Não é só o pãozinho francês que ficará mais caro graças ao novo patamar do dólar, acima de R$ 3. O preço de outros produtos, que têm como base insumos importados ou dolarizados, como TVs, tablets e aparelhos de ar-condicionado devem começar a subir em dois meses, estima Wilson Périco, presidente do Centro das Indústrias da Zona Franca de Manaus (Cieam). Com 80% de componentes vindos do exterior, fica impossível não repassar a elevação do dólar, segundo ele.

Os preços dos eletrônicos ainda não subiram porque os fabricantes da Zona Franca fazem uma espécie de Hedge (proteção), comprando em pequenos lotes mensais as matérias primas para evitar, assim, a exposição a uma única cotação cambial. Agora, no entanto, o preço médio desse Hedge já está mais próximo de R$ 3.

- O repasse aos eletrônicos vai acontecer daqui a uns dois meses, pois não há nada que nos faça acreditar na queda do dólar nesse período, e os estoques estão baixos - disse Périco.

O economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners, explica que mesmo com a economia girando devagar e a demanda retraída, as margens apertadas com as quais as empresas de diversos setores têm trabalhado impossibilitam a absorção do aumento do dólar diante do real.

Segundo o economista, com a recente elevação dos custos de produção, as empresas trabalham com "os níveis mais baixos de margem já observados na última década". No fim do ano passado, Velho projetava dólar a R$ 2,80 em dezembro de 2015 e inflação (IPCA) a 8,10% no ano. Agora, revisou a projeção do dólar para R$ 3,50, elevando o IPCA para 8,19% anuais. O Credit Suisse também trabalha na revisão de seus dados de inflação, justamente por conta do impacto do dólar nos preços dos produtos.

Outro setor que já admite o repasse da alta da moeda americana é o de produtos de limpeza. De acordo com Maria Eugênia Saldanha, presidente da Abipla (associação que representa 3.400 empresas do segmento), embora não seja possível dizer qual será a média do aumento de preço, já que essa é uma decisão individual das companhias, dá para cravar que as empresas não têm mais margem para segurar qualquer elevação de custo.

- Temos muitos insumos importados e outros, dolarizados. Entre os produtos que devem ter mais alta no nosso segmento está o detergente, que usa muito sulfato, um dos insumos dolarizados - disse Maria Eugênia.

troca-troca afeta produtos de beleza

O presidente do Cieam lembra ainda que as motos com mais de 150 cilindradas são outros produtos que terão reajuste de preço até o fim de abril. Esse tipo de veículo, montado na Zona Franca, usa cerca de 60% de peças importadas.

- Entendemos que essa alta cotação do dólar está vinculada à falta de confiança do investidor estrangeiro de colocar dinheiro aqui. Para que haja a retomada desta confiança, é preciso uma reestruturação dos gastos públicos, e não há previsão de que isso ocorra. Portanto, já começamos a trabalhar aqui na Zona Franca com a estimativa de dólar acima de R$ 3 até o fim do ano - detalhou Périco.

Os cosméticos, que têm cerca de 80% de suas matérias-primas importadas, são outros que correm risco de assistir a uma elevação de preços. João Carlos Basilio, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), observa que o setor sente, desde o ano passado, uma "certa dificuldade em vender", o que justifica o alto número de promoções de cosméticos nas gôndolas.

- Elevar o preço é uma decisão individual. Mas acredito que o que acontecerá é o fim das promoções, para equalizar os preços - comentou Basilio.

Ele pondera, ainda, que o produtor hoje tem medo de o preço mais alto afugentar a clientela. Isso porque há a percepção de que o consumidor não deixa de comprar, mas troca o produto por outro mais em conta.

A substituição por um similar mais barato não ocorre somente entre os pequenos consumidores. Para Alberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), que fornece a grandes consumidores, não há espaço neste momento para elevação de preços, mesmo com as margens apertadas:

- Há muita instabilidade no câmbio neste momento e seria uma loucura repassar a cotação de R$ 3,30, por exemplo. Há muita concorrência, quem perder o cliente terá dificuldade em reconquistá-lo.

 

CÂMBIO E TARIFAS FAZEM PREVISÃO DA INFLAÇÃO SUPERAR 8%

 

As expectativas de economistas do mercado financeiro completaram três meses de deterioração. No campo da inflação, a perspectiva para a alta de preços no ano ultrapassou a barreira de 8%, impulsionada pela disparada do dólar e reajuste dos preços administrados. E a aposta é que a economia encolha ainda mais e encerre 2015 com queda de 0,83% no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país).

Segundo o Boletim Focus, pesquisa semanal compilada pelo Banco Central (BC) com especialistas, a projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu de 7,93% para 8,12% neste ano. Um dos ingredientes dessa explosão da inflação é o dólar, que deve encerrar 2015 em R$ 3,15. Na semana passada, a projeção era de R$ 3,06.

Para lidar com os preços altos, o BC terá de aumentar a taxa básica de juros até 13,25% ao ano na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de junho, prevê o mercado. Com esse aperto na política contra a inflação, o crédito - combustível do crescimento nos últimos anos - ficará mais caro. Por isso, o Brasil deve enfrentar uma queda da economia de 0,83% neste ano. Na semana passada, a estimativa era de uma retração de 0,78%.

André Perfeito, economista-chefe da corretora Gradual é mais pessimista. Ele aposta que o BC terá de levar os juros básicos até 14,5%.

- Se o Banco Central der uma puxada nos juros e fizer o pacote fiscal, pode deixar a economia derreter agora, mas vai ancorar as expectativas para a inflação de 2016, que ainda estão em 5,6%. Daí, a economia brasileira pode se recuperar - avaliou.

É uma semana de expectativa. Os analistas aguardam o discurso do presidente do BC, Alexandre Tombini, hoje no Senado, dados sobre as contas externas, o relatório trimestral de inflação e o crescimento oficial da economia no ano passado.

"A intensidade da desaceleração da economia, a despeito das pressões inflacionárias neste início de ano, deve ser levada em conta pela autoridade monetária nas próximas decisões de política monetária. Assim, a divulgação do PIB do quarto trimestre de 2014 e do relatório trimestral de inflação merecerão a atenção do mercado", observou o diretor de Pesquisas do Bradesco, Octávio de Barros.

 

EQUIPE ECONÔMICA VÊ EFEITO POSITIVO NAS CONTAS EXTERNAS

 

A equipe econômica acompanha com atenção a valorização do dólar frente ao real, mas não cogita, a curto prazo, adotar medidas para frear esse movimento. Se, por um lado, o câmbio valorizado pressiona os preços internos e a inflação; por outro, ajuda as contas externas, contribuindo para reduzir o déficit em transações correntes. Nos 12 meses encerrados em janeiro, o déficit externo chega a US$ 90,35 bilhões, equivalente a 4,17% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar considerado preocupante. O dólar atual, de um lado, ajuda os exportadores e a balança comercial - que já acumula déficit de US$ 6,288 bilhões no ano - e de outro, reduz compras no exterior e gastos com viagens. O BC divulga hoje o resultado das contas externas de fevereiro, e os números já devem refletir o impacto da aceleração do dólar.

- Câmbio flutuante serve para ajustar o balanço de pagamentos - destaca uma fonte da área econômica, pontuando que o impacto na inflação pode ser controlado pela calibragem na política monetária, ou seja, o Banco Central (BC) deve elevar ainda mais os juros para evitar o repasse do câmbio para os preços internos.

No dia 31, o BC deve renovar o atual programa de leilões de Swap cambial (equivalente à venda de dólares no mercado futuro) e pode fazer algum ajuste na chamada ração diária, que hoje é de US$ 100 milhões. Mas nada de substancial será modificado, já que a equipe econômica está "confortável", com o programa. O objetivo principal é resguardar as empresas para que lidem melhor com a volatilidade do câmbio. Hoje, metade do programa atende a empresas do setor privado não financeiro. Com o atual nível de ajuste no câmbio e a ração diária, o risco de quebrar empresas é pequeno, avaliam esses técnicos.

divisa ajuda a atrair investimentoS

E, mais do que nunca, a calibragem da política monetária é considerada crucial para evitar o "contágio" do câmbio para os preços. Por isso, a sinalização é de que os juros terão que subir mais no curto prazo.

- A política monetária está sendo ajustada para circunstar e evitar que a inflação se alastre - disse uma fonte.

O cenário com que trabalha a equipe é de uma concentração de reajustes no primeiro trimestre de 2015, devido à revisão dos preços administrados (tarifas de energia e combustíveis). Essa concentração, "um cocuruto", como definiu um técnico, tende a se diluir ao longo do ano e desaparecer no primeiro trimestre de 2016, com a curva da inflação convergindo para o centro da meta no final daquele ano.

- A expectativa (de inflação) para 2015 está subindo. Mas, para 2016, não, e para 2017, também está parada.

O real desvalorizado ajuda na atração de investimentos, o que é mais um motivo para evitar intervenções no câmbio. Investidores têm procurado integrantes do governo mostrando disposição para investir no Brasil.

- Estou recebendo muita gente com o dedo no gatilho (ou seja, pronto para detonar investimentos). Para a decisão de investimento, a Petrobras é fundamental, e o equacionamento do quadro político também é importante - afirma uma fonte.