O globo, n. 29878, 27/05/2015. País, p. 3

Governo aprova MP do ajuste por sete votos

CRISTIANE JUNGBLUT, MARIA LIMA E FERNANDA KRAKOVICS

Medida endurece regras do abono salarial e do seguro-desemprego; oposição vai ao STF

“O primeiro que entrar no Supremo ganha uma liminar. A Constituição diz que tem que ser um abono integral, de um salário mínimo. É um desgaste desnecessário, porque as novas regras do abono só valerão para 2016” Romero Jucá (PMDB-RR)

Agora é hora de fazer o dever de casa, diz a presidente

AILTON DE FREITASProtestos. Manifestantes da Força Sindical, que gritavam palavras de ordem, discutem com seguranças do Senado

Com dissidências na base aliada do governo, o Senado aprovou ontem medidas decisivas para o ajuste fiscal. Por margem apertada, com 39 votos a favor e 32 contra (sendo dois do PT), os senadores apoiaram regras mais rígidas para o seguro- desemprego e o abono salarial, como queria o governo. Em visita ao México, a presidente Dilma disse que está realizando grande esforço para mudar a economia e que agora é hora de fazer o dever de casa. -BRASÍLIA E CIDADE DO MÉXICO- Em votação apertada e com dissidências na base, o Senado concluiu ontem à noite a votação de um dos pilares do ajuste fiscal. Por 39 votos a favor e 32 contra, foi aprovada a medida que endurece as regras para o pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial (MP 665). Apesar do sufoco no início da sessão, o governo conseguiu sair vencedor na primeira das três medidas que o Senado terá de votar até o fim da semana para que elas não percam a validade: as outras duas são a que muda as regras de pensão por morte (MP 664) e a que aumenta o imposto sobre importações (MP 668) . Como a medida de ontem foi aprovada sem alterações, com o mesmo texto já chancelado pelos deputados, ela segue agora à sanção da presidente Dilma Rousseff. Mas a oposição avisou que vai ao Supremo Tribunal Federal questionar a regra que prevê um abono salarial proporcional ao tempo trabalhado pelo empregado.

A oposição e integrantes da base aliada, como senadores do PT, dizem que a proporcionalidade (receber o abono de forma proporcional ao tempo de trabalho) é inconstitucional porque o abono teria que ter o mesmo valor do salário mínimo, como era antes da edição da MP. O sufoco que o governo passou na votação da MP 665, com a contaminação de outros partidos da base pelos dissidentes do PT, foi provocado, segundo os rebelados, pela arrogância do vice-presidente Michel Temer, e o desdém do líder do PT, Humberto Costa ( PE) , que declararam, antes da hora, que os votos contrários seriam insignificantes diante da maioria que o governo teria na aprovação da medida. A avaliação otimista havia sido feita pela manhã após a reunião de líderes da base aliada na residência oficial do vice-presidente, o Palácio do Jaburu, quando Temer e o líder do governo, Delcídio Amaral ( PTMS), saíram festejando uma suposta maioria confortável.

Outra questão que deixou os petistas e outros aliados indignados foi a condução do ministro- chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que acenou com um acordo para a retirada da proporcionalidade na concessão do abono salarial, e depois recuou, dizendo que o governo aceitava apenas retirar o prazo da noventena.

— O governo tem conversado. O problema é essas conversas terem começo, meio e fim. Acertamos que o artigo da proporcionalidade e a noventena seriam retirados. Agora dizem que não têm como vetar — observou o líder do PMDB, senador Eunício Oliveira (CE).

MUDANÇA NO ABONO TRAIU COMBINAÇÃO

No PT, votaram contra a MP os senadores Paulo Paim (PT-RS), Walter Pinheiro (PT-BA) e Lindbergh Farias (PT-RJ). No PMDB, votaram contra o mérito os senadores Roberto Requião (PMDBPR) e Ricardo Ferraço (PMDB-ES). No PDT, votaram “não” os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Reguffe (PDT-DF). Crítico contumaz do ajuste fiscal, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fez questão de votar na preliminar. Ele votou contra a admissibilidade, mas não votou no mérito. No PSDB, a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) votou a favor da MP.

O governo enfrentou dificuldades, porque os senadores descobriram que a questão do abono não ficara como combinado: o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o Planalto confirmaram que o governo aceitara vetar o trecho que fixava em 90 dias o prazo de carência para o trabalhador ter direito ao benefício. Mas o trecho que prevê o pagamento proporcional foi mantido.

O grupo de rebeldes queria a volta à regra anterior à edição da MP, que prevê a concessão de um abono salarial anual, no valor de um salário mínimo, com prazo de carência de apenas 30 dias.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) admitiu que a questão vai parar no STF, onde já existem ações a respeito do assunto:

— O primeiro que entrar no Supremo ganha uma liminar. A Constituição diz que tem que ser um abono integral, de um salário mínimo. É um desgaste desnecessário, porque as novas regras do abono só valerão para 2016.

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), anunciou que vai ao STF.

— Vamos entrar com Adin no STF se a nova regra do abono for aprovada. O PT pede é que se suicidem por ele. O governo quer atropelar o Senado.

— Vamos para o Supremo — acrescentou o senador Paulo Paim (PT-RS), que tentou convencer o governo a vetar todo o artigo do abono.

PAIM FALA EM BUSCAR “NOVOS CAMINHOS”

Depois que o governo escapou de perder já na votação do aval à MP por apenas três votos, o líder do governo, Delcídio Amaral (PT-MS) mostrou nervosismo e se pendurou no telefone em busca de uma saída junto ao Planalto. O senador Paulo Paim (PT-RS) dizia ter o compromisso dos senadores Lúcia Vânia (PSDB-GO), Valdemir Moka (PMDB-MS) e Simone Tebet (PMDB-MS) de mudar o voto sim dado ao mérito da MP.

— Tentei de tudo, mas o governo não acenou com nada. Se não houver o compromisso de não vetar o fator previdenciário e de acabar com a proporcionalidade do abono, vamos votar contra o mérito também. Não temos medo de fechamento de questão — avisou Paim.

Já vendo que a situação não era tranquila, Humberto Costa disse que a votação seria feita de qualquer jeito, porque não havia mais como avançar nas negociações.

— Negociamos até onde a gente podia. O abono como um todo não dava para tirar, são R$ 7 bilhões a mais — conformouse Humberto Costa.

Depois do resultado apertado na primeira votação, Michel Temer, responsável pela articulação política do governo, passou a telefonar para senadores da base aliada pedindo que fossem para o plenário, correndo contra o tempo: as MPs perdem validade no próximo dia 1º. O quórum estava baixo no momento da primeira votação, com apenas 69 dos 81 senadores presentes.

A orientação do líder do PT foi votar a favor do ajuste fiscal, mas não houve fechamento de questão. Assim, não haverá punição aos dissidentes:

— Fechamos questão do ponto de vista político, porque do ponto de vista legal, só é possível quando há decisão da Executiva. Fizemos isso para demonstrar que a bancada está solidária ao governo — disse Humberto Costa.

No México, em visita de Estado, Dilma comemorou a aprovação da MP:

— Estamos fazendo grande esforço para ajustar a nossa economia — disse, lembrando que o Brasil adoou diversas medidas anticíclicas desde 2008 para evitar contaminação da economia pelos efeitos da crise global. — Agora é a hora de desfazer as medidas anticíclicas e fazer o dever de casa. Há pouco, aprovamos a 1ª lei que serve de base para esse ajuste. Quero dizer que o México me dá muita sorte.

Após a derrota, o senador Paulo Paim disse que essa foi uma das piores noites de sua vida e anunciou que deve pedir uma licença do mandato:

— O governo está sem rumo e está levando o PT junto. Há uma tristeza muito grande. Avalio tirar uma licença e buscar outros caminhos.

A votação da MP 664 ficou para hoje, e a da MP 668 para amanhã.