São Paulo, Rio e Brasília

Após uma trégua de três dias, o dólar comercial retomou ontem sua escalada e subiu 2,58% ante o real, chegando a R$ 3,296. Esse é o maior valor desde 1º de abril de 2003, há quase 12 anos, quando chegou a R$ 3,31. A alta da moeda americana foi global, refletindo a expectativa de alta nos juros nos Estados Unidos. No Brasil, a valorização foi mais intensa devido às incertezas políticas capazes de atrapalhar o ajuste fiscal desenhado pelo governo. Durante o dia, a moeda chegou a ser vendida por R$ 3,307. Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), os investidores mostraram mais aversão ao risco, e o índice de referência, o Ibovespa, fechou em queda de 1,11%, aos 50.953 pontos.

Para João Medeiros, diretor da Pionner Corretora de Câmbio, o cenário global justifica a alta da moeda americana - não é à toa que o euro e o rand sul-africano perderam quase 2%. Além dessa tendência, o Brasil enfrenta cenário interno complicado, com a disputa política entre governo e a base aliada e as dificuldades para se fazer o ajuste fiscal em um ambiente de baixo crescimento econômico:

- Há disputa política e o medo do Brasil ter a nota de crédito rebaixada pelas agências de risco. As exportações ainda não estão crescendo, o que poderia atrair mais dólares. Diante do cenário, vamos continuar sofrendo, e isso não é exclusividade do Brasil. Outras moedas estão perdendo força.

nas casas de câmbio, cotação chega a R$ 3,72

Nas casas de câmbio, a alta foi ainda maior. Levantamento feito pelo GLOBO ontem mostrou que o dólar turismo era vendido entre R$ 3,43 e R$ 3,51. O valor mais baixo foi encontrado na Ultramar e a cotação mais cara na Corretora Cotação. No cartão pré-pago, o dólar saía mais barato na Ultramar, vendido a R$ 3,65 - enquanto que o valor mais alto era cobrado pela Western Union, R$ 3,72, já com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

A capacidade do governo negociar com seus próprios aliados e levar adiante o ajuste fiscal é o que tem deixado analistas e investidores inseguros por aqui. A expectativa é que, para conseguir apoio, concessões tenham que ser feitas, o que pode reduzir o tamanho do ajuste, dificultando a meta de superávit primário (economia feita para o pagamento de juros) de 1,2% do PIB. Essa economia é importante para evitar que o Brasil seja rebaixado pelas agências de classificação de risco - quanto melhor a nota, mais fácil atrair recursos ao país.

Do ponto de vista global, a divisa ganhou força com os investidores fazendo nova leitura do comunicado do Federal Reserve (Fed, banco central americano), de quarta-feira. O documento trouxe sinais de aumento mais moderado das taxas de juros no país, o que levou à depreciação do dólar ontem. No entanto, os analistas dizem que ficou mais claro que a alta do juro está, de fato, mais próxima.

- A interpretação do comunicado do Fed na quarta-feira foi equivocada, e a venda de dólares, muito exagerada. Ontem, o mercado voltou ao normal, tanto que as moedas estão perdendo valor frente ao dólar no mundo todo - afirmou Ítalo Abucater, gerente de câmbio da Icap do Brasil corretora. - Não resolvemos nosso problema fiscal ainda, e a tensão política aumenta a volatilidade. Com isso, o volume no mercado de câmbio tem sido pequeno, levando a oscilações mais bruscas em reação a negócios relativamente pequenos.

Para o gerente de renda variável da corretora H.Commcor, Ari Santos, seria natural o recuo após três altas consecutivas.

- Foi uma realização de lucro depois de três altas seguidas. Além disso, há um estresse devido ao risco de um rebaixamento do Brasil pelas agências de risco e há tensão política. O mercado vai continuar muito volátil - disse Santos, lembrando que a alta do dólar deixa as ações no Brasil mais baratas para os investidores estrangeiros, o que estimula os negócios.

Mercadante: dólar alto ajuda

A Petrobras teve queda de 3,99% (ação ordinária, com direito a voto) e 4,40% (preferencial, sem voto). O dia foi negativo para petrolíferas no mundo, com o barril do petróleo do tipo Brent em queda que chegou a 2,65%, a US$ 54,43. Entre as altas, destaque para as exportadoras, que tiram proveito do dólar mais caro. Os papéis da Suzano fecharam em alta de 5,96% e os da Fibria avançaram 3,09%.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que o real passou muito tempo sobrevalorizado, o que causou déficit comercial de US$ 3,93 bilhões:

- Essa desvalorização aumenta nossa competitividade, a atração de investimentos externos e ajuda na agricultura, com a queda no preço das Commodities , e na competitividade da indústria.

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Pãozinho deve ficar ao menos 10% mais caro já no mês de abril  

SÃO PAULO

A escalada do dólar deve chegar aos preços dos produtos derivados de trigo nos próximos dias. O pão francês, um dos itens mais consumidos pelos brasileiros, deve aumentar 10%, informou o presidente da Abip, entidade que reúne as indústrias de panificação, José Batista. O reajuste deve chegar às padarias até o começo de abril. Pão de forma, massas e biscoitos devem ter subir 8%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Massas Alimentícias e Pães (Abimapi), que está negociando com o varejo as novas tabelas.

- O aumento é líquido e certo e deve acontecer a qualquer momento. Estamos esperando pela definição do repasse pelos moinhos - disse Batista.

Alta na luz também encarece produto

Ao aumento do preço das matérias primas repassado às padarias e aos supermercados soma-se a outros reajustes como o da conta de luz (que em alguns casos chegou a 100%) e de outros produtos importados pelas panificadoras. Hoje, 33% do custo do pãozinho, por exemplo, vêm da farinha de trigo e outros 14% da energia.

- Esse dois fatores combinados têm um efeito atômico nos preços - diz Batista, explicando que os aumentos ainda não aconteceram porque os moinhos ainda estão processando o trigo em estoque.

Hoje, metade das dez milhões de toneladas de trigo consumidas no país é importada, principalmente da Argentina e do Paraguai.

- Qualquer problema com as importações da Argentina, a indústria terá que buscar o trigo nos EUA ou no Canadá, o que vai encarecer ainda mais os produtos - afirma Claudio Zanão, da Abimapi.