O globo, n. 29838, 17/04/2015. País, p. 8

Se ‘pedaladas’ envolverem Dilma, tucanos pedirão impeachment

Isabel Braga, Eliane Oliveira, Maria Lima e Vinicius Sassine

Aécio diz que juristas analisam decisão do TCU; outros oposicionistas já pedem afastamento

O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), disse ontem que a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) — que considerou que as manobras fiscais feitas em 2013 e 2014 pela equipe econômica, para melhorar as contas públicas, feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — está sendo analisada por juristas e que se a avaliação for de que houve crime de responsabilidade da presidente Dilma Rousseff, o PSDB terá a “coragem” de agir como manda a Constituição e fazer o pedido de impeachment. Outros oposicionistas foram além e da tribuna do Senado defenderam abertamente o impedimento da presidente.

Ofensiva. Aécio: nossa obrigação é apresentar algo para coibir esse crime e punir os responsáveis

— Se caracterizado, na nossa avaliação e de juristas respeitáveis, crime de responsabilidade, a nossa obrigação é apresentar algo para coibir esse crime e para punir os responsáveis. O TCU, e não nós, afirma que houve ali cometimento de crime pela equipe econômica. Temos que ver se esse crime se limita a equipe econômica ou se vai além dela — disse Aécio.

Relatório aprovado pelo TCU na quarta-feira apontou que o Tesouro atrasou repasses de recursos a bancos públicos, o que ficou caracterizado como empréstimo, vedado pela LRF. Os documentos serão analisados pelo jurista Miguel Reale Júnior, encarregado de redigir o pedido de impeachment para o PSDB.

O PSDB e o DEM já estão requerendo do TCU as perícias feitas por auditoria técnica atestando as chamadas “pedaladas fiscais”, como foram batizadas as manobras.

Para o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), um dos que pediram o impeachment da tribuna, o relatório do TCU é a justificativa jurídica que faltava para o pedido de impeachment:

— Durante esses últimos meses se discutiu, na boca do povo, o impeachment, mas sempre se dizia que não havia argumentação jurídica. Essa argumentação jurídica passou a existir com a decisão do Tribunal de Contas da União, onde ficou caracterizado crime de responsabilidade, e isto é razão para impedimento do mandato presidencial.

Líder do DEM, Ronaldo Caiado disse que o pedido de impeachment será apresentado quando chegarem os documentos do TCU:

— Agora é garantir que os seis partidos que se comprometeram com os líderes dos movimentos de rua apoiem o pedido de impeachment. Quando isso acontecer, vai virar um rastilho de pólvora, e a sociedade vai fazer marcação cerrada em cada um dos deputados e senadores, como aconteceu com o impeachment do Collor.

Os indícios de crime fiscal identificados pelo TCU podem resultar em último caso na abertura de processos na Justiça para investigar atos de improbidade ou de crime de responsabilidade fiscal. O relatório aprovado pelo TCU foi encaminhado ao Ministério Público Federal no Distrito Federal. Se o procurador da República entender que há indícios de crime fiscal envolvendo ministros ou até mesmo a presidente Dilma, o caso precisa ser remetido ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por conta do foro privilegiado dessas autoridades. Janot pode pedir a abertura de investigações junto ao Supremo Tribunal Federal, caso veja indícios de crime. No TCU, houve uma conclusão inicial sobre o desrespeito à LRF.

Agora, os ministros citados serão ouvidos, e depois haverá uma decisão sobre a aplicação ou não de sanção. Entre as punições possíveis estão a aplicação de multa e a inabilitação para o exercício de funções públicas.

Internamente, o entendimento é que as irregularidades foram cometidas por membros do governo, sem responsabilidade da presidente. Para isso, dizem fontes do TCU, seriam necessárias provas como uma ata com orientações de Dilma para que fossem feitas as “pedaladas”.

Especialistas alertam que o caso é inédito e que não é possível prever com exatidão os próximos passos.

— O artigo 85 da Constituição estabelece as hipóteses de crime de responsabilidade, e descumprir a lei orçamentária é um destes casos. Se o TCU entender que de fato houve um empréstimo, pode se dar margem aos processos judiciais, que podem levar até à prisão dos acusados, e o embasamento para o pedido de impeachment, que é político — avaliou Adib Kassouf Sad, presidente da Comissão de Direito

Administrativo da OABSP.

Já José Mauricio Conti, professor de Direito na USP e um dos primeiros juristas a alertar sobre os problemas das “pedaladas fiscais”, a decisão do TCU pode até dar margem a uma interpretação de que houve crime de responsabilidade:

— Depende de interpretação, mas neste momento, por parte da decisão do TCU, pode-se apenas aplicar sanções previstas na LRF, em geral sanções institucionais, de natureza administrativa e não penal.

 

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Impeachment agora é pular etapas

Joaquim Falcão

Na democracia, se eleitores estão descontentes com o governo, mudem. Ganhando novas eleições. Se são congressistas os descontentes, depende. No parlamentarismo, propõe-se voto de desconfiança. Se ganham, mudam o governo. Não é nosso caso. No presidencialismo, pede-se impeachment.

Propor impeachment qualquer um pode. Mas não se deve confundir liberdade de propor com legalidade e legitimidade do que se está propondo. Contra Fernando Henrique propuseram 14, alegando, inclusive compra de votos

Contra Lula foram 34, alegando por exemplo ter mandado funcionário do BNDES guardar sigilo sobre corrupção no banco.

Contra Dilma já propuseram 17, alegando até desrespeito à “doutrina cristã que produziu a civilização brasileira”. Todos recusados.

Voto de desconfiança no parlamentarismo derruba governo. O impeachment no presidencialismo derruba pessoa. O que está em jogo não é o sucesso ou insucesso de seu governo. É se o Congresso considera que um inadequado ato individual é mais importante do que os votos que o presidente recebeu. É mortal ataque pessoal.

Por isto a lei do impeachment é juridicamente específica. O Congresso tem toda liberdade para julgar o impeachment desde que esteja convicto de que houve, por exemplo, expedição de ordens contrárias à Constituição; uso de violência ou ameaça contra funcionário público para agir ilegalmente, ou outro caso que se enquadre na lei. Quem alegar teria que demonstrar a hipótese.

Há também uma cláusula mais abrangente. Cabe impeachment se o presidente “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.”

Até o momento, há um parecer do TCU levantando a possibilidade de crime de responsabilidade fiscal. Violação que deve ser investigada pelo Ministério e Público e eventualmente o Supremo. Mas o TCU não é órgão de acusação. Nem mencionou Dilma.

Falar em impeachment agora é pular etapas. Possíveis envolvidos nem mesmo exerceram direito de defesa. Dá ao TCU poder que não tem.

Por enquanto não há questão jurídica real. Há apenas tentativa de mobilização política e de pautar o debate público. O próprio Aécio Neves diz que só avança se tiver fatos comprovados de crime. E ser crime não é questão de opinião. Nem mesmo do Congresso. É decisão do Supremo. Não pode ser falta de decoro alegando-se crime, se não houve crime de responsabilidade fiscal. Cabe ao Congresso a palavra final sobre impeachment. Mas tem que ser coerente com a lei.

Impeachment é para salvar a honra da democracia. Não para derrubar políticas de governo. Há que se ter muita convicção e comprovação de que é a única e última solução.




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