Depois de sete horas e vinte minutos de depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na manhã e na tarde de ontem, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi dormir com uma vitória. À noite, o plenário da Casa adiou a votação do projeto de apressa a implementação das novas regras para as dívidas de estados e municípios, reduzindo os pagamentos dos entes federados à União. A proposta dispensa a regulamentação das normas, que se tornaram lei no fim do ano passado. Só que, em meio a dificuldades de caixa, o governo não quer que essa mudança seja introduzida antes de fevereiro de 2016.

Se fosse obrigado a mudar as dívidas em 30 dias, como determina o projeto do Senado, o governo federal teria uma despesa extra de R$ 3 bilhões neste ano, prejudicando o ajuste fiscal. A meta é atingir superavit primário de R$ 66,3 bilhões neste ano, o equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o que é essencial, segundo Levy, para que o país retome o crescimento econômico.

O adiamento da votação do projeto foi conseguido com a inversão da pauta, depois de duas horas de um intenso debate que levou para o primeiro lugar o item que trata da manutenção de incentivos fiscais. Como foi mantida a urgência na votação, é provável que o projeto seja apreciado na semana que vem.

Além de ter ganhado tempo, o governo conseguiu um acordo estabelecendo que, se as novas regras para a dívida forem, de qualquer modo, aprovadas, a poupança extra obtida por estados e municípios não vai resultar em novos gastos neste ano: os recursos serão reservados para 2016. A União já acertou isso com o município do Rio de Janeiro, e a regra seria estendida para todos. O ideal, para o governo, é que o projeto não seja aprovado, mas o acordo reduz os danos, uma vez que a obrigação de estados e municípios guardarem os recursos elevará o superavit consolidado do setor público.

Durante o depoimento à CAE, o ministro reforçou apelo feito na véspera ao presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e pediu aos senadores que não aprovem medidas que atrapalhem o cumprimento da meta fiscal — como a alteração do indexador das dívidas de estados e municípios. “A proposta é que a regulamentação da lei fosse feita só em fevereiro de 2016. Neste momento, teremos certeza do cumprimento da meta (fiscal) para este ano. Saberemos se o Brasil conseguiu evitar as dificuldades e se estaremos finalmente na rota do crescimento, com a possibilidade de realizar os sonhos e desejos que todos temos” , afirmou.

Levy fez questão de citar a presença, na audiência, de vários secretários estaduais de Fazenda, com os quais vinha discutindo o fim da guerra fiscal e a unificação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “O maior problema dos incentivos fiscais não é o fato de atrair empresas. Essa é a parte boa. O custo é que é o problema”, afirmou. Ele reconheceu que essa é uma operação custosa e que não há necessidade de o incentivo ser permanente, sugerindo um novo padrão de alíquotas, com uma redução gradual em um prazo de oito anos.

Choque terrível
Para o ministro, o governo deve equilibrar receitas e despesas para poder atrair recursos internacionais. Sem se dedicar com afinco a essa tarefa, notou, o país poderá ser rebaixado pelas agências de classificação de risco. “Temos de trabalhar e agir rápido para não perder o investment grade. Seria um choque terrível. Ninguém quer isso”, afirmou, em referência ao patamar de avaliação em que o país se encontra, que permite, ainda, que os papéis da dívida sejam comprados mesmo por fundos conservadores. A nota do governo tem peso também na que é concedida aos débitos das empresas.

Levy chegou a fazer uma brincadeira com o saneamento das contas públicas, ao procurar, em vão, uma barra de cereais que o presidente da CAE, Delcídio Amaral (PT-MS), disse que estaria à sua disposição sob a mesa. “Acho que a ajuste fiscal passou por aqui também.” Depois disso, uma funcionária lhe trouxe outra barra.

Reduzir gastos, segundo o ministro, deve ser um esforço de todos. “Cortar despesas é importante. É um trabalho conjunto entre Legislativo e Executivo”, afirmou. A construção desse entendimento entre poderes, segundo ele, exige “paciência”, e a tendência é de que o processo gere desgaste em todos os setores da sociedade. “Daqui a alguns meses vou precisar mais do apoio do que agora”, previu. Ele ainda chamou atenção para o fato de que é fundamental não criar gastos novos, mencionando, inclusive, o pagamento de salários de servidores.

Cobrado por senadores quanto ao apoio a um fundo que compensa os Estados pela desoneração das exportações, o ministro condicionou o estabelecimento de um cronograma à aprovação das medidas fiscais propostas pelo governo. “É mais fácil dizer isso depois de saber qual vai ser o ajuste fiscal. Antes disso, seria ousadia”, alertou.

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Ministro não descarta impostos

No mesmo dia em que o governo divulgou o pior resultado fiscal para mês desde 1997 nas contas de Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu que pode considerar a criação de novos impostos para aumentar a arrecadação. Seria leviano falar que jamais trarei novos impostos. Acho que o governo tem que ter liberdade para tomar as decisões necessárias de seu interesse, disse o ministro, ontem, no final da audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. No início da sessão que durou mais de sete horas, no entanto, ele havia dito o contrário. Em uma das 48 páginas da apresentação aos senadores, aparecia em destaque Nenhum imposto novo, seguido de três pontos de exclamação, em um fundo vermelho. 

Ao defender o ajuste fiscal que vem tentando implementar, Levy fez questão de frisar que o governo tem como estratégia a redução de renúncias fiscais e a recomposição de alíquotas de tributos existentes, sem mexer no Bolsa Família, corrigindo distorções. O objetivo dos ajustes é colocar a economia numa base sólida para poder retomar o crescimento, disse o ministro, elogiando medidas que foram adotadas entre 1998 e 1999. O governo (FHC) teve coragem de mudar para conquistar a estabilidade. Estamos fazendo os ajustes para preservar os ganhos (sociais). Muitos países mudaram. Não podemos nos perder por turbulências, acrescentou. 

O ministro reconheceu que o resultado ruim das contas públicas neste início de ano dificultará o cumprimento da meta de superávit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) perseguida deste ano, de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor público consolidado, incluindo estados e municípios. Esse objetivo é considerado ambicioso por especialistas, uma vez que foi estabelecido com base numa projeção de crescimento da economia de 0,8% em 2015 as previsões ais recentes são de queda de 1% a 1,5%. 

O governo precisará lidar com a frustração de receita. A arrecadação não vai ajudar muito, porque a economia está no fundo do poço. Serão necessários novos impostos, disse o economista-chefe da INVX Global Partners, Eduardo Velho. O mercado aposta que o superavit ficará entre 1% e 0,5% do PIB. As entrelinhas do discurso do ministro mostram que o grande ajuste de 2015 e de 2016 será muito concentrado em impostos. A grande dúvida no cumprimento da meta é se os projetos que o governo enviou ao Congresso serão aprovados na íntegra, como ele espera, emendou, lembrando de alguns tributos que devem sair da gaveta, como o imposto sobre heranças e a CPMF, o imposto sobre o cheque.