BRASÍLIA

A empreiteira Odebrecht procurou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para reclamar, além de vazamentos da PF na Operação Lava-Jato, da ação dos procuradores na busca de recursos desviados da Petrobras para contas na Suíça. O questionamento foi feito de forma indireta. A construtora perguntou a Cardozo por que funcionários do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), vinculado à sua pasta, não foram com os integrantes do Ministério Público Federal (MPF) à Suíça. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa disse ter recebido US$ 31,5 milhões de propina da Odebrecht em contas naquele país. Cardozo alega que o tema é sigiloso e não dá detalhes do encontro.

A reunião com a empreiteira, realizada em 5 de fevereiro, foi revelada pelo GLOBO no sábado. Na agenda do ministro consta só o nome dos advogados Pedro Estevam Serrano, Dora Cavalcanti e Maurício Roberto Ferro e o tema descrito é "visita institucional". Os dois primeiros defendem a Odebrecht, e Ferro é vice-presidente jurídico da construtora. Cardozo admitiu ontem que tinha sido avisado por Serrano, em contato prévio, que o objetivo do encontro era falar sobre a Lava-Jato e atribuiu a descrição genérica na agenda à forma como o pedido formal foi feito pelos advogados. Cardozo também confirmou encontro com advogados da UTC, também investigada na Lava-Jato, mas disse que foi casual.

AMB acusa advogados

O ministro enviou ontem à Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão que chefia o MPF, o questionamento feito pela empreiteira. Em entrevista coletiva, ele disse que se tratava de um questionamento ao DRCI, mas que o tema envolvia sigilo. Disse ter pedido a opinião da PGR para saber se poderia repassar as informações à Odebrecht ou divulgá-las.

A PGR disse estar "tranquila" em responder sobre a utilização na Lava-Jato do acordo de cooperação entre Brasil e Suíça para recuperar ativos desviados. O órgão disse ter recebido o ofício do Ministério da Justiça ontem e que responderá na próxima semana.

A defesa da empreiteira ainda acusa a Polícia Federal de não conduzir de forma correta o inquérito que apura o vazamento de informações da Lava-Jato. Segundo os advogados da Odebrecht, a PF teria ouvido apenas jornalistas e esses teriam alegado o sigilo de fonte. Cardozo disse ter pedido informações à PF sobre esse tema, mas não obteve resposta.

Ontem, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, acusou advogados da operação Lava-Jato de tentarem usar a política para pressionar o Judiciário. O comentário foi feito sobre a reunião de Cardozo com os defensores da empreiteira. "É fundamental para a democracia que os advogados atuem na amplitude das suas prerrogativas, de forma incondicional. Porém, estas mesmas garantias devem ser exercidas dentro de um conceito radicalmente republicano.

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Lá fora, risco de escândalo 

Paris e Nova York

Na França, se advogados de clientes envolvidos num processo de corrupção em curso se reunissem de forma acobertada com o ministro da Justiça, a possibilidade de eclosão de um escândalo seria bastante provável. Na opinião de Didier Adjedj, presidente da Comissão de Exercício de Direito do Conselho Nacional da Advocacia francês, o encontro coloca uma "dificuldade deontológica" (de natureza ética):

- Mas é sobretudo o ministro que estaria implicado, não os advogados. Não é algo contrário às regras deontológicas. Se o ministro tivesse cruzado por acaso com os advogados num corredor, seria diferente. Mas agendar um encontro, com a suspeita de se ter passado informações sobre um processo atualmente em curso, não seria algo admitido na França - disse, ao avaliar a reunião do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com advogados de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato.

Matthieu Baccialone, da Ordem dos Advogados de Paris, também questiona o comportamento de Cardozo:

- Se o advogado puder ter um encontro com o ministro, o fará. Mas, nesse caso, cabe ao ministro não aceitar. A responsabilidade está do lado do ministro, que não pode fazer papel de mediador num processo.

François Poirier presidiu até o ano passado a comissão Regras e Usos do Conselho Nacional da Advocacia, que responde pelas questões de natureza ética da profissão. Em princípio, ele não vê incompatibilidade num encontro de advogados com um ministro, se os defensores avaliarem que se trata de algo do interesse de seus clientes, e desde que organizado com toda transparência. Mas ressalta:

- Não se pode misturar o Direito e a política.

Já nos Estados Unidos, na esteira da crise financeira de 2008, uma reunião entre o procurador-geral americano, Eric Holder, e o presidente do banco JP Morgan Chase, Jamie Dimon - que compareceu ao Departamento de Justiça acompanhado de dois advogados -, causou revolta no país. Aconteceu em 2013, com o mercado financeiro sob investigação do órgão.

Segundo David Rehr, diretor do programa de Advocacia no Ambiente Global da Escola de Pós-Graduação em Gerência Política da George Washington University, esse exemplo é o mais próximo nos EUA da polêmica que resultou da reunião de Cardozo com advogados. Rehr diz que, nos EUA, quando há suspeita de corrupção entre governo e corporações, um advogado de acusação independente é nomeado para investigar o caso.