Valor econômico, v. 15, n. 3738, 17/04/2015. Brasil, p. A5

Oposição estuda ação conjunta pelo impeachment

 

Por Raquel Ulhôa | De Brasília

 

Pedro Ladeira / FolhapressAécio Neves: presidente do PSDB ainda não conseguiu adesão da bancada do Senado para a tese

Os partidos de oposição (PSDB, DEM, PPS e Solidariedade) esperam pareceres de juristas sobre a existência ou não de elementos que caracterizem crime de responsabilidade da presidente Dilma Rousseff nas recentes denúncias envolvendo governo e PT, para decidirem se apresentarão pedido de abertura de processo de impeachment para afastá-la do cargo. A medida tem apoio majoritário nas bancadas parlamentares. Os dirigentes partidários dizem que o impeachment entrou na agenda das oposições, mas que a decisão ainda não foi tomada. Firmaram compromisso de unificar as ações, para que elas tenham consistência, força e consequência.

A estratégia de ação conjunta no encaminhamento de eventual pedido de afastamento de Dilma foi definida em reunião dos presidentes dos quatro partidos - senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e José Agripino (DEM-RN) e deputados Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD-SP), e Roberto Freire (PPS-SP), na noite de quarta-feira. O presidente do PV, José Luiz Penna, participou da conversa, mas sua adesão é considerada incerta.

A declaração do Tribunal de Contas da União (TCU) de que o governo incorreu em crime de responsabilidade fiscal ao utilizar recursos de bancos públicos para inflar artificialmente seus resultados e melhorar as contas da União - as chamadas "pedaladas fiscais" - já é fato suficiente para embasar pedido de abertura de processo de impeachment, na opinião dos líderes do DEM e do PSDB no Senado, Ronaldo Caiado (GO) e Cássio Cunha Lima.

"Então está claro que o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei Orçamentária incide sobre a presidente da República a condição de prática de crime de responsabilidade. E o que a Lei nº 1.079 prevê? Que os crimes [de responsabilidade], ainda quando simplesmente tentados, são passíveis [...] de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o presidente da República, ministros de Estado e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)", disse Caiado, da tribuna. "Não é uma decisão dos partidos de oposição, não é aqui apenas o sentimento das ruas. Trago neste momento uma decisão do Tribunal de Contas da União."

Cunha Lima, em aparte a Caiado, endossou a tese. "Sempre se diz que para o impeachment tem de haver um elemento jurídico - chegou o elemento jurídico! A decisão do TCU fecha o elo da corrente: o impeachment é um processo político e também jurídico. Politicamente, as condições já estão postas há algum tempo. Dizia-se: não há argumento jurídico. Agora há! Inegavelmente, de maneira inequívoca, a presidente da República cometeu crime de responsabilidade", disse.

Dois outros fatores são considerados com potencial para comprometer a presidente. A denúncia de que a Controladoria-Geral da União (CGU) sabia do pagamento de propina pela empresa holandesa SBM Offshore a funcionários da Petrobras mas esperou terminar a eleição presidencial para investigar os contratos e a posição do TCU apontando uso irregular dos Correios na campanha eleitoral, na distribuição de panfletos de propaganda de Dilma.

O PSDB encomendou ao jurista Miguel Reale Júnior parecer sobre a consistência das denúncias que poderiam comprometer Dilma. No caso das "pedaladas fiscais", o partido solicitou ao TCU acesso à documentação que comprovaria a ilegalidade. Segundo Cunha Lima, o órgão tem prazo até o fim de abril para dar uma resposta. "Não podemos ter açodamento. É melhor consubstanciar, dar robustez ao pedido, do que fazer uma peça incompleta", disse o líder do PSDB.

Apesar do tom afirmativo dos dois líderes, os presidentes do DEM e do PSDB estão cautelosos. No caso do PSDB, o apoio ao impeachment é quase unânime na bancada da Câmara. Mas a bancada do Senado ainda não está totalmente fechada nessa posição. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também tem dúvidas. Aécio, como presidente da sigla, tenta equilibrar as posições. Mas já admite abertamente que o impeachment está no cenário das oposições.

Os dirigentes desses partidos reuniram-se após a conversa com representantes da aliança que reúne 20 movimentos populares que organizaram as manifestações de rua contra o governo. Foi um primeiro passo em busca de apoio popular para um eventual pedido de abertura de processo de impeachment contra Dilma.

Os dirigentes partidários da oposição decidiram se reunir após a notícia da prisão do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. "Avaliamos que o quadro se deteriora todos os dias", relata Agripino. "O assunto [impeachment] não estava na pauta dos partidos e passou a estar. Era um tema evitado, agora é considerado. Mas [o pedido de abertura de processo contra a presidente] vai depender da consistência jurídica que possamos vir a ter e da evolução dos fatos", diz o presidente do DEM.

Segundo o líder do PSDB, a oposição também atua em outra frente: a Justiça Eleitoral. Está nas mãos do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Gilmar Mendes uma ação de impugnação da chapa Dilma-Michel Temer proposta pelo PSDB. A ministra Maria Thereza de Assis Moura negou monocraticamente o pedido, mas o PSDB recorreu e Mendes pediu vista. "O processo está vivo na mão do ministro Gilmar Mendes", afirma o tucano.

Valor econômico, v. 15, n. 3738, 17/04/2015. Brasil, p. A5

Governo espera conter desgaste com nomeações

 

Por Raymundo Costa | De Brasília

A nova coordenação política do governo aposta que o PSDB vai "queimar" um pedido de impeachment, se resolver requerer o impedimento da presidente da Dilma Rousseff com base na decisão do TCU que considerou as "pedaladas fiscais" ocorridas no primeiro mandato crime previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

No momento, segundo avaliação do grupo e de setores do PSDB, o governo ainda tem sustentação política para enfrentar uma ofensiva da oposição pelo impeachment, apesar de 63% da população defender a medida, da prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari, e da própria decisão do TCU.

Na "VPR", como é resumidamente chamada a Vice-presidência da República, o QG da nova coordenação política, também chegou a informação de que nem todo o PSDB concorda com a ofensiva encabeçada pelo senador Aécio Neves, o candidato derrotado por Dilma nas eleições de 2014. O veto que Aécio fez a um encontro do vice com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para discutir reforma política, também foi visto como "precipitado" por integrantes da coordenação.

Segundo apurou o Valor, setores do PSDB avaliam que Aécio deveria se preservar e delegar a tarefa de propor o impeachment a um partido menor da oposição, como o PPS, para deixar um espaço de articulação que o permita interferir mais tarde no processo.

Após uma semana, a nova coordenação avalia que começou a tomar as rédeas do processo, apesar de sobressalto como a prisão de Vaccari. A decisão da VPR é separar os assuntos legislativos de outros como a Operação Lava-Jato, sobre os quais tem pouco ou nenhum controle. A CPI da Petrobras encerra seus trabalhos em junho, mas em princípio deve ser prorrogada.

O governo avançou na questão das indicações parlamentares. Feita uma revisão preliminar da lista, Planalto deve começar, pela região Nordeste, a preencher os cargos do segundo escalão, nos próximos dias, na tentativa de recompor a base aliada aprovar o ajuste fiscal e, sobretudo, blindar a presidente.

A lista com as indicações estava com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Agora está sendo revisada pelo grupo de cinco ministros do PT e do PMDB incorporados por Temer à articulação política. Algumas indicações serão mantidas, mas a maioria revisada para atender a nova relação de forças no Congresso.

Os cargos no segundo escalão são uma das moedas de troca que restaram ao Executivo, depois que o Congresso aprovou o orçamento impositivo para as medidas parlamentares. Ainda assim o governo também deve atuar nesse campo, gerenciando a liberação dos recursos para os projetos dos parlamentares aliados.

As nomeações ajudam mas não devem pacificar a base governista, sobretudo porque o governo sofre desgaste também devido a fatos alheios ao Congresso. Ontem, o vice Michel Temer procurou minimizar a decisão do TCU sobre as pedaladas. "É a primeira apreciação que está sendo feita. Tem tanta coisa pela frente. É uma primeira apreciação e evidentemente o governo vai apresentar suas razões", disse, ao deixar cerimônia no Palácio do Planalto. "Esse é um primeiro ato. Não é nada, digamos assim preocupante".

Essa é a manifestação pública do vice-presidente. Mas a avaliação do grupo que o ajuda na tentativa de recompor a base aliada é outra. Manifestações como a do TCU aumentam o esforço que o novo comando da política tem que fazer para manter a sustentação do governo. Outro exemplo é a demora na nomeação do novo ministro do Turismo, Henrique Alves, no lugar de um afilhado político do presidente do Senado, Renan Calheiros. "Vamos ter que fazer um esforço enorme para não parecer que foi uma afronta da Dilma ao Renan", disse um interlocutor de Temer.

Valor econômico, v. 15, n. 3738, 17/04/2015. Brasil, p. A5

Especialistas dizem que faltam provas robustas para processo

 

Por Cristian Klein | Do Rio

A pressão sobre a presidente Dilma Rousseff está crescendo mas até agora o embasamento jurídico para um processo de impeachment tem pouca consistência. É o que afirmam especialistas consultados pelo Valor, para os quais, no entanto, Dilma - caso surja uma evidência forte de crime de responsabilidade - poderia ser afastada ainda que os fatos tenham ocorrido no primeiro mandato. Como a possibilidade de reeleição passou a vigorar na disputa de 1998, e nenhum presidente reconduzido ao cargo foi alvo de impeachment desde então, a questão tem causado divergência.

Sobre os fundamentos jurídicos para a abertura de processo, o assunto é menos controverso. Para a professora adjunta de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e sócia do escritório BFBM & Associados, Ana Paula de Barcellos, ainda não há evidências robustas contra Dilma. "O pessoal está forçando um pouquinho a barra", diz, ressaltando, porém, que esse é o papel da oposição e um movimento natural dentro da lógica política. "Mas do ponto de vista jurídico, de quem quer o impeachment, é preciso avançar mais", afirma.

Para o ex-professor titular de direito da USP José Afonso da Silva, o embasamento jurídico para a abertura do processo é frágil - apesar do movimento das ruas e da oposição. "Pelos fatos conhecidos, é difícil o enquadramento. Neste momento, certamente não há base sólida, ainda que o impeachment seja um processo eminentemente político", diz.

Ana Paula também destaca o caráter político do julgamento, que não exige provas amplas e depende mais da correlação de forças políticas no Congresso. "Por coisa similar, o [ex-presidente Fernando] Collor foi alvo de impeachment. Tem que ter envolvimento direto, claro, e não sei se há [em relação à Dilma], mas não se trata de um julgamento jurídico, em que se pergunta 'Cadê as provas?'", diz.

E, caso as evidências apareçam, o fato de terem ocorrido no primeiro mandato não as invalidariam. "Um novo mandato não zera [os atos praticados anteriormente]", afirma a advogada. Menos assertivo, José Afonso da Silva considera a questão "discutível" e que pode ser alvo de polêmica.

Sobre a utilização da teoria do domínio do fato, num eventual processo de impeachment, o ex-professor é contrário. Por essa linha de acusação - que teve origem na Alemanha e foi aplicada no julgamento do mensalão - o envolvimento em determinado crime é presumido, por um conjunto de evidências, mesmo sem prova direta contra o acusado. "Vi entrevista com o próprio alemão, criador da teoria, dizendo que ela foi distorcida no Brasil. É muito perigoso ficar condenando as pessoas sem envolvimento direto", diz.

A advogada concorda que a teoria é polêmica, mas não implausível. Se o domínio do fato é aplicado na esfera penal, onde as provas deveriam ser mais rigorosas pela possibilidade de restrição de liberdade, pode-se argumentar que "muito mais valerá" para a responsabilidade política.

Professora de direito constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Claudia Costa afirma que um processo de impeachment tão pouco tempo depois das eleições fere a Constituição. "Se houver necessidade, que se faça mais tarde, pela Câmara, mas não pelo clamor popular, que é difuso e também pede intervenção militar", diz.