Título: Resistimos bravamente a aumentar a gasolina
Autor: Pacelli, Márcio; Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 07/08/2011, Economia, p. 17

Às voltas com o risco da falta de combustíveis, o ministro de Minas e Energia trava uma batalha diária com Petrobras e produtores de álcool para manter os preços sob controle

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, admite não ser fácil a disputa para evitar um aumento no preço da gasolina. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, voltou, há duas semanas, a defender publicamente o reajuste para recompor as contas da estatal, mesmo após ser desautorizado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e até pela presidente Dilma Rousseff. No governo, a obrigação de botar água na fervura é de Lobão. "Todo dia se cogita a elevação do preço, mas o governo tem segurado a Petrobras. Estamos resistindo bravamente", diz o ministro ao Correio.

Ao lado do problema, o ministro fala também sobre a estratégia de importação de combustíveis, solução para dar conta do consumo crescente e da falta de etanol no mercado. Aliás, assuntos inflamáveis, como álcool e gasolina, são rotina na agenda de Lobão. Sobre sua mesa, estão temas como os disputados royalties do pré-sal, as novas regras para a mineração e os estímulos aos usineiros. Político, ele delimita espaços e deixa claro que o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, é a única voz dissonante em relação à renovação das concessões do setor elétrico. Também avisa que, na hora certa, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, vai receber a conta da construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

Por fim, o ministro descreve como está melhor a convivência entre governo e Vale depois que Roger Agnelli foi substituído por Murilo Ferreira na mineradora. "A relação está bem melhor. O presidente assumiu em maio e já se reuniu três vezes comigo em meu gabinete." Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista.

OFERTA DE ETANOL

Estamos conversando com todos os atores da cadeia do etanol ¿ produtores, distribuidores e representantes dos consumidores ¿ para buscar o equilíbrio permanente de demanda e oferta. Queremos garantir aos cidadãos e aos empresários condições para isso. Mais recentemente, tratei do assunto com a Coopersucar, dona de 20% da produção. Não queremos tomar nenhuma decisão de império, unilateral. Por isso, estamos conversando pacientemente com todos os agentes. Percebemos a necessidade de preparar novas medidas provisórias (MP) para dar impulso à política nacional do etanol no país, que vem dos anos 1970. O primeiro enfoque está na revitalização dos canaviais, que estão envelhecidos em sua grande parte, e produzindo menos. O setor também deverá obter financiamento federal para investir em refinarias e em estocagem. Além disso, a Petrobras deverá elevar sua participação no mercado dos atuais 5% para 12% dentro de até quatro anos. O que posso garantir é que o governo está atento, madrugando nas providências, e não haverá desabastecimento. Poderemos, em dado momento, reduzir a mistura. Não temos nenhuma decisão tomada nesse sentido.

ÍNDICE DA MISTURA

Após reuniões entre os ministérios de Minas e Energia, Agricultura, Desenvolvimento e Fazenda, deveremos decidir sobre a questão até o fim do mês. E o percentual poderá variar de 25% a 18%. O mais importante, agora, é afirmar que o governo está atento a tudo e não permitirá o desabastecimento. Por enquanto não estamos em estado de emergência. Se for preciso, reduziremos a mistura, importaremos mais etanol e gasolina. Quem não pode sair prejudicado é o consumidor.

REAJUSTE DA GASOLINA

Se o etanol, a gasolina ou qualquer produto sobe desordenadamente de preço, tem consequência na inflação. Porém, houve uma elevação no etanol e depois baixou. E na gasolina não tem havido modificação de preço há nove anos. A única alteração foi há dois ou três anos e para baixo, não para cima. Todo dia se cogita a elevação do preço, mas o governo tem segurado a Petrobras, que é a grande produtora, no sentido de não fazer essas elevações. Estamos resistindo bravamente.

ROYALTIES DO PRÉ-SAL

A negociação em torno de um tema tão complexo implica necessariamente em sacrifícios. Estamos buscando uma solução de consenso, tendo havido uma primeira rodada de conversas entre o ministério e governadores e desses com a própria presidente Dilma. Estados produtores e não produtores colocaram seus argumentos, mas não completamos essa negociação, que precisa ser concluída este ano, para ser influenciada pelas paixões do período eleitoral (2012). Enquanto durar esse jogo de interesses, é preciso que a União esteja atenta, inclusive a própria União, que representa o interesse de todos. Não temos uma pressa nesse sentido. Esse impasse, que na verdade é uma negociação demorada, nada tem a ver com as áreas já distribuídas. Enquanto o Congresso não concluir a votação sobre o projeto dos royalties, agora sem o regime de urgência, o modelo da partilha não se concretiza. E isso depende do acordo que estamos costurando. Não se chega com facilidade, de um dia para o outro, a conclusões seguras num debate dessa natureza. Indiscutivelmente, teremos uma solução neste ano.

CORTES NA PETROBRAS

Não compromete absolutamente nada. O ajuste nos investimentos planejados pela estatal no período (2011-2015) em nada atrasará os projetos que está tocando. A principal explicação para isso é que a programação já está atrasada por outros fatores, como discussões judiciais, atrasos causados por chuvas e questões ambientais e indígenas. Assim, a redução dos desembolsos ocorreria inevitavelmente.

DEFICIT DE REFINARIAS

Nossas refinarias estão trabalhando no limite de sua capacidade. Elas não conseguem produzir mais do que estão produzindo e nós cada vez estamos necessitando mais de combustível, porque o crescimento da venda de automóveis é muito grande e, com isso, aumento do consumo de combustíveis ocorre a uma taxa de 6% a 7% ao ano. Acreditamos que a entrada em operação, mesmo que parcial, das refinarias de Abreu e Lima (Pernambuco) e Premium I (Maranhão), a partir de 2014, será suficiente para cobrir as atuais importações de gasolina. Só a unidade maranhense, com capacidade para refinar diariamente 600 mil barris de petróleo, responde por um terço da demanda atual do país.

HUGO CHÁVEZ

No começo, nós atrasamos um pouco por conta das negociações com ele. Como a sócia da Petrobras (PDVSA, estatal venezuelana) não fez os investimentos que lhe cabiam, a estatal brasileira decidiu continuar tocando a obra sozinha. A partir de um determinado momento, a Petrobras resolveu tocar a obra sozinha. Se a Venezuela, afinal, decidir participar do projeto, é um país amigo, nós aceitaremos. Mas aí ele terá que cobrir os gastos que já foram feitos por conta da construção.

BRIGA COM A VALE

Não temos nenhum interesse na cassação de concessões, mas queremos que a lei seja cumprida. A Vale está procurando se entender com o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). Apesar de todas as divergências, o ministério nunca teve um atrito letal com a Vale. Mas devo dizer que a relação está bem melhor agora. O presidente Murilo Ferreira assumiu em maio e já se reuniu três vezes comigo em meu gabinete, manifestando o interesse em conversar.

NOVAS CONCESSÕES

Estudamos a fundo as duas possibilidades envolvendo a questão das concessões de energia elétrica que vencem em 2015, a realização de licitações para elas ou de uma segunda renovação dos atuais contratos, mediante proposta de mudanças na lei. As concessões originais foram feitas por 30 anos e foram renovadas por mais 20. Meio século não é um tempo pequeno. Temos o pressuposto de que elas já foram todas amortizadas e, por consequência, estão em condições de cobrar tarifas menores do consumidor. Assim, seja qual for a opção a ser escolhida pelo governo, buscaremos a modicidade tarifária. Mas não há uma decisão.

PAULO SKAF

Nós ouvimos todas as associações do setor elétrico brasileiro e quase todas, com exceção do presidente da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), Paulo Skaf, que defende com ardor as licitações, todos os demais se posicionaram pela renovação. Ele pensa de modo diverso. Acha que não deve haver a prorrogação. É um ponto de vista. Ele está no direito dele. Pela sua autoridade, ele mereceu nossa atenção.