Em conversa interceptada pela Polícia Federal, um dos integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), espécie de “tribunal” que avalia recursos de contribuintes em débito com a Receita, afirma que o órgão se tornou um “balcão de negócios” e, no cotidiano de julgamentos, quem não faz “negociata” leva a pior.

Na escuta, o conselheiro Paulo Roberto Cortez, um dos investigados por participação no esquema para favorecer grandes empresas, afirma ainda que só “coitadinhos” têm de pagar impostos. “O Carf tem de acabar, não pode. Quem paga imposto é só os coitadinhos (sic)”, constata ele em um telefonema. “Quem não pode fazer acordo, acerto – não é acordo, é negociata -se fode”, continua ele.

A conversa foi interceptada pela Polícia Federal em 25 de agosto do ano passado. Do outro lado da linha, estava o sócio de Cortez no escritório de assessoria contábil Cortez & Mallmann, que atua no Carf, Nelson Mallmann. No diálogo, os dois mencionam casos de suborno envolvendo conselheiros do Carf e grandes empresas investigadas na Operação Zelotes. Há ao menos 74 pessoas físicas e jurídicas sob suspeita, entre eles gigantes do setor privado, como revelou o jornal “O Estado de S. Paulo” no último sábado.

Num dos trechos, o conselheiro afirma, referindo-se aos recursos de contribuintes que apelam ao “tribunal” da Receita: “Eles estão mantendo absurdos contra os pequenininhos e esses grandões estão passando tudo livre, isento de imposto. É só pagar taxa”, continua Cortez.

Carf. Foto: André Dusek/Estadão

Carf. Foto: André Dusek/Estadão

Na conversa, ele diz que o Carf tem de fechar para que os casos a ele levados passem a ser discutidos no Judiciário. “Não pode isso aí. Virou balcão de negócios”, comenta, acrescentando: “Dá vergonha, cara”.

Na Operação Zelotes, a Polícia Federal e a Procuradoria da República no DF pediram a prisão temporária de Cortez por supostas práticas de associação criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A Justiça, no entanto, não considerou a medida necessária. Segundo o inquérito, as empresas de Cortez foram usadas para “branquear” pagamentos de clientes que buscavam alterar os julgamentos do Carf.

O Estado telefonou para o escritório de Cortez e Mallmann, mas as ligações foram interrompidas quando a reportagem se apresentou. “Não temos interesse”, disse o atendente, que não se identificou. O Estado telefonou para Cortez e o sócio em seus celulares, mas não foi atendido. Também enviou e-mail para ambos, mas, por ora, não houve resposta.

 

Grupo teria proposto acordo a banco

 

Um relatório da Polícia Federal, obtido pelo Estado, indica que o grupo investigado por corromper integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) teria conversado com o banco Bradesco a respeito de um "contrato" para anular débito de R$ 3 bilhões com a Receita Federal. O relatório diz que o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco, e outros dois executivos se encontraram com um emissário da organização para discutir como seria a atuação no órgão.

Segundo a investigação, o objetivo dos investigados era corromper conselheiros para influenciar a decisão do Carf ou mesmo comprar um pedido de vista para retardar o julgamento. No entanto, a investigação não chegou a conclusões sobre a participação dos dirigentes do banco no caso, porque a Justiça Federal não autorizou a continuação de escutas telefônicas.

"Tendo em vista o encerramento do monitoramento telefônico por determinação judicial, restou pendente saber se a presidência do banco iria compactuar com o grupo ou buscar corromper conselheiros para fazer valer seus interesses em detrimento da Fazenda Nacional, ou repudiar a oferta", afirma o relatório da PF.

Segundo o inquérito, o esquema para apagar o débito foi articulado pelo auditor fiscal e ex-conselheiro do Carf Jorge Victor Rodrigues, sócio da SBS Consultoria Empresarial; Lutero Fernandes do Nascimento, assessor do ex-presidente do conselho Otacílio Cartaxo; e o ex-superintendente da Receita na 8.ª Região Fiscal Jeferson Ribeiro Salazar.

O grupo acionou o auditor da Receita Eduardo Cerqueira Leite para uma reunião com o banco. O encontro foi monitorado pela PF e, segundo o inquérito, ocorreu no último dia 9 de outubro, na sede do Bradesco, em Osasco. O relatório indica, além de uma breve participação de Trabuco, que também estiveram na reunião o diretor de Relações com Investidores Luiz Carlos Angelotti e um dos vice-presidentes do banco, Domingos Figueiredo de Abreu.

Procurado, o Bradesco negou que Trabuco tenha participado da reunião e não se pronunciou sobre os outros executivos. Em nota, o banco informou que possui estrutura própria, "suportada por renomados escritórios contratados em sua defesa nos âmbitos judicial e administrativo", os quais "são os únicos autorizados a representá-lo".

O advogado de Cerqueira Leite, Renato Vieira, informou que não teve acesso integral à investigação e que só vai comentá-la quando acessar o conteúdo. Segundo ele, seu cliente está à disposição das autoridades.

 

Relatório aponta propina paga por quatro empresas

 

Relatório da Polícia Federal sobre e-mails interceptados com autorização judicial na Operação Zelotes afirma que Mitsubishi, Gerdau e BRF foram "clientes" de José Ricardo da Silva na época em que ele era conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Apelidado de "Bolachão" por integrantes do esquema, José Ricardo atuava em favor das empresas dentro do conselho mediante recebimento de propinas, afirmam os investigadores.

No caso da Gerdau, a PF identificou um possível pagamento irregular de R$ 50 milhões para interferir no julgamento de um recurso contra uma multa de R$ 4 bilhões. Bolachão recebeu de seu sócio num escritório de advocacia, João Batista Gruginski, o texto pronto do voto que deveria proferir para, supostamente, beneficiar a empresa.

No mesmo relatório, a PF afirmou que "outro cliente do grupo seria a MMC Automotores do Brasil", em referência à detentora da marca Mitsubishi. Nesse caso, a empresa teria pago propina de R$ 3,6 milhões. Os repasses teriam sido feitos em 18 transações, de novembro de 2012 a dezembro de 2013, para a consultoria Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia Corporativa, outra cooptadora de interessados nas fraudes, segundo a PF.

Outra troca de e-mails envolvendo José Ricardo mostra, segundo os policiais, que "a Eleva Alimentos S/A foi mais um cliente identificado com processos dentro do Carf". A empresa, afirma o relatório, transferiu para a SGR Consultoria, outra das captadoras de clientes para o esquema, R$ 292,2 mil. Em um e-mail enviado ao conselheiro, é feita referência a processos da BRF/Eleva, em referência à gigante do ramo de alimentos BRF, controladora da Perdigão, empresa que comprou a Eleva em 2007. "Quanto aos cálculos dos processos da BRF/Eleva, não esqueça de enviar junto com a ata ou certidão de julgamento para encaminhar o pedido", diz a mensagem.