SÃO PAULO E CURITIBA

Nos depoimentos que prestou à Justiça Federal como parte das investigações da Operação Lava-Jato, o doleiro Alberto Youssef acusou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu - condenado pelo mensalão - de participar do esquema de recebimento de propina instalado na Petrobras. Segundo Youssef, Dirceu teria o mesmo papel do atual tesoureiro do partido, João Vaccari Neto. Os dois seriam os responsáveis por receber, em nome do PT, vantagens indevidas oriundas de contratos firmados por diversas empreiteiras com a estatal.

Segundo documentos divulgados ontem pelo juiz Sérgio Moro, Youssef reforça as acusações do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, e volta a pôr o PT no centro do esquema de corrupção.

Em seus depoimentos, Youssef chegou a dizer que havia intermediado o pagamento de R$ 27 milhões em propina a agentes políticos entre 2005 e 2012. A transcrição oficial registra: "o dinheiro entregue pelo declarante (Youssef) em São Paulo servia para pagamento da Camargo Corrêa e da Mitsue Toyo ao PT, sendo que as pessoas indicadas para efetivar os recebimentos à época eram João Vaccari e José Dirceu".

Em outra parte, a Justiça anotou que, segundo Youssef, parte do dinheiro ia para o PT. "Os valores entregues em espécie pelo declarante eram destinados ao Partido dos Trabalhadores e à Diretoria de Serviços da Petrobras, na pessoa de Renato Duque e outros gerentes da referida diretoria. Que o valor total operado por este modus operandi foi desenvolvido do final de 2005 até meados do ano de 2012".

contabilidade cita "bob"

Ainda segundo Youssef, a ligação entre Dirceu e o consultor Júlio Camargo, que prestava serviços para diversas empreiteiras e que também faz delação premiada na Lava-Jato, era pessoal. O ex-ministro, afirmou o doleiro, usava o jatinho dele com frequência. E, na contabilidade de Camargo, aparece como "Bob". Sabe-se que Dirceu foi assessorado por uma pessoa com esse apelido durante anos.

Documentos anexados à investigação da Lava-Jato e revelados recentemente mostram que a JD Consultoria, empresa de Dirceu, recebeu, entre 2009 e 2013, quase R$ 4 milhões de empreiteiras denunciadas no esquema de corrupção. Entre elas, a Galvão Engenharia, a OAS e a UTC, cujos executivos estão presos em Curitiba. Por conta disso, os sigilos bancário e fiscal de sua empresa foram quebrados. Em sua defesa, Dirceu disse que prestava consultoria. A suspeita da PF é de que as consultorias eram fictícias.

Segundo Youssef, Dirceu e Vaccari frequentavam um edifício na Rua Joaquim Floriano, no Itaim Bibi, em São Paulo, que serviria de base para os pagamentos de propina. O doleiro diz ainda que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci tinha ligação com o consultor Julio Camargo, de quem Youssef garante ter ouvido acusações contra Dirceu e Vaccari.

Ontem, a Justiça Federal também liberou para leitura os depoimentos prestados pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Ao justificar a divulgação das duas delações, Moro foi enfático. Disse que o processo não corre sob sigilo e que não cabe ao Judiciário "ser o guardião de segredos sombrios".

"ligações familiares"

Em seus depoimentos, Costa também citou Dirceu. Segundo ele, o ex-ministro indicou Renato Duque para a área de Engenharia e Serviços da Petrobras. Segundo Costa, os dois têm ligações familiares. Duque foi preso, acusado de receber propina, mas está solto.

Segundo o ex-diretor de Abastecimento, o PT abocanhava também propinas na área de maior investimento da Petrobras: a de Exploração e Produção, que responde por entre 60% e 70% dos investimentos da empresa. Esse setor foi comandado pelo diretores Guilherme Estrela e José Formigli, ambos indicados pelo PT. Até agora, havia indícios de pagamento indevidos nas diretorias de Abastecimento, Internacional e Serviços.

Segundo Costa, o PT ainda recebia todo o dinheiro de contratos firmados na área de Gás e Energia, que foi comandada pela ex-presidente da estatal Graça Foster.

O delator citou o senador Delcídio Amaral (PT-MS). Disse que ele indicava o diretor da Área Internacional, apesar de PT e PMDB dividirem as comissões dos contratos firmados pela área, geralmente descritos como de "valores gigantes". Atuaram no setor os ex-diretores Nestor Cerveró e Jorge Zelada.

Por fim, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras frisou que nunca se reuniu com Vaccari, mas afirmou que Youssef e o tesoureiro do PT se conheciam bem e mantinham contato frequente. Certa vez, disse ele, viu o doleiro acenando para Vaccari num restaurante de São Paulo e ouviu de Youssef um explicação: que ele era o responsável por distribuir a propina do PT. Segundo Costa, "todos os valores para uso político eram repassados a João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, quando se tratassem de recursos destinados ao Partido dos Trabalhadores" .

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Ex-ministro vira assistente administrstivo em escritório  

 

BRASÍLIA

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu está de emprego novo. Em 26 de janeiro, o escritório de advocacia Tessele e Madalena assinou a carteira de trabalho do petista, que exerce a função de assistente administrativo. O expediente é de 44 horas semanais, e a remuneração, de R$ 4 mil por mês. O contrato de experiência tem validade de 45 dias e, conforme o desempenho do empregado, pode ser efetivado após o período. À noite, Dirceu precisa voltar direto para casa, onde cumpre a pena à qual foi condenado no processo do mensalão.

Dirceu é velho conhecido do escritório Tessele e Madalena. Em agosto de 2011, um ano antes de começar o julgamento do mensalão, a revista "Veja" publicou que o petista mantinha uma espécie de gabinete em um apartamento alugado em um hotel de Brasília. No local, ele receberia em audiência ministros e parlamentares. À época, o Tessele e Madalena divulgou nota dizendo que a locação era para uso privativo do escritório.

O texto explicava que os advogados mantinham um "acordo de cooperação técnica" com o escritório Oliveira e Silva Advogados, do qual José Dirceu era sócio. Ainda segundo a nota, o contrato previa o "uso comum de instalações, estrutura, logística, recursos humanos e técnicos, aos advogados associados a ambos os escritórios, em trânsito em São Paulo e Brasília".

O escritório ainda esclareceu que a relação era "legal e transparente", sem nada de "misterioso ou suspeito". O GLOBO telefonou para o Tessele e Madalena ontem à tarde, mas ninguém atendeu. Na portaria do prédio onde o escritório funciona, a recepcionista confirmou o endereço, mas disse que não tinha ninguém na sala naquele momento.

Dirceu estava no regime semiaberto e migrou para o domiciliar em 4 de novembro do ano passado, depois de cumprir um sexto da pena. Ele precisava "comprovar que exerce trabalho honesto no prazo de três meses ou justificar suas atividades", conforme determinação da Vara de Execuções Penais (VEP) de Brasília. No último dia 29, a defesa de Dirceu comunicou oficialmente o novo emprego à Justiça, com cópia da carteira de trabalho e do contrato com o escritório.

Enquanto estava no regime semiaberto, o ex-ministro trabalhava no escritório de José Gerardo Grossi, criminalista renomado na capital federal. Lá, ele também exercia a atividade de assistente administrativo. Em novembro, com a mudança do detendo para o regime domiciliar, terminou o vínculo empregatício. Quando foi para o regime domiciliar, Dirceu alugou uma casa no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, para viver com a namorada, com quem tem uma filha. Em seguida, formalizou a união. Em dezembro, o ministro do STF Luís Roberto Barroso deu a Dirceu o direito de passar o Natal e o Ano Novo em Passa Quatro, Minas Gerais, onde a mãe dele mora. A autorização era para viajar de 23 de dezembro a 2 de janeiro.

No regime domiciliar, o preso deve ficar em casa das 21h às 5h. Nos domingos e feriados, fica proibido de sair de casa. O preso nessa condição também não pode andar na companhia de outras pessoas que cumpram pena, não pode portar armas, fazer uso de bebidas alcoólicas ou frequentar bares.