A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga casos de violência contra jovens negros e pobres vota hoje a convocação de acusados e testemunhas de estupros de meninas na região da Chapada dos Veadeiros. Entre os depoentes estão o vice-presidente da Câmara Municipal de Cavalcante (GO), Jorge Elias Ferreira Cheim (PSD), e o ex-vereador e assessor da mesma Casa Neovalto Cândido de Souza. Ambos são acusados de abusar sexualmente de garotas descendentes de escravas, que moravam e trabalhavam como domésticas na casa deles. Os parlamentares também devem agendar uma audiência pública na cidade goiana distante 310km de Brasília. ...

 

O Correio revelou a violência contra crianças e adolescentes kalungas por meio de uma série de reportagens publicada desde domingo. O jornal mostrou que garotas nascidas em comunidades quilombolas são vítimas de abusos, principalmente por parte dos patrões, para quem trabalham como domésticas, em troca de abrigo, comida e oportunidade de estudo. Nos últimos cinco meses, a Polícia Civil concluiu oito inquéritos de estupro de vulnerável (em que a vítima tem menos de 14 anos) no município de 10 mil habitantes. As denúncias motivaram as representações por parte de deputados federais e uma investigação por parte da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

 

Promotora

 

Presidente da Frente Parlamentar Contra o Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e integrante da CPI, o deputado federal Roberto Alves (PRB-SP) protocolou ontem o requerimento para convocar Cheim e Souza. No documento, ele também pede à comissão para convidar a prestar esclarecimentos a promotora de Justiça de Cavalcante, Úrsula Catarina Fernandes Siqueira Pinto; do delegado que responde pelo município goiano, Diogo Luiz Barreira; e do presidente da Associação Quilombo Kalunga, com sede em Cavalcante, Vilmar Souza Costa.

 

Integrante da CPI da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a deputada federal Érika Kokay (PT-DF) pede uma audiência da comissão, em Cavalcante, com representantes do Conselho Tutelar, de lideranças comunitárias de quilombos da região, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, do Ministério Público do Trabalho, da Secretaria de Segurança Pública de Goiás e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.

 

Falta estrutura

 

O Correio mostrou ainda que, mesmo sem estrutura e gente suficiente — a delegacia do município não tem delegado —, agentes e escrivães lotados em Cavalcante desde dezembro decidiram priorizar os casos de estupro de vulnerável. O mais recente inquérito tem como indiciado o vereador Jorge Cheim, 62 anos. Há 20 dias, um laudo comprovou o estupro da kalunga de 12 anos que morava na casa dele. O delegado Diogo Barreira, que fica em Alto Paraíso e responde também por Cavalcante, pediu a prisão preventiva do acusado. Além de vereador por três mandatos, ele é ex-prefeito e marido da atual vice-prefeita da localidade, Maria Celeste (PSD).

 

À frente da Comarca da cidade goiana há 18 anos, a promotora Úrsula Pinto é casada com um primo de Cheim. O pedido de prisão preventiva e o inquérito contra o vereador estão com ela. Ela se declarou, na semana passada, suspeita para cuidar do caso. Mas, por enquanto, não há um substituto definido. A Corregedoria-Geral do Ministério Público de Goiás (MPGO) analisa a reclamação autuada no mês passado contra o trabalho da promotora. Na denúncia, moradores reclamam de uma suposta lentidão e da falta de resposta às denúncias de crimes cometidos em Cavalcante.

 

Em entrevista ao Correio, Úrsula Pinto admitiu a gravidade dos casos de estupro em Cavalcante, mas negou omissão. Sobre o inquérito de Jorge Cheim, alegou que, até sexta-feira, não tinha o laudo que comprovou o estupro da vítima anexado ao inquérito. “No mesmo dia em que tomei conhecimento do fato, 30 de outubro, encaminhei ofício de inquérito policial”, garantiu. Ela ressaltou que a demora nas investigações de crimes em Cavalcante se deve a diversos fatores. “A lentidão é geral, pois não contamos de modo constante com delegado e juiz. Quando chega um juiz, ele logo sai. Desde 2009, temos problemas com delegado, porque ninguém fica. Agora, temos uma estrutura de escrivão. Antes, a coisa ficava à mercê. A única instituição que está aqui e que ouve a população é o Ministério Público.”