Saúde e educação perdem R$ 48 bi

Correio braziliense, n. 18997, 31/05/2015. Brasil, p. 8

Marcella Fernandes

A prorrogação de contratos de concessão para exploração de petróleo pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem retido recursos que deveriam ser destinados à educação e à saúde. Considerando a produção dos blocos BM-S-8 (poço Carcará) e BM-S-24 (poço Júpiter), ambos na Bacia de Santos e operados pela Petrobras, haveria um acréscimo de até R$ 48 bilhões se as áreas fossem devolvidas à União, segundo cálculos de consultores legislativos ouvidos pelo Correio. Isso porque ao abrir mão dessas áreas, a estatal permitiria que a ANP firme novos contratos em que a destinação de recursos para as áreas sociais seria mais vantajosa.

Os dois blocos ainda não estão na fase de produção e foram licitados sob regime de concessão em 2000 e 2001, respectivamente. Esse modelo era o único adotado pelo Brasil até 2010, quando foi instituído o sistema de partilha. Nesse regime, os royalties têm de ser direcionados integralmente para educação e saúde, o que não ocorre no sistema de concessão. A Lei nº 12.858, sancionada em 2013, prevê que 75% dos royalties do petróleo sejam destinados à educação e os outros 25% à saúde e que 50% do Fundo Social sejam aplicados nas duas áreas.

Essa tem sido uma das apostas do governo para alavancar as verbas na educação. Durante discurso na posse do ministro Renato Janine Ribeiro, em abril, a presidente Dilma Rousseff afirmou que tais recursos iriam “viabilizar uma verdadeira revolução na educação brasileira”. A realidade, contudo, tem frustrado as expectativas. Dos R$ 107 bilhões do orçamento do Ministério da Educação (MEC) em 2014, a previsão de recursos vindos do petróleo era de R$ 3,19 bilhões. Desse total, apenas R$ 1,51 bilhão foi empenhado. Segundo a pasta, uma medida cautelar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu a distribuição dos recursos para o setor.

Os contratos de concessão de exploração e produção firmados entre a ANP e as empresas preveem que, no fim de cada período exploratório (são de dois a três), os concessionários escolham se querem entrar no período seguinte. No caso de Carcará, o prazo foi esticado de 2010 para 2018. Em Júpiter, passou de 2009 para 2016. Ao término da fase exploratória, os concessionários podem iniciar a produção, caso declarem a comercialidade da descoberta. A estatal tem 66% do consórcio de Carcará e 80% de Júpiter. De acordo com consultores legislativos, a prorrogação dos prazos só poderia ser autorizada pela ANP com base no interesse público, o que não ocorreu.

Venda

Caso a Petrobras venda os dois blocos, especialistas estimam que as verbas para educação e saúde fiquem em R$ 29,7 bilhões, sendo R$ 10,2 bilhões de royalties. Já se as áreas fossem devolvidas para a União, o valor chegaria a R$ 78 bilhões, sendo R$ 58,5 bilhões de royalties, devido às diferenças contratuais. A movimentação tem sido discutida pelo mercado financeiro como parte do corte de R$ 13,7 bilhões nos investimentos da estatal previsto para 2015 e 2016, aprovado no início do ano em meio a crise na estatal. O deputado André Figueiredo (PDT-CE), relator da lei que destinou recursos para as áreas sociais, apresentou na última quarta-feira projeto de decreto legislativo que susta o pacote de alienação de patrimônio da estatal.

De acordo com o parlamentar, tais transações deveriam ser feitas com base no texto que regulamenta licitações e contratos da administração pública – mais transparente – e não conforme o decreto da Presidência nº 2.745, como quer a Petrobras. O dispositivo regulamenta a lei que trata dos procedimentos licitatórios da empresa, porém se refere apenas à aquisição e não à venda de ativos, o que inviabiliza a operação desta forma. “A Petrobras precisa abrir mais a transparência, uma vez que as verbas vindas do petróleo fazem parte do patrimônio público brasileiro e servem como importantes recursos para educação e saúde”, afirma Figueiredo.

Procurada pela reportagem, a ANP reforçou que a possibilidade de prorrogação está prevista nos contratos de concessão, assim como a venda de ativos e afirmou que nesses casos não se faz um novo contrato. A agência confirmou que se as áreas forem devolvidas podem ser incluídas em futuras rodadas de licitações. A Petrobras afirmou, em nota, que “não há decisão quanto a desinvestimento” relacionada a esses ativos e não comentou o prolongamento dos contratos de concessão. Já o MEC informou que não faz estimativas sobre os impactos legais dos contratos e que “o governo tem aplicado valores superiores ao mínimo constitucional em educação”.