O ex-gerente jurídico da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás Fernando de Castro Sá afirmou em depoimento à força-tarefa da Lava Jato que o ex-diretor de Serviços Renato Duque desrespeitou procedimentos internos de contratação que favoreceram empreiteiras do cartel denunciado por desvios e corrupção nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

No depoimento prestado no dia 7 de janeiro a procuradores da força-tarefa, Castro Sá disse que desde 1999 a Petrobrás seguia as regras do Manual de Procedimentos Contratuais. Essas normas eram geridas pelo setor jurídico da estatal, a quem cabia elaborar as minutas de contratos e de seus aditivos, que depois eram submetidas para aprovação da respectiva diretoria de origem dos serviços ou obras.

Segundo o ex-gerente jurídico, a partir de 2003, porém, essas regras foram alteradas por interferência de Duque e da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi). Ele apresentou ao Ministério Público Federal documentos, e-mails e pareceres sobre as normas internas da Petrobrás que teriam sido alteradas entre 2003 e 2011, culminando com a transferência total das responsabilidades para se fechar os termos dos contratos do setor Jurídico – subordinado à presidência da empresa – para o setor de Materiais – subordinado à Diretoria de Serviços.

A Abemi é a entidade indicada por pelo menos três delatores da Lava Jato como berço do cartel que atuaria afastando concorrência nas contratações da Petrobrás. Seu presidente era o executivo Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, preso desde 14 de novembro na sede da Polícia Federal em Curitiba – apontado como “coordenador” do cartel.

“A partir do cartel, a minuta (de contrato) que tinha que ser elaborada pelo jurídico e aprovada pela diretoria (até então), passou a ter que ter o crivo da Abemi”, afirmou o ex-gerente jurídico da Petrobrás. “A coisa ia num crescente tão grande que um belo dia, olha como a coisa era feita, chegou lá da (Diretoria de) Engenharia para a (Diretoria de) Abastecimento informando que tinham que aprovar os aditivos 5, 6 e 7 da terraplanagem (nas obras da Refinaria Abreu e Lima). Só que quando você lê o expediente, os aditivos já estavam assinados”, disse Castro Sá.

Um parecer da Diretoria de Serviços informou na época “não ter nenhum problema” na assinatura dos aditivos para obras de terraplanagem da Abreu e Lima, por tratarem de “prorrogação de prazos”.

O ex-gerente jurídico integrou o grupo de advogados que elaborou o manual de contratação da estatal. “Uma das regras é que você só pode prorrogar o prazo de um contrato se ele estiver vigente. Esses aditivos foram assinados para prorrogar prazos de contratos já mortos.”

Castro Sá foi chamado a depor pelos procuradores após ser citado pela também ex-gerente Venina Velosa da Fonseca como um funcionário da estatal que tentou denunciar o cartel e foi punido internamente.

Ele relatou à força-tarefa da Lava Jato que foi perseguido, colocado em uma sala sem computador nem janela e quase demitido por causa de uma sindicância aberta contra ele. Aos procuradores, Castro Sá citou o ex-presidente José Sergio Gabrielli e o ex-diretor Duque como duas pessoas interessadas em sua demissão. “Me disseram que o Gabrielli queria minha demissão e o Duque também.”

Ética. Ontem, a Petrobrás incluiu em seu manual de contratação dispositivo que obriga empregados e empresas fornecedoras da estatal a observar princípios de ética e transparência. O novo documento traz um item que prevê que a Petrobrás e as empresas fornecedoras de bens e serviços devem respeitar as disposições contidas no Código de Ética, no Guia de Conduta e na Política de Responsabilidade Social da Petrobrás.

A nova edição do manual foi publicada no Diário Oficial da União. O documento prevê sanções às empresas que negociarem com a estatal e praticarem atos ilícitos.

Competitividade’. O presidente da Abemi, Antonio Muller, disse que recebeu com surpresa as declarações do ex-gerente jurídico da Petrobrás. “Fico muito surpreso com o Fernando de Castro Sá falar isso. O jurídico sempre participou das reuniões. O foco da Abemi é a competitividade, a redução de preço e a produtividade. É uma bandeira nossa”, disse Muller.

A defesa de Renato Duque sustentou que “o jurídico da empresa não tinha ligação organizacional com a Diretoria de Serviços. “Toda alteração em minuta contratual somente poderia ser efetuada após a devida análise e parecer favorável do jurídico da Petrobrás.”

Procurado, José Sergio Gabrielli não respondeu até a conclusão desta edição.