Valor econômico, v. 15, n. 3759, 20/05/2015. Brasil, p. A3

 

Brasil e China fecham 35 acordos, com ênfase em infraestrutura

 

Por Bruno Peres, Eduardo Campos, Lucas Marchesini e Daniel Rittner | De Brasília

 

Marcelo Camargo/AgĂȘncia BrasilO primeiro-ministro da China, Li Keqiang: pacote de R$ 53 bi em investimentos

Com estardalhaço, a presidente Dilma Rousseff e o primeiro-ministro Li Keqiang assinaram ontem 35 acordos bilaterais que têm forte impacto político, mas sem deixar claro quanto a China efetivamente investirá no Brasil ao longo dos próximos anos. Boa parte dos anúncios simboliza ainda intenções de investimentos, que dependem de estudos e licitações. Mesmo com essas condicionantes, o pacote de US$ 53 bilhões trazido pelos chineses e antecipado pelo Valor foi celebrado como um trunfo pelo governo brasileiro, que busca reverter o ambiente de pessimismo com a economia.

"Queremos consolidar a relação com a China, com base não só nas nossas vantagens comparativas em commodities, mas abrindo novas áreas", disse Dilma. Ela citou, em todos os eventos dos quais participou, a construção de uma ferrovia transoceânica ligando o Brasil ao Peru, um empreendimento de 4,7 mil quilômetros de extensão. Um estudo de viabilidade do projeto, bancado pela China, deve ficar pronto em maio de 2016.

De imediato, saiu a reabertura do mercado de carne bovina e a confirmação final da venda de 22 jatos da família de E-Jets da Embraer para a companhia aérea Tianjin Airlines. O negócio, que já havia sido anunciado no ano passado, dependia da aprovação de autoridades chinesas. A preços de tabela, o contrato vale para US$ 1,1 bilhão e deve ser estendido para mais 18 aeronaves, que eram parte da encomenda original.

Outros acordos, como o firmado entre a estatal Eletrobras e a China Three Gorges Corporation, assinalam a intenção de negociar parcerias em futuro leilão - no caso, o da megausina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós (PA), que ainda precisa de sinal verde do Ibama.

No setor elétrico, outro projeto demonstrou como a necessidade de gestos fortes caminhou na frente de trâmites indispensáveis. Em cerimônia no Palácio do Planalto, Dilma e Li lançaram a pedra fundamental das obras da linha de transmissão - erguida pela chinesa State Grid com as brasileiras Furnas e Eletronorte - que escoará energia da usina de Belo Monte para centros consumidores da região Sudeste. No momento da solenidade, porém, o "linhão" não contava ainda com a licença ambiental prévia, que atesta a viabilidade do empreendimento e deve sair nos próximos dias. E nem com a licença de instalação, documento necessário para o início efetivo de qualquer construção no país.

 

http://www.valor.com.br/sites/default/files/crop/imagecache/media_library_small_horizontal/0/6/755/494/sites/default/files/gn/15/05/arte20bra-102-dfchina-a3.jpg

Assim, mesmo robusta, a cifra de US$ 53 bilhões ainda deve ser lida como uma intenção de investimentos, conforme sublinhou o embaixador José Alfredo Graça Lima, subsecretário-geral de Política II do Ministério das Relações Exteriores e um dos principais organizadores da visita. "São projetos já iniciados, que estão amadurecendo ou poderão vir a ser financiados."

Além de investimentos, os chineses vieram com outras promessas. A maior delas envolve o financiamento de US$ 50 bilhões do banco estatal ICBC em uma lista de setores prioritários: ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, energias renováveis e habitação.

Ficou definido que a Caixa Econômica Federal (CEF) atuará como estruturadora e gestora dos recursos. Não se sabe ainda, porém, se esse dinheiro viria na forma de fundo ou de empréstimo bilateral. "Temos 60 dias para fazer uma proposta de desenvolvimento dos trabalhos", disse o vice-presidente de finanças e controle da CEF, Márcio Percival. Um ponto carece ainda de mais detalhamento: se o dinheiro estará disponível mesmo para projetos de infraestrutura que não tenham chineses como vencedores das futuras licitações nem como fornecedores de equipamentos.

De última hora, Li fez uma sugestão inesperada a Dilma: a criação de um fundo bilateral de cooperação produtiva, da ordem de US$ 20 bilhões, também com foco em investimentos produtivos e de infraestrutura. O assunto não havia sido discutido previamente pelos técnicos do governo e ninguém se atreveu a entrar em detalhes.

Para o secretário de assuntos internacionais do Ministério do Planejamento, Cláudio Puty, todo esse dinheiro anunciado pela delegação chinesa sinaliza que há oportunidades rentáveis no Brasil. "E é algo que casa com o pacote de concessões que vamos anunciar em junho", observou.

Em discurso no encerramento da reunião do conselho empresarial Brasil-China, o primeiro-ministro procurou afastar temores com a ofensiva chinesa e disse que "não vai impor condição política qualquer" na aproximação com países sul-americanos. Ele já havia feito mensagem tranquilizadora após a assinatura de atos, no Palácio do Planalto, ao lado de Dilma. "Gostaríamos de cooperar para reduzir o custo de infraestrutura no Brasil e gerar empregos locais", disse Li, em referência interpretada por diplomatas como resposta às insinuações de que a China quer flexibilizar leis trabalhistas para exportar mão de obra pesada a países receptores de investimentos.

 

Barreira linguística limita manancial de oportunidades

 

Por Daniel Rittner | De Brasília

Parecia um bazar chinês. A cena mais comum era de empresários e altos executivos brasileiros, apertando os olhos ou levantando os óculos, na tentativa de ler as indecifráveis credenciais de investidores asiáticos que lotavam o auditório no Palácio do Itamaraty onde se realizava o encontro do Conselho Empresarial Brasil-China. Não era culpa do oftalmologista. Todos os chineses que estavam no recinto foram identificados apenas com a grafia de seus nomes em mandarim.

Some-se a isso o fato de que muitos não falavam inglês, outros demonstravam visível timidez na abordagem e representantes dos dois países estavam em lados opostos do auditório. Pronto: a barreira linguística e cultural ficou nítida, ironicamente, no ministério que mais entende de quebrar o gelo que separa identidades diferentes.

Para quem estava disposto a deixar de lado o baixo perfil, o "céu é o limite", conforme disse Eduardo Parente, presidente da Prumo Logística, responsável pela construção e operação do Porto do Açu (RJ). O executivo tinha em mãos 80 "folders" com informações detalhadas sobre a empresa, que distribuía aos chineses, com afirmações entusiasmadas sobre o potencial do empreendimento. Entre uma e outra conversa, ele explicou ao Valor: "Mais de uma dúzia de companhias chinesas esteve lá nos últimos dois meses. Há muitas oportunidades. Se tudo for concretizado, a brincadeira começa na casa de centenas de milhões".

O próprio Parente se encarregou de dar exemplos de parcerias potenciais. Há chineses interessados em trocar os serviços de dragagem do terminal de petróleo e minério de ferro no porto, que vão aumentar a profundidade de 19 para 24 metros, por participação acionária. Outros sugerem fornecer e montar a superestrutura do terminal de contêineres, como guindastes, também em troca de uma fatia no projeto.

Se a busca por investidores chineses fosse uma maratona, Parente diz que já estaria no 38º quilômetro de percurso. E ontem era um dia para ganhar fôlego rumo à reta final. "Uma visita como essa destrava tudo. O pessoal que veio é sênior", resumiu o executivo.

O vice-presidente de negócios globais da empresa de tecnologia da informação Stefanini, Ailtom Nascimento, apostava em resultados concretos da visita do primeiro-ministro. "Ficou evidente o interesse deles no Brasil, não só pelo nosso mercado doméstico, mas como porta de entrada para a América Latina."

Nascimento, que diz já ter ido mais de dez vezes para a China, só lamentava a barreira do idioma. "Não conseguimos nos identificar uns aos outros", afirmou, cobrando a presença de mais intérpretes para facilitar os contatos. "Falta isso. Quando estão em casa, eles não são tão retraídos."

A relativa divisão entre brasileiros e chineses, durante o encontro empresarial, se reproduziu no almoço oferecido por Dilma Rousseff a Li Keqiang. Em algumas mesas, onde estava a cúpula da delegação asiática e ministros brasileiros, havia tradutores simultâneos. Antes da refeição, Joaquim Levy e Eduardo Cunha passaram pelo menos 15 minutos conversando sobre o ajuste fiscal, sob olhar atento do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. A chegada de Dilma, com atraso de mais de uma hora, encerrou o animado diálogo para dar lugar a uma refeição com entrada dupla - palmito gratinado e costela de cordeiro - e medalhão de filé como principal. "Ah, quanta carne!", deleitou-se um chinês, lembrado de que só agora levantava-se o veto à entrada de carne brasileira.

Fluente em português, o alto funcionário de Pequim garantia que nunca houve, no Brasil ou em qualquer outro país sul-americano, a intenção chinesa de trazer mão de obra pesada para atuar na construção civil. Ele dizia, isso sim, que a China pede ao governo brasileiro uma agilização e mais flexibilidade na concessão de vistos de trabalho a engenheiros e técnicos especializados. "Estamos falando de 100 ou 200 pessoas em uma hidrelétrica que emprega 30 mil trabalhadores", relativiza. O funcionário deu um exemplo: quando o Estado do Rio de Janeiro comprou trens chineses, para o metrô, faltavam técnicos brasileiros com habilitação para instalar as composições.