O globo, n. 29872, 21/05/2015. País, p. 3

Recuo estratégico

Cristiane Jungblut, Isabel Braga e Júnia Gama

Com medo de derrota e rebelião na base, governo adia votação de ajuste fiscal no Senado

“O que lamentamos muito é que aquele Brasil de 2014, que era projetado, anunciado, era apenas um Brasil para a campanha eleitoral” Renan Calheiros (PMDBAL)Presidente do Senado

Ao mesmo tempo, avança no Senado reajuste de até 78% para o Judiciário, e Câmara dá aval para novo prédio próprio

Com medo de derrota, o governo adiou a votação da principal medida provisória do ajuste fiscal, que muda as regras do abono salarial e do segurodesemprego.

Senadores da base, sendo dois do PT (Paulo Paim e Lindbergh Farias), assinaram manifesto contra as alterações. O governo já fora derrotado numa comissão do Senado, que aprovou aumento de até 78% para os servidores do Judiciário, com impacto de R$ 25,7 bilhões em quatro anos. A Câmara, por sua vez, deu aval para gastos com a ampliação de suas instalações, que prevê até um shopping center. BRASÍLIA

Após rebelião da base aliada e com risco de ser derrotado, o governo precisou pedir que o Senado adiasse a votação da Medida Provisória 655, que endurece as regras para o pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial. Seria a primeira medida do ajuste fiscal analisada pelo Senado. A votação ficou para a próxima terça-feira e a expectativa é que até lá o governo negocie com senadores para conseguir uma maioria segura para a votação.

O Palácio do Planalto foi informado de que havia risco de derrota, já que o governo teria apenas de três votos a cinco votos de vantagem. O adiamento vai dar ao governo tempo para achar uma saída que evite uma derrota da presidente Dilma Rousseff em um dos pilares do ajuste fiscal.

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PTMS), articula junto ao governo um recuo em relação ao abono salarial. Uma das alterações analisadas para garantir a aprovação da medida seria o veto do trecho que trata do benefício e a discussão de uma alternativa à redução da economia esperada.

Segundo a equipe econômica, a mudança levaria a uma perda de R$ 7 bilhões dentro do ajuste fiscal.

Desde cedo, o presidente do Senado, Renan Calheiros, hoje um dos maiores críticos do governo, falava em risco de derrota, dando recados ao Planalto.

— Esse processo de formação das maiorias é muito complicado no Brasil. A gente nunca sabe direito o que é que vai acontecer — afirmou o presidente do Senado.

Renan voltou a criticar abertamente a presidente Dilma, ao afirmar que o Brasil prometido na campanha eleitoral de 2014 não se tornou realidade.

— Vamos fazer tudo que garanta o equilíbrio fiscal. O que lamentamos, e lamentamos muito, é que aquele Brasil de 2014, que era projetado, anunciado, era apenas um Brasil para a campanha eleitoral — disse Renan.

O clima de tensão teve início no início da tarde, quando um grupo de 11 senadores, formado por senadores da base aliada e da oposição, anunciou que votaria contra a medida. Dois deles são do PT, um do PMDB, um do PDT, um do PRB e um do PSD, partidos da base aliada. Os outros são do PSB e do PSOL, oposicionistas. Eles lançaram um manifesto contra o ajuste fiscal, assinado inclusive por ex-ministros do governos Lula e por entidades como CUT e MST. Os governistas disseram que não se tratava de rebelião, mas avisaram que votariam contra a MP.

A sessão começou confusa. Sindicalistas da Força Sindical vaiaram senadores do PT e jogaram notas falsas de dólar no plenário, a exemplo do que fizeram na votação na Câmara. Renan mandou esvaziar as galerias.

Durante todo o dia, Delcídio conversou com aliados e detectou as resistências. Sondado sobre a hipótese de retirar o trecho sobre abono salarial, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, não aceitou um acordo. O vice-presidente Michel Temer, articulador político do governo, também foi informado da negociação.

A proposta defendida por Delcídio é voltar à regra antiga, que previa que teria direito ao benefício o trabalhador que recebe até dois salários mínimos e trabalhar por pelo menos 30 dias no ano no emprego.

O abono tem o valor de um salário mínimo e é pago uma vez por ano. O texto da MP aprovado na Câmara restringia o acesso ao benefício, determinando que o funcionário teria que trabalhar por pelo menos três meses para ter direito ao benefício e este passaria a ser pago de forma proporcional ao número de meses trabalhados. O governo queria inicialmente um prazo de carência de seis meses.

Apesar de ter pedido o adiamento, o governo tem pressa. A MP 665 perde a validade em 1º de junho.

Em 2013, as despesas com abono salarial e seguro desemprego somaram R$ 31,9 bilhões e R$ 14,7 bilhões, respectivamente. Delcídio disse que recebeu de vários senadores a informação de que há pareceres jurídicos apontando que é inconstitucional pagar um abono inferior a um salário mínimo.

— Vários senadores disseram que o texto é inconstitucional quanto ao valor do abono ser inferior a um salário mínimo. Então, me comprometi a conversar com o governo. Se o entendimento for de que há inconstitucionalidade, trabalharemos pelo veto. E há argumentos legítimos (quanto à inconstitucionalidade) — disse Delcídio.

O governo ainda sofreu outro revés ontem. O relator do projeto que reduz as desonerações na folha de pagamento, o deputados Leonardo Picciani (PMDBRJ), anunciou que a votação da proposta ficará para junho.

A expectativa é que o texto possa ser apreciado pelo plenário da Câmara no dia 10 do próximo mês.

A votação estava prevista para esta quarta-feira, mas precisou ser adiada porque Picciani ainda não concluiu seu relatório. O governo também já demonstrou que não tem pressa e irá avaliar cada detalhe do texto. O plenário da Câmara ao menos concluiu a votação dos destaques da Medida Provisória 668, que eleva as alíquotas de PIS e Cofins para produtos importados, que igualmente faz parte do ajuste fiscal.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________

AUMENTO PARA O JUDICIÁRIO AVANÇA NO SENADO

Sem força para impedir a votação, o governo acabou sendo obrigado ontem a apoiar a aprovação do reajuste para os servidores do Judiciário na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e agora o projeto de lei complementar vai a plenário em regime de urgência. Os cerca de 120 mil servidores terão seus salários reajustados de 53% a 78,56%, em função da classe e do padrão do servidor. O impacto na folha do Judiciário será de 30% até 2018. O projeto prevê um escalonamento, com pagamento da primeira parcela em julho, e novas parcelas a cada seis meses até 2018.

Segundo nota do Ministério do Planejamento, o impacto total do reajuste nos próximos quatro anos será de R$ 25,7 bilhões. Haveria despesa, já em 2015, da ordem de R$ 1,5 bilhão, somada aos valores de R$ 5,3 bilhões, em 2016, R$ 8,4 bilhões, em 2017, e R$ 10,5 bilhões, em 2018.

Já o coordenador do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário (Sindijus), Jailton Assis, disse que o impacto no orçamento será menor, de R$10,9 bilhões nos próximos quatro anos.

O líder do governo, Delcídio Amaral (PT-MS), que havia pedido vista na última sessão para ganhar tempo, disse que os números do governo não batem com os do sindicato:

— Os números apresentados pelos servidores não batem com os do Planejamento, porque não incluem os aposentados e pensionistas. A ida da matéria para o plenário vai ser boa para debatermos melhor esses números e resolver esse assunto de uma vez por todas.

GOVERNO TENTA ADIAR VIGÊNCIA PARA 2016

Jailton Assis defendeu a necessidade da medida:

— Desde 2006, estamos sem nenhuma recomposição. Nesse período os juízes já tiveram uns dois ou três aumentos. Esse reajuste vai reequilibrar essa defasagem.

Em 2012, no entanto, os servidores do Judiciário receberam, como os demais servidores, 15,8% de reajuste dividido em parcelas cumulativas de 5% em 2013, 2014 e agora em 2015. O governo tentará um acordo para jogar a vigência do reajuste para 2016, sob a alegação de que não há previsão orçamentária para 2015.

Pelo projeto, o aumento depende de dotação orçamentária e autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O líder do governo ainda tentou jogar a discussão do projeto para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para ganhar tempo e tentar um novo acordo. Mas o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO) apresentou um requerimento para ir direto ao plenário. Sem número para barrar o requerimento, os governistas tiveram que aceitar a proposta de aprovar na CCJ — defendida esta semana pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.

— O governo está tentando atrasar a votação. Mas hoje as negociações avançaram bastante, e temos de continuar mobilizados para aprovar logo no plenário — disse João Evangelista, coordenador da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe).

Os líderes governistas pedem maior articulação do Ministério do Planejamento e do Planalto para tentar barrar a vigência do reajuste em 2015.

— Buscamos um entendimento para mandar a matéria direto para o plenário. Também para botar o governo na roda, porque estamos aqui nos lascando e eles continuam acomodados — reclamou um dos negociadores do PT.

 

Câmara mantém "Jabuti' para construir Shopping

Apesar da resistência de deputados de diversos partidos, a Câmara manteve permissão para que sejam realizadas Parcerias Público Privadas (PPPs) na Casa e no Senado, o que possibilitará a construção do que está sendo chamado de “shopping” pelos parlamentares contrários à ideia. O artigo que trata o tema foi incluído na Medida Provisória (MP) 668, cujo texto principal foi aprovado ontem, e que eleva as alíquotas de PIS/Cofins para importação. O “jabuti” — expressão para itens que têm pouca ou nenhuma relação com o teor da matéria — permitirá a execução de um empreendimento orçado em R$ 1 bilhão, com a construção de um complexo de edifícios, restaurantes, lojas e garagem subterrânea com 4,4 mil vagas na Câmara, aprovado pela mesa diretora em março.