Um novo incidente envolvendo o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) e o PMDB contribuiu para a votação e aprovação do projeto que reduz as dívidas dos Estados e municípios, na Câmara dos Deputados. O motivo foi a criação do PL, cujo pedido de registro foi encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na segunda¬feira, pouco antes da sanção presidencial e da publicação da lei que dificulta a fusão e a incorporação de partidos. O PL é um projeto do ministro das Cidades, Gilberto Kassab. Sempre atuando nas franjas da legislação, em 2011 Kassab já criara o PSD, outra sigla histórica, para a qual atraiu três dezenas de deputados. Com a legislação que dificultou a troca de partidos de deputados entre partidos já existentes, a intenção de Kassab era atrair parlamentares para uma nova sigla, o PL, e depois promover a fusão ou incorporação com o PSD. O objetivo declarado era o de reduzir o tamanho e a influência do PMDB no Congresso. O PMDB reagiu e aprovou a lei que dificulta incorporações e fusões. Na terçafeira, depois que o partido de Kassab entrou com o pedido de registro no TSE, o ministro Mercadante telefonou para Michel Temer, vice¬presidente da República e presidente nacional do PMDB, para explicar que a presidente deixara a sanção da lei para o último dia, porque essa é a praxe do Palácio do Planalto e não por algum eventual entendimento com Kassab. "Só quero avisar que o ambiente no partido não está nada bom", respondeu Temer. "Isso só vai atropelar a articulação política", advertiu. Logo depois de Mercadante, Kassab também ligou para Temer, o que para os pemedebistas deixou evidente uma combinação entre o chefe da Casa Civil e o ministro das Cidades. Sem que fosse perguntado, Kassab negou que estivesse articulado com Mercadante e disse que não tinha controle sobre o PL, o pessoal do partido é que decidira entrar com o pedido de registro. O pedido do PL entrou com 167.622 assinaturas, bem abaixo das 484.169 exigidas por lei, que já teriam sido recolhidas, mas ainda em fase de certificação perante os Tribunais Regionais Eleitorais e as Zonas Eleitorais. Para os pemedebistas, é clara a digital do Palácio do Planalto no episódio. O incidente serviu para agravar o ambiente já tumultuado desde a véspera, depois de uma discussão sobre a dívida dos Estados e municípios entre o ministro Joaquim Levy (Fazenda) com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que é do PMDB. O encontro ocorreu a pedido da presidente Dilma Rousseff. Logo após uma reunião de ministros na última segunda¬feira, Dilma pediu para o vice Michel Temer patrocinar um encontro de Paes com Levy. O ministro iria pedir para Paes não entrar na Justiça com o pedido de redução da dívida com base em uma lei aprovada ano passado pelo Congresso, com o aval da presidente da República. Temer fez um jantar no Palácio do Jaburu, na noite do mesmo dia. Ocorre que Paes não só já havia entrado com a ação na Justiça como também havia obtido uma liminar. Levy foi inflexível. Paes, segundo relato de presentes, teria dito: "Joaquim, baixa a bola. Eu fui eleito para defender os interesses do Rio de Janeiro".
 
Mesmo reconhecendo que a lei é inconstitucional, os presidentes da Câmara e do Senado decidiram então votar o projeto que obriga o governo a cumprir as regras de renegociação de dívidas de Estados e municípios aprovadas antes. Para os pemedebistas, essa deixou de ser uma questão jurídica e passou a ser também política ¬ o governo terá de chamar prefeitos e governadores para uma conversa. Levy e Paes continuam conversando e podem até chegar a algum acordo, mas o episódio mostra o quanto o governo Dilma está a reboque do Congresso, que sob o comando do PMDB imprime uma agenda própria ao país, enquanto o governo não se dobra a seus interesses. Sem uma articulação eficiente, o governo é surpreendido e também obrigado a ceder, diante a iminências de derrotas certas como seriam a correção da tabela do Imposto de Renda e a extensão aos segurados da Previdência das regras de reajuste do salário mínimo.
 
 
Veto presidencial deve resultar em ações no TSE
 
 

O veto parcial da presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei que restringe a fusão e criação de novos partidos ontem, além do pedido de registro do Partido Liberal (PL) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na noite de segunda-feira devem gerar uma enxurrada de ações na Justiça e disputas no Congresso Nacional, com novo estremecimento nas relações do PMDB com o governo.

Partidos de oposição e da base viram no veto de Dilma, que barrou o artigo que criava uma janela de infidelidade partidária de 30 dias com a fusão de dois partidos, uma estratégia para fortalecer o ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), que tenta refundar o PL para atuar como linha auxiliar ou até ser incorporado ao PSD.

O projeto, articulado por PPS e DEM com apoio do PMDB, colocava fim a um imbróglio jurídico: se a fusão de dois partidos serviria como justa causa para um político de outra legenda se filiar a esta nova sigla sem perder o mandato por infidelidade partidária, dúvida que inviabilizou a fusão do PPS com o PMN em 2013 para fortalecer a candidatura presidencial de José Serra (PSDB). Com o veto, permanece a dúvida e o PL fica como única alternativa segura para que políticos insatisfeitos saiam de seus partidos mantendo o mandato.

"Vamos trabalhar com toda a força para derrubar esse veto. Isso mostra mais uma vez que o governo estava empenhado na criação deste partido [PL]", afirmou o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A aprovação do projeto em sua totalidade foi uma das promessas do pemedebista para receber apoio do DEM à sua candidatura para o comando da Casa.

Apesar disso, dirigentes de partidos interessados na fusão veem movimentos dúbios e desconfiam nos bastidores que o PMDB se uniu ao governo para vetar a janela, que poderia levar a perda de deputados para outras legendas. PPS e PSB estudam uma fusão em 2017, após as eleições municipais, e PTB e DEM negociam se juntar até outubro.

Em outra frente, o PMDB protestou contra a "demora" na sanção do projeto, que dificultaria a criação do PL por invalidar as fichas de apoio de quem já é filiado a outro partido. A lei foi publicada no "Diário Oficial" apenas ontem, no último dia do prazo - o Partido Liberal tinha entrado com o registro na noite anterior.

"A estrutura de governo para levar para sanção e para veto não quer dizer que a própria presidente pegou o projeto, botou na gaveta e deixou passar o dia. Isso não é crível. O que acho é que existe uma estrutura de governo que deixou para o último dia para sancionar, já programado. E o Kassab se aproveitou e protocolou na véspera", disse Cunha.

O PL, contudo, solicitou o registro com só 167 mil fichas validadas nos cartórios e pediu para incluir as outras quando forem certificadas - são necessárias 484 mil. PMDB e DEM vão questionar isso no TSE. "Tem um manancial de briga jurídica pela frente que duvido que algum parlamentar vai querer se filiar a esse partido enquanto não tiver definição", ameaça Cunha. Já o presidente do PSD, Guilherme Campos, diz que o partido estuda questionar pontos da lei que considera inconstitucionais, mas ainda não tomou a decisão.