BRASÍLIA — A tumultuada aprovação do nome de Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou expondo uma controversa atuação de procuradores estaduais que têm autorização para fazer dupla jornada. Servidores públicos com a missão de defender os estados nos tribunais, eles podem advogar no mercado privado em 21 unidades da Federação, o que desperta questionamentos sobre dedicação e potenciais conflitos éticos.
Nessas mesmas unidades da Federação, a categoria recebe honorários de sucumbência, valores pagos pela parte que perdeu um processo contra o estado. Essa remuneração extra oscila bastante. Chegou a impressionantes R$ 15.101,36 para cada procurador de Minas Gerais em fevereiro passado. No Rio de Janeiro, em abril, ficou em R$ 4.135,33. Já no Distrito Federal, o ganho médio mensal em 2015 foi de R$ 500,76 por profissional. A categoria tem ainda salários que variam de R$ 14 mil a R$ 20 mil em início de carreira, dependendo do estado.
Para o presidente da Associação Nacional de Procuradores dos Estados e do DF (Anape), Marcello Terto, nem o recebimento de honorários nem a advocacia privada devem ser encarados como privilégios. Ele argumenta que a categoria é a única do sistema jurídico que não goza de autonomia financeira ou auxílios para moradia, por exemplo.
— Nos estados em que é possível advogar, há regras para que isso aconteça, impostas pelo Estatuto da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e complementadas pela lei orgânica que estrutura a carreira. Não se pode dizer que é imoral essa atuação — defendeu Terto.
Uma das principais vedações nos locais que permitem a dupla atuação é não advogar privadamente contra o estado, ou seja, contra o ente que paga o salário do servidor. Nos últimos cinco anos, dois procuradores de Minas foram punidos em processos disciplinares por atuação indevida. Em São Paulo, ocorreu um caso, e no Rio não houve registros. No DF, uma sindicância chegou a ser aberta, em 2011, mas acabou arquivada.
Equivalente à função dos procuradores, só que na esfera federal, os profissionais da Advocacia-Geral da União não podem advogar, salvo quando estão licenciados. De 2010 a 2015, 21 advogados do órgão foram suspensos em processos disciplinares.
ENTIDADE VÊ ATUAÇÃO COMO ANTIÉTICA
Diretor da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Marcelo Oliveira considera a dupla atuação dos procuradores estaduais “antiética”. Ele ressalta que, como a vedação é advogar contra o estado, o procurador fica livre para atuar contra o município e a União, que “têm princípios parecidos”. Oliveira também questiona a dedicação do servidor que se divide entre a função pública e o mercado privado.
— Se ele tem dois processos com prazo vencendo, um do estado, onde ele tem estabilidade, e um particular, ele vai dar preferência para qual? A função estatal fica diminuída. Além disso, o procurador pode ter acesso a informações e jurisprudências de forma privilegiada, pois está dentro da administração pública — critica Oliveira.
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, seria importante que, tal como as demais carreiras de Estado, os procuradores trabalhassem em regime de exclusividade, mas ele pondera que é preciso haver uma política remuneratória compatível. A questão da divisão do tempo entre os afazeres é um ponto de preocupação, segundo ele:
Marcello Terto, presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), diz que não vê risco de os profissionais priorizarem as atividades privadas em detrimento das funções públicas. Sem dar uma estimativa, ele afirma que um número pequeno de procuradores advogam de forma particular, e sob duas instâncias de controle: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as corregedorias internas.
Nas carreiras do Ministério Público, segundo Marcelo Oliveira, a vedação da advocacia privada, além de atingir os promotores e procuradores, estendeu-se aos servidores recentemente, devido ao acesso que eles têm a informações e processos dentro da instituição.