Nos relatórios da Operação Zelotes, que apura desvios de recursos da Receita, a Polícia Federal diz que o conselheiro Paulo Roberto Cortez foi essencial na investigação porque “escancarou” as mazelas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e ofereceu as linhas de investigação para as equipes envolvidas no caso.

“Os diálogos de Cortez têm sido férteis à operação, na medida em que explicitam envolvimentos pessoais de membros do Carf e fora dele nas ‘negociatas’, como ele próprio diz, contribuindo com a orientação dos trabalhos investigativos”, diz a análise das escutas feita pela PF com autorização da Justiça.

Cortez é auditor fiscal da Receita aposentado e conselheiro do Carf. Durante alguns anos, segundo a PF, ele trabalhou com José Ricardo da Silva no escritório de advogacia JR Silva Advogados Associados. Também foi sócio de José Ricardo na SVR Construtora e Incorporadora. A PF o acusa de integrar o esquema de corrupção no colegiado, usando suas empresas, e chegou a pedir a prisão dele. A Justiça, no entanto, não considerou a medida necessária.

Nas escutas, Cortez dá detalhes sobre supostas irregularidades. Num dos trechos, diz que um conselheiro rejeitou passagem de avião e preferiu viajar de São Paulo a Brasília num ônibus. Tudo para que uma mala de dinheiro não fosse detectada no aparelho de raios X.

No mesmo diálogo, Cortez diz que só “coitadinhos” têm de pagar impostos. “Quem não pode fazer acordo, acerto – não é acordo, é negociata, se f...”, diz.

O rastreamento também registrou uma mensagem escrita por Cortez para a Inteligência da Receita Federal. No e-mail, ele faz referência ao pagamento de uma suposta propina de R$ 1 milhão para dois conselheiros no Carf, associada a um processo de interesse da Marcopolo. A empresa nega irregularidades e sustenta que “possui programa de compliance que assegura rigorosos padrões éticos e legais na condução de todas as suas atividades”. O Estado tentou contato com Cortez, sem sucesso.

Erenice Guerra. A ex-ministra-chefe da Casa Civil Erenice Guerra foi apontada em reportagem publicada pela revista Veja como uma das participantes do esquema que beneficiaria, mediante o pagamento de propinas, empresas com dívidas na Receita Federal. Segundo a revista, Erenice se associou a José Ricardo da Silva, ex-conselheiro do Carf e um dos investigados pela Operação Zelotes, para atuar em favor de uma empresa de telecomunicações com débito de R$ 705,5 milhões. De acordo com a Veja, nos documentos apreendidos, está estabelecido o prêmio a ser pago a Erenice em caso de êxito: 1,5% do valor que a empresa deixaria de recolher aos cofres públicos. Ou seja, em caso de uma anulação completa da multa à empresa, a ex-ministra receberia mais de R$ 10 milhões.

 

Regra nova permitiu que ex-secretário assumisse Carf

 

O ex-secretário da Receita Federal Otacílio Dantas Cartaxo só assumiu o comando do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em 2011 porque o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, alterou o regimento interno do órgão para permitir que a presidência fosse ocupada por um auditor fiscal aposentado. Antes disso, a norma só permitia o acesso a servidores da ativa.

Cartaxo foi grampeado pela Polícia Federal, que apura um esquema de pagamento de propinas a integrantes do Carf, espécie de "tribunal" que analisa recursos dos contribuintes autuados pelo Fisco.

O ex-secretário da Receita substituiu Caio Marcos Cândido em abril de 2011. Na mesma época, o Diário Oficial da União exonerou Leonardo Manzan, genro de Cartaxo, da função de conselheiro do Carf. Manzan fazia parte da Câmara Superior do Carf, órgão máximo do conselho, e passou a atuar para clientes com interesses no Carf, segundo a Polícia Federal.

Antes de ser nomeado para o Carf, Cartaxo ocupou a secretaria da Receita Federal também pelas mãos do ex-ministro Mantega. Ele substituiu Lina Vieira em 2009, que deixou o cargo após acusar a presidente Dilma, então chefe da Casa Civil, de pedir a interrupção de investigações do Fisco sobre a família do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP).

Procurado, o ex-ministro Mantega informou que "rejeita qualquer tipo de insinuação envolvendo o nome dele nesse tipo de episódio". Ele lembrou que foi em 2013, na gestão dele à frente do Ministério da Fazenda, que foi criada uma corregedoria para investigar irregularidades, inclusive no Carf.