O globo, n. 29838, 17/04/2015. Economia, p. 22

AGU vai recorrer de decisão sobre 'pedalada fiscal'

Martha Beck, Catarina Alencastro e Luiza Damé

Advogado- geral da União diz que lei não foi ferida e que há contrato entre governo e bancos públicos

-BRASÍLIA- A Advocacia-Geral da União (AGU) informou ontem que vai recorrer da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que considerou que as manobras fiscais adotadas pela equipe econômica comandada pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, em 2013 e 2014, feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, vai pedir aos ministros do TCU que aguardem a manifestação das 17 autoridades chamadas a dar esclarecimentos sobre o caso para tomarem uma decisão definitiva. No grupo dos convocados estão Mantega, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, e o expresidente do Banco do Brasil, atual comandante da Petrobras, Aldemir Bendine, e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

— O recurso é para que o TCU aguarde as oitivas antes de fechar uma posição sobre o processo. A não ser que haja uma inquisição, em que se julga sem defesa, é preciso que haja o contraditório — afirmou Adams.

O plenário do TCU aprovou por unanimidade um relatório apresentado pelo ministro José Múcio Monteiro que afirma que, nos dois últimos anos, o Tesouro Nacional atrasou repasses de recursos para bancos públicos, como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, com o objetivo de melhorar o resultado mensal das contas públicas. O artifício é conhecido como “pedaladas fiscais”. Isso obrigou essas instituições a usarem recursos próprios para pagar despesas que cabiam à União, como Bolsa Família e seguro-desemprego.

O Tribunal entendeu que isso acabou configurando um empréstimo de uma instituição controlada a seu controlador, o que é vedado pela LRF. Pelas contas do TCU, essas manobras fizeram com que a equipe econômica não contabilizasse R$ 40,2 bilhões na dívida líquida do setor público no ano passado.

Segundo Adams, não houve descumprimento da lei. Ele explicou que o que existe entre o governo e os bancos públicos é um contrato de prestação de serviços para o pagamento de benefícios. E eles preveem a possibilidade de pagamentos dessas despesas pelos bancos com compensação futura por eventuais atrasos. O ministro afirmou que os bancos também obtêm ganhos nessas operações, pois o Tesouro transfere os recursos para o pagamento de benefícios com base em estimativas no início do mês, e os valores são pagos aos trabalhadores gradativamente.

‘VIÉS POLÍTICO’

Adams disse que essa sistemática existe desde 2001 e que, se ela está errada, é preciso rever as contas públicas dos últimos 14 anos. E sugeriu que o assunto está sendo prejudicado e contaminado por um viés político:

— Se a sistemática é errada, ela é errada há 14 anos. Por que que só agora, 14 anos depois, agora virou um... É esse o problema. Temos que olhar objetivamente. Minha preocupação é que esse assunto seja olhado objetivamente com menos passionalidade, como, às vezes esse debate traz, gerando toda uma externalidade política, que contamina, que prejudica o debate.

Uma das recomendações do TCU é que o BC refaça as estatísticas fiscais de 2013 e 2014 e mostre os efeitos nas contas do governo. Em seu voto, o relator fez críticas: “Não compreendo como dezenas de bilhões de reais em passivos da União tornaram-se imperceptíveis ou indiferentes aos olhos do BC, não obstante constarem devidamente registrados nos ativos das instituições credoras e terem sido flagrados pelos auditores do TCU”.

O especialista em contas públicas e pesquisador do Ibre-FGV José Roberto Afonso considera que houve falha do BC no processo de supervisão bancária. Ele lembrou que a LRF veda o empréstimo de uma instituição controlada a seu controlador justamente para evitar problemas do passa-

Luís Inácio Adams, advogado-geral da União, quer que TCU ouça os 17 convocados antes de dar posição final

‘PEDALADA FISCAL’ do, quando bancos estaduais fizeram empréstimos aos estados e acabaram quebrando:

— Essa maquiagem fiscal é decorrente de má supervisão bancária. (...) Errou o Tesouro e errou o BC.

O BC lembrou que o processo do TCU ainda está em fase inicial, pois as autoridades envolvidas ainda não tiveram oportunidade de se manifestar junto ao TCU. Mas ressaltou que vai recorrer da determinação de refazer as contas, alegando que há problemas técnicos e jurídicos em se mudar estatísticas fiscais que seguem a mesma metodologia desde 1991. O BB já disse que está à disposição para esclarecimentos. Ontem, em depoimento na CPI da Petrobras, Coutinho disse que prestará esclarecimentos ao TCU:

— Esse assunto ainda está em processo. O Ministério Público fez suas alegações. Eu li nos jornais. Estou aguardando ainda a convocação pelo TCU. O BNDES será ouvido para esclarecer todos esses aspectos. Temos regularmente registrados nossos créditos em relação ao Tesouro. Creio que ficará bem esclarecido pelo TCU.

Para Afonso, ainda não é possível saber o impacto que a revisão dos números pode ter sobre os resultados fiscais de 2013 e 2014, até porque a própria equipe econômica começou a desfazer as “pedaladas” quando o assunto ganhou a atenção do mercado financeiro e da imprensa. Mas ele ressaltou que a revisão é importante no trabalho que o governo quer fazer para recuperar a credibilidade da política fiscal.