BRASÍLIA - Ex-seminarista que se tornou “espírito santo de orelha de deputado”, como foi chamado por Ulysses Guimarães, o mineiro Mozart Vianna vai se aposentar no primeiro dia de fevereiro depois de atuar por 24 anos como secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara — o mais alto cargo da Casa, responsável por auxiliar o presidente durante as sessões. Aos 63 anos, formado em Letras, “Doutor Mozart”, como é conhecido no Congresso, esteve ao lado de 12 presidentes da Câmara e, algumas vezes, influenciou os rumos de votações importantes, como da Lei da Ficha Limpa.

Mozart conta que a matéria estava parada há alguns meses na Câmara porque não havia acordo para votá-la. Em fevereiro de 2010, a caminho do Congresso, ouviu no rádio uma cientista política dizendo que Michel Temer havia “engavetado” o projeto. Deu meia-volta, foi direto à casa do então presidente da Câmara, e o aconselhou a pautar a matéria mesmo sem consenso entre os partidos. Foi atendido e, a partir de ampla mobilização popular, a lei acabou sendo aprovada — contra as previsões de boa parte dos políticos.

O secretário-geral considera Michel Temer um “gentleman”, diz que Aécio Neves sempre foi “alegre e bon vivant”, que Severino Cavalcanti era “muito popular”, mas lembra com especial carinho de Luís Eduardo Magalhães, cuja foto decorou a parede de sua sala de 1998, quando o político faleceu, até semana passada, quando foi para a caixa de mudança. Mozart lembra de Luís Eduardo como “negociador habilidoso”, e diz que Fernando Henrique Cardoso “deve muito do que conseguiu em seu governo” ao filho de Antônio Carlos Magalhães, inclusive a aprovação da emenda da reeleição.

 

Mozart viveu momentos históricos no Congresso, como a conclusão da Constituinte e a votação do impeachment de Fernando Collor — na qual influenciou para que a votação fosse aberta. Ele diz achar que um dos maiores problemas ocorreu quando deputados foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal e levantou-se uma polêmica sobre a cassação automática dos mandatos.

Mesmo com a opinião pública e o Supremo pressionando pela perda dos mandatos, Mozart foi firme na defesa de que caberia ao Congresso decidir sobre isso, o que influenciou o presidente da Casa, Henrique Alves, a insistir na posição até o fim.

— Perda automática de mandato não existe. O constituinte foi muito claro ao assegurar na Constituição a ampla defesa em qualquer hipótese, como contraponto ao regime militar, que cassava mandatos por decreto — diz Mozart, que participou da redação final da Constituição.

Último presidente a quem Mozart pretende assessorar, Alves afirma nunca ter discordado de orientação do secretário-geral, mesmo quando questionado pelos líderes dos demais partidos. Alves foi quem trouxe Mozart de volta à Câmara após um período de dois anos afastado.

— Mozart é um porto seguro para qualquer presidente daquela Casa polêmica, na hora da controvérsia, do debate, do detalhamento regimental e do respeito à Constituição — diz Alves.

 

O secretário-geral se despedirá da Câmara na sessão que dará posse aos novos deputados e elegerá a nova Mesa Diretora. A sessão será presidida pelo decano Miro Teixeira, que apelou a Mozart para que estivesse a seu lado na hora de “desvendar os mistérios regimentais”. Prestes a começar seu 11º mandato na Câmara, Miro diz que lamentará a ausência de Mozart.

— Doutor Mozart é patrimônio do Poder Legislativo e deveria ser tombado!



Umas das raras vezes em que foi possível ver Mozart abandonar a fala mansa foi quando, em maio de 2014, a deputada Alice Portugal o acusou de cometer uma “violência” ao orientar o encerramento de sessão na Câmara para que outra pudesse ser aberta. Da Mesa, Mozart contestou a deputada de forma enfática. Houve confusão e aliados da deputada representaram contra ele. Mas o processo acabou arquivado.

Tanto tempo em pé e curvado para falar aos presidentes da Câmara rendeu a Mozart uma inflamação na lombar. Ele conta que só passou a ficar sentado durante as sessões quando a mulher de Severino, então presidente da Casa, chamou a atenção do marido por causa do “deputado” que passava as sessões em pé cochichando ao seu ouvido. Quando soube que era o secretário-geral, ela mandou que o marido pusesse uma cadeira.