BRASÍLIA

Na abertura da segunda semana de trabalhos, o Congresso impôs ontem sucessivas derrotas à presidente Dilma Rousseff. O dia ruim para o Palácio do Planalto terminou ontem à noite com a aprovação, na Câmara dos Deputados, da proposta de emenda constitucional (PEC) do orçamento impositivo, que obriga a execução das emendas parlamentares. Isso reduz o poder de barganha do governo na hora de negociar apoio para aprovação de projetos.

Outro revés atingiu diretamente o PT: o partido foi excluído do comando da comissão da reforma política, que ficará nas mãos da oposição. O colegiado será presidido pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e relatoria ficará com o rebelde PMDB. O governo também terá outra provável fonte de aborrecimentos: a liderança do maior partido aliado na Câmara, o PMDB, caberá a um aliado do senador e presidente do PSDB Aécio Neves (MG). A disputa pelo posto está polarizada entre Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) e Leonardo Picciani (PMDB-RJ), fortes defensores da candidatura do tucano em seus estados nas eleições presidenciais de 2014.

Outras ameaças ainda rondam o Planalto em sua relação com a Câmara, onde a base ainda está ressentida com à interferência do Planalto durante a campanha para a presidência da Casa: a descaracterização das medidas de ajuste fiscal, a CP I da Petrobras, que começará a trabalhar após o carnaval, e a possibilidade de aprovação da chamada PEC da Bengala, que tiraria de Dilma a prerrogativa de escolher cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), neste segundo mandato - isso porque a PEC prevê que os servidores públicos poderão trabalhar até os 75 anos, e não até os 70, como hoje.

cunha critica articulação política

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), insiste em dizer que o principal problema está na articulação política do governo. Cunha acredita que o Congresso percebeu, com sua eleição, que é possível derrotar o governo e fazer prevalecer, cada vez mais, a vontade da maioria dos parlamentares. Além disso, ele avalia que os gestos aos aliados vindos do Palácio do Planalto, depois de sua eleição, não foram suficientes para recuperar a credibilidade do governo junto à Câmara.

- Vai ter que arrumar essa articulação política. Fizeram uma opção errada no início da legislatura e agora vão ter que se arrumar. Tem que mudar a forma - afirmou Cunha.

O líder da minoria na Câmara, Bruno Araújo (PSDB-PE), frisa que a articulação política do governo não está funcionando. Para o tucano, os movimentos rebeldes na base, que têm custado uma série de derrotas ao Planalto, são fruto das posições antagônicas sobre a forma de lidar com os desafios econômicos e políticos e do pouco diálogo com o Congresso.

- Essa situação é resultado do descrédito do governo com o povo e com os parlamentares, que não acreditam mais no que é dito pelo governo. A articulação do governo é feita olhando apenas para o próprio umbigo. A sociedade enxerga que foi enganada pelo discurso eleitoral de Dilma Rousseff e reage com indignação, que se reflete aqui dentro também. A estabilidade depende mais da conduta de quem governa do que dos governados - disse o tucano.

O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), levou ontem um boneco de Pinóquio à Casa para ilustrar o discurso. Segundo ele, não há imagem melhor que simbolize o governo Dilma, por ter mentido durante a campanha, ao prometer não aumentar tarifas, impostos, nem ferir direitos trabalhistas.

O deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, procurou negar que haja crise. Preferiu tratar a série de problemas que o Planalto está enfrentando no Congresso como questões pontuais:

- Não tem crise nenhuma. Na comissão da reforma política, o DEM pegou a presidência, mas o PT ficou com uma vice; sobre as MPs do ajuste fiscal, o governo está disposto a fazer mudanças, desde que seja mantida a espinha dorsal do que foi editado. Orçamento impositivo tem desde o ano passado, só porque agora vai ser definitivo, não muda muita coisa - disse.

Com uma dose maior de autocrítica, o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), vê a situação com cautela. Ele admitiu serem necessários reparos na relação com os parlamentares para que a base de Dilma se reagrupe e auxilie no enfrentamento da crise econômica e política, inclusive distribuindo cargos no segundo escalão.

- Tem que falar a verdade. Não tem deputado que não queira indicar, do ministro ao porteiro. Se ajudou a eleger o governo, vai querer indicar, e isso é natural. E tem que aprovar esse orçamento impositivo e tirar esse jabuti da sala, todo parlamentar quer ter direito a suas emendas - disse Sibá.

dilma deve se reunir com partidos da base

Além de tentar uma reaproximação com Cunha, Sibá disse ter pedido a ajuda do ex-presidente Lula para melhorar o diálogo com a base. O deputado contou ainda que ele e Guimarães estão tentando viabilizar um encontro de Dilma com as bancadas dos partidos da base. O primeiro partido a ser recebido pela presidente, segundo Sibá, será o PT, logo após o carnaval.

Em um gesto de reconhecimento das dificuldades que vem enfrentando, o governo criou ontem uma força-tarefa para negociar a aprovação do pacote anticorrupção que será enviado ao Congresso nos próximos dias. Ontem, o ministro Luís Inácio Adams (AGU) se reuniu com Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para uma primeira conversa sobre o tema. O Planalto quer desvincular essas medidas da votação da medida provisória que restringe a liberação de benefícios aos trabalhadores.

Além de Adams, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a assessoria jurídica da presidente estão atuando. A entrada de Adams e Cardozo nas negociações com o Congresso visa a ajudar a articulação política do Planalto, que enfrenta resistência entre parlamentares.

Para tentar uma reaproximação com os parlamentares, os ministros Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), além de Nelson Barbosa (Planejamento), Manoel Dias (Trabalho) e Carlos Gabas (Previdência) marcaram uma reunião com os líderes da base aliada dia 24. Querem negociar a MP de ajuste fiscal e garantir que nenhuma medida provisória será enviada ao Congresso sem discussão prévia. 

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Para dar 'dignidade' a novatos, emendas de R$ 10 milhões  

 

Numa manobra que burla as regras orçamentárias, o relator do Orçamento da União de 2015, senador Romero Jucá (PMDB-RR), disse ontem que vai remanejar R$ 2,4 bilhões para atender aos novatos na Câmara - os 240 novos parlamentares, que não puderam apresentar emendas à proposta orçamentária deste ano. Cada parlamentar eleito pela primeira vez em 2014 terá direito a uma cota de R$ 10 milhões.

Pela primeira, esse jeitinho é dado no Orçamento, já que, pelas regras, os novos parlamentares não podem indicar emendas e passam o primeiro ano sem recursos. A manobra de Jucá vai aumentar os gastos com emendas para R$ 12 bilhões: R$ 2,4 bilhões para os novos e os já previstos R$ 9,6 bilhões das emendas individuais apresentadas ano passado pelos 594 parlamentares dentro do Orçamento de 2015.

Isso porque as emendas do Orçamento da União do ano, neste caso específico de 2015, são apresentadas e aprovadas no ano anterior, ou seja, em 2014. Por isso, estão mantidas as emendas individuais apresentadas pelos 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) apresentadas e aprovadas em 2014 para o Orçamento da União de 2015. No caso dos parlamentares antigos, a cota é de R$ 16,32 milhões, num total de R$ 9,6 bilhões.

A decisão de Jucá é para cumprir a promessa de campanha do novo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que disse aos novatos que garantia recursos para emendas. Ontem, Cunha disse que sua promessa seria cumprida. Jucá acertou com o próprio presidente da Câmara e com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a saída político-orçamentária.

- Pela primeira vez, é para atender com dignidade os parlamentares que ingressaram agora. Encontramos uma solução técnica. Vou apresentar como relator as emendas, com R$ 10 milhões para cada novo parlamentar,. Não estamos aumentando despesas ou receitas. Haverá remanejamento de despesa - disse Jucá.

O parecer final do Orçamento da União já foi aprovado pela Comissão Mista de Orçamento, incluindo as emendas individuais no valor de R$ 9,6 bilhões. Jucá apresentará as mudanças diretamente no Plenário do Congresso, no momento da votação do Orçamento. A próxima sessão do Congresso está marcada para dia 24.

Por burlar as regras, as emendas terão caráter especial. Em tese, não serão emendas individuais impositivas, ou seja, de caráter obrigatório de execução. Mas, na prática, a ideia é que os parlamentares novos tenham suas emendas liberadas como se fossem impositivas.