir de março. Para Cable, como o Brasil domina o processo de fabricação do combustível nuclear, o país pode ser a base para a indústria do setor na América Latina. Além da Argentina, o México também tem olhado para o setor nuclear.

Segundo Luis Augusto Barroso, da consultoria PSR, porém, o México também pode explorar a geração termelétrica a gás natural, devido ao custo baixo do gás não convencional produzido nos EUA. "Tal como o Brasil, que olha a perspectiva do desenvolvimento nuclear como opção ao esgotamento do potencial hidroelétrico no longo prazo, o México também estuda a opção nuclear por razões estratégicas. Mas, no curto e médio prazo, o gás e as renováveis devem guiar a expansão da oferta no país."

Para o presidente global da Atmea, Andreas Goebel, falta uma posição política do Brasil sobre o assunto. "Nosso principal foco na América do Sul é o Brasil, porque já estamos aqui. E o país tem a tecnologia da mesma família que a tecnologia que estamos propondo. Mas falta uma posição política. Falta uma luz no fim do túnel", disse. A Atmea vai promover em março de 2016, no Brasil, um encontro com os fornecedores do setor nuclear do país. A ideia é ampliar a relação com a indústria nacional para participar dos futuros projetos.

Outra interessada no mercado brasileiro, a russa Rosatom prevê concluir nos próximos meses a abertura de escritório regional no Brasil para atender toda a América do Sul. "Vemos certas perspectivas de negócios na América Latina e, em particular, no Brasil", afirmou Ivan Dybov, vice-presidente da Rusatom International Network, subsidiária da companhia para o desenvolvimento de negócios globalmente. A empresa tem acordo firmado com a Camargo Corrêa para prospectar oportunidades de negócios na América Latina.

 

Refrigeração falha e leva a desligamento de Angra 1

 

 A Eletronuclear, braço da estatal Eletrobras que atua na geração de energia nuclear, ainda não tem previsão de quando a usina de Angra 1 retomará a operação. A térmica foi desligada na madrugada de ontem após ter sido detectada falha em um dos condensadores que resfriam o vapor usado para mover o gerador elétrico da usina. Segundo a companhia, a decisão de desligar a usina teve o objetivo de preservar a integridade de outros equipamentos, como geradores de vapor. "As equipes de manutenção e engenharia da Eletronuclear já estão trabalhando para sanar o problema e determinar quando a unidade poderá ser religada", informou a estatal em nota. De acordo com a estatal, o condensador onde ocorreu a falha não faz parte dos equipamentos situados na área nuclear da usina e o ocorrido não gerou risco aos funcionários da Eletronuclear, à população ou ao ambiente. Segundo relatório divulgado quarta-feira pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Angra 1 funcionou naquele dia abaixo do previsto devido ao "rompimento no tubo do condensador de sua unidade geradora". Na quarta-feira, a usina produziu quarta-feira 532 MW médios, quando a meta era de 565 MW médios. Angra 1 já havia interrompido a operação no início deste mês, mas na ocasião houve uma parada programada para um reparo técnico.