BRASÍLIA E RIO

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), saiu ontem em defesa de parlamentares evangélicos e negou que esteja privilegiando projetos que tratam de interesse dessa bancada, da qual também faz parte. Em seu perfil no Twitter, Cunha afirmou que há "discriminação" em relação ao grupo. Nesta semana, além de desarquivar projetos de sua autoria, como o que cria o Dia Nacional do Orgulho Heterossexual, o presidente da Câmara recriou a comissão especial que discute o polêmico Estatuto da Família. A medida causou revolta em núcleos ligados à causa LGBT, que chamam de "retrocesso" as últimas decisões do peemedebista.

A proposta do Estatuto enfrenta resistência de setores da sociedade por restringir o conceito de família à união entre um homem e uma mulher, desconsiderando as relações homoafetivas. O projeto ainda veda, na prática, a adoção de crianças por casais gays e institui nos currículos escolares a disciplina "Educação para a família".

"É muito estranho só falarem da recriação das comissões pedidas por deputados evangélicos. Já é absurdo carimbarem quando é deputado evangélico, sempre a referência com a religião. Ninguém fala deputado católico, espírita etc. Mas fala sempre evangélico quando ele é evangélico. Isso é discriminação pura e agride a laicidade do Estado", destacou Cunha em mensagens postadas ontem.

"LGBT busca privilégios"

O presidente da Câmara ainda afirmou que os desarquivamentos seguem a regra regimental e que as propostas apenas voltam a tramitar na Casa, sem que isso signifique uma decisão dele de privilegiar um determinado projeto.

Líder do PCdoB e atuante na área de direitos humanos, a deputada Jandira Feghali (RJ) afirma que não busca rotular ninguém, mas que "religiosos que se comportam como bancada não respeitam o preceito constitucional de laicidade do Estado". Jandira criticou a postura de Cunha:

- O problema é que ele (Cunha) acelera as pautas que têm a ver com a cabeça dele, com os próprios projetos, e prioriza. Isso não pode. Como presidente, ele tem que fazer a pauta com os líderes partidários. A família de hoje é moldada no afeto, as pessoas criam laços familiares por afeto.

Autor do Estatuto da Família, o deputado Anderson Ferreira (PR-PE) diz que não inventou um novo formato de família, apenas reproduziu o conceito que está na Constituição. Ele critica movimentos LGBT e diz que eles buscam privilégios.

- Não pode um único movimento querer prevalecer. Uma coisa é lutar por direitos. Outra é buscar privilégios. O movimento LGBT não diferencia direito de privilégio. Não pode alterar o que está na Constituição. Não pode uma minoria ditar regra para a maioria, nem querer privilégios - disse Anderson Ferreira ao GLOBO.

Ao contrário do deputado, a advogada Maria Berenice Dias, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Avogados do Brasil (OAB) e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), aposta que, se aprovado no Congresso, o projeto será derrubado pelo Supremo Tribunal Federal:

- Ele cairá facilmente porque a Constituição tem um conceito amplo de família. Seria inconstitucional. Eu acredito na Justiça. Existe uma iniciativa perversa, por conta da presença desse segmento fundamentalista no Congresso Nacional, mas a família se pluralizou.

famílias homoafetivas

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), defensor da causa gay, reagiu aos conservadores, dizendo que, desde a redemocratização, o Congresso não aprovou nenhuma lei específica de promoção da cidadania LGBT e que o direito ao casamento civil e ao reconhecimento das famílias homoafetivas foi garantido pelo Judiciário.

- A argumentação de Cunha para justificar o fato de eles usarem a presidência da Câmara para reduzirem o pouco direito que resta a nós, LGBTs, só convence homofóbicos, fanáticos religiosos, analfabetos políticos, fascistas e reacionários demagogos - ressaltou.

Para Carlos Magno Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a retomada do Estatuto da Família indica a "visão religiosa" com que os congressistas tratam temas de importância social. O ativista definiu como "lamentável" a posição tomada pela bancada conservadora acerca do conceito de família.

- O Congresso Nacional vai na contramão de tudo que já se discutiu no país e também em outros países do mundo. O que vemos é que este Congresso está movido por uma discussão moral e religiosa, e não para garantir cidadania para os diferentes modelos de família. O Congresso quer é que esse segmento seja excluído da sociedade e colocado em uma condição inferior, o que é lamentável - criticou Fonseca.