Valor econômico, v. 15, n. 3743, 25/04/2015. Brasil, p. A5

AGU defende mudança em sistema de repasses

 

Por Leandra Peres | De Brasília

O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, é favorável a que sejam feitas mudanças na metodologia adotada pelo governo para repasses de recursos à Caixa Econômica Federal, utilizados para pagamento de programas como Bolsa Escola, Auxílio-Gás e Bolsa Família.

"Pessoalmente, não tenho problemas em mudar a sistemática de repasses. A realidade sugere que é necessário. O que não pode é ser tratado agora como infração ou crime (a insuficiência de recursos transferidos). Centralizar os repasses numa conta já minimizaria muito o efeito", diz Adams.

De acordo com o ministro, se forem consideradas as transferências feitas pela União a todos os programas sociais ao longo do tempo, em apenas dois meses há saldo negativo - dezembro de 2013 e julho de 2014. Se as transferências fossem feitas de modo centralizado e unificado, em vez de individualmente para cada programa, argumenta, o uso de recursos próprios pela Caixa seria eventual.

O Tribunal de Contas da União (TCU) considerou ilegal os atrasos nos repasses do Tesouro à Caixa por considerar que a operação é proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que veda empréstimos de bancos públicos para o governo. A defesa da União argumenta que não se trata de financiamento e que a prática é adotada por todos os governos desde 2001.

Além do problema técnico, a presidente Dilma Rousseff enfrenta um desgaste político, pois a decisão do TCU vem sendo usada como argumento para eventual pedido de impeachment. Para sustentar a tese de que as "pedaladas" fiscais não são exclusividade da presidente Dilma, o governo federal entregou ao TCU uma planilha detalhada dos atrasos nos pagamentos do abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família.

O que se vê é que, de fato, o Tesouro não é novato no atraso de repasses para melhorar as contas fiscais, mas os dados oficiais mostram também que a frequência dos atrasos aumentou desde 2013 e os valores envolvidos subiram significativamente, ultrapassando bilhões de reais e transformando as "pedaladas" num instrumento de maquiagem das contas fiscais.

Os repasses do governo para a Caixa pagar o Bolsa Escola, Auxílio-Gás e Bolsa Família foram insuficientes em dez meses entre 2005 e 2012. Em 2013 apenas, o total de meses com saldo negativo chegou a cinco e em 2014, a dez meses. Em julho do ano passado, o Tesouro deixou buraco de R$ 2 bilhões para ser coberto pela Caixa, valor mais elevado da série histórica. O levantamento do governo aponta os dias de cada mês em que o saldo negativo foi o mais elevado. Não mostra o saldo total de cada mês.

Houve atraso nas transferências para o seguro-desemprego em todos os meses de 2013 e em 11 ocasiões em 2014. Essa política só havia se repetido antes em 2005 e 2006, quando o Tesouro Nacional transferiu recursos insuficientes em nove e dez meses, respectivamente. A falta de recursos só havia ultrapassado a casa do bilhão de reais uma única vez, em dezembro de 2011. Entre 2013 e 2014, os atrasos ficaram sempre acima de R$ 1 bilhão, chegando a R$ 2,9 bilhões em agosto de 2014.

O abono salarial conta uma história semelhante, com repasses insuficientes em oito meses de 2006, sete em 2005, e cinco em 2004. Em 2013, a Caixa precisou complementar a verba oficial com recursos próprios em seis meses, e em 2014, em nove meses. O maior saldo negativo nas transferências do abono salarial ocorreu em outubro de 2013 (R$ 1,7 bilhão) e setembro de 2014 (R$ 1,5 bilhão).

"Estes números mostram que essa vinha sendo uma sistemática razoavelmente comum, mesmo que não tivesse a mesma intensidade. O estresse fiscal levou a isso", explica Adams.