O acordo automotivo entre Brasil e México deve gerar atritos entre as duas maiores economias da América Latina nos próximos dias – prevê o Valor Econômico de hoje. Apegado aos compromissos firmados há três anos, o governo mexicano quer o retorno imediato ao livre comércio no setor e rejeita a prorrogação das cotas que foram introduzidas em 2012 para limitar as exportações de veículos ao mercado brasileiro.

A primeira rodada de negociações entre autoridades dos dois países ocorre até o fim deste mês. Uma reunião está prevista para amanhã, em Brasília, mas ainda não foi oficialmente confirmada. Os ministros Armando Monteiro (Desenvolvimento), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Joaquim Levy (Fazenda) já tiveram um encontro com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) para alinhar a posição brasileira.

Em 2012, a presidente Dilma Rousseff decidiu impor um sistema de cotas para frear o surto de crescimento nas exportações de veículos mexicanos ao Brasil. No último ano das cotas, o México pode exportar até US$ 1,640 bilhão ao mercado brasileiro em veículos, sem a cobrança de tarifas de importação. O que excede esse limite paga alíquota de 35%.

Pela ordem natural do que foi negociado três anos atrás, o regime de cotas expira em 18 de março e o livre comércio volta à indústria automotiva no dia seguinte, conforme as regras do Acordo de Complementação Econômico (ACE 55) entre os dois países. Os ministros brasileiros estão convencidos de que não há como fazer isso sem danos à balança comercial. Sem um aval dos mexicanos, no entanto, as cotas não podem ser renovadas.

"As condições atuais são diferentes [de 2012] e os fluxos de comércio estão estabilizados", disse o subsecretário de Comércio Exterior do México, Francisco de Rosenzweig, em entrevista por telefone. Ele deve chefiar a delegação mexicana que negociará o futuro do acordo e deixou clara sua estratégia: "Queremos regressar ao livre comércio. É fundamental, para a credibilidade do processo, honrar o que foi negociado".

Rosenzweig lembrou que o México tem acordos comerciais com "mais de 45 países" e o importante não é pensar em superávits ou déficits, mas permitir a integração das cadeias de valor e atrair investimentos, com estabilidade de regras. Segundo ele, o Brasil é o maior destino das exportações mexicanas na América Latina, com 23% do total.

O México tem ultrapassado, no setor automotivo, as cotas permitidas nas vendas ao mercado brasileiro, mas paga 35% de imposto de importação e, além disso, um adicional de 30 pontos percentuais de IPI no caso de montadoras que não tenham produção local e não estejam enquadradas no Inovar-Auto.

Segundo fontes com conhecimento do assunto, uma alternativa que o Brasil gostaria de explorar é uma negociação mais ampla com o México, que envolva outros setores e estabeleça o livre comércio geral para a corrente de comércio bilateral. Nesse caso, o Palácio do Planalto estaria disposto a abrir mão das cotas no setor automotivo. Sabe-se, porém, que uma negociação como essas dura meses - no mínimo - e tem baixíssima possibilidade de prosperar rapidamente neste momento.

Em 2014, o Brasil teve déficit de US$ 1,693 bilhão com o México, o quarto saldo negativo seguido no comércio entre os dois países. As exportações brasileiras somaram US$ 3,669 bilhões, com queda de 13,2% sobre o ano anterior. Do outro lado, as vendas mexicanas atingiram US$ 5,362 bilhões, o que representou um recuo de 7,4%.

Nas discussões prévias para definir a posição brasileira, um gesto não passou despercebido: a reunião dos ministros ocorreu no gabinete de Armando Monteiro, o que indica - no jogo de símbolos da Esplanada dos Ministérios -- quem deve assumir a linha de frente do governo nas negociações comerciais daqui para frente.

A negociação com o Brasil não é a única dor de cabeça para o México. O país tem acordo automotivo semelhante com a Argentina, que também recebeu cotas provisórias, válidas até o dia 18 de março. Da mesma forma que o governo brasileiro, as autoridades argentinas querem a extensão das cotas e evitar a todo custo o livre comércio de veículos com o México.