O globo, n. 29871, 20/05/2015. Opinião, p. 16

A contribuição do Judiciário ao debate sobre drogas

A contribuição do Judiciário ao debate sobre drogas

Considerações do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, são uma positiva análise sobre equívocos da legislação que pune o usuário

“De uma penada” é uma expressão que designa um ato pelo qual, com uma única decisão, se dá resposta a uma determinada questão e a outras que lhe são conexas. Ela cabe à perfeição na decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso de mandar soltar um jovem preso com 69 gramas de maconha. Acusado de tráfico, o rapaz estava, havia sete meses, recolhido ao Presídio Central de Porto Alegre até ser beneficiado por um correto habeas corpus de Barroso.

O ministro, em entrevista ao GLOBO, fez importantes considerações não só sobre a maneira enviesada como o Brasil enfrenta o problema das drogas, mas também acerca de aspectos a ele adjacentes — como os equívocos de legislação e a grave realidade dos presídios, reflexo da falência da política penitenciária do país.

De fato, são pontos que se ligam para manter na encruzilhada o debate sobre os caminhos que o Brasil deve tomar para enfrentar, com realismo, sem hipocrisia, a tragédia das drogas. No aspecto central da questão, o país adota uma legislação que parece apontar na direção da flexibilização penal para os usuários, mas que, traduzida para a linguagem das delegacias, deixa margem à preservação de práticas que remontam à velha ordem da abordagem meramente policial. Isso, quando o problema precisa ser tratado no âmbito da saúde pública.

É o que indicam positivos resultados obtidos, na guerra contra os entorpecentes, por países que descriminalizaram o consumo, como Portugal e Uruguai (este, com uma legislação ainda mais radical, que normatizou a produção). Sem contar os estados americanos que, com leis liberalizantes, vão na direção contrária à posição do governo central dos EUA, ainda renitente na defesa de falsas soluções policial-militares para o problema.

Em relação à incoerência entre o que determina a lei no Brasil e a abordagem policial que, na prática, a contradiz, está na pauta do STF o julgamento de um recurso extraordinário que, em linhas gerais, propõe que seja considerado inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, o que estabelece punições para os casos de consumo pessoal de entorpecentes. Com isso, a agenda de discussões chega, enfim, ao Supremo, agora antecedida por argumentações consistentes do ministro Barroso.

Entre outras, pelas considerações sobre a necessidade de estabelecer na lei uma medida de distinção entre tráfico e consumo. E também sobre a ineficácia, e mesmo a iniquidade, de fazer ingressar num viciado sistema penitenciário pessoas sem ligações com a criminalidade. Dessa insensibilidade decorrem, por exemplo, dados como a maioria (60%) das mulheres presidiárias estar presa por tráfico de pequenas porções de drogas, e mais de um quarto da população carcerária do país ser ligada ao comércio das drogas.

O ministro Barroso cunhou uma frase que resume toda a questão: “Insistir no que não funciona não faz sentido.” Também é um norte para o Legislativo no trato desse delicado tema.