Crise no sistema de saúde pública

Foco na gestão

POR NOSSA OPINIÃO

 

A saúde pública no Brasil tem um pressuposto assegurado pela Constituição: universalizada, via SUS, está formalmente ao alcance de toda a população. Mas, entre o princípio e a ficção, a distância é curta: a gigantesca rede do sistema vive em crise crônica, cumprindo apenas em parte, quando cumpre, o papel que lhe é atribuído pela Carta. Postos de atendimento com enormes filas, demora de até meses para se conseguir marcar uma única consulta (e ser atendido), uma demanda que exerce pressão constante sobre os hospitais, falta de material e problemas com pessoal (equipes incompletas, salários pouco atraentes etc.).

Um quadro clínico cujo tratamento implica análises e propostas de políticas públicas amplas e profundas. Sobretudo, corajosas e, o que não faria mal algum ao sistema, criativas. Mas a prescrição tem sido invariável — a dotação de mais verbas para o setor cumprir seu papel constitucional de prover a população com serviços de saúde de qualidade e de forma abrangente. É uma fórmula, por simplória e irreal, com a eficácia de um placebo.

É importante reacender essa discussão neste momento em que se ensaia, em Brasília, um movimento para ressuscitar a cobrança de um imposto que financie a saúde pública, nos moldes da malfadada CPMF. A alegada falta de dinheiro foi o mote para a criação, ainda no governo de Itamar Franco, em 1993, do chamado “imposto do cheque”, como ficou conhecido o IPMF, depois convertido por FH na Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira — uma sutil modificação no nome para driblar a obrigação de o Executivo federal de repartir a receita com os entes da Federação.

Alegadamente, o gravame deveria ser integralmente empregado no financiamento da saúde. Mas, ao ser derrubado pelo Senado, em 2007, já se desviara de seu objetivo inicial. Passou a reforçar o caixa único do governo e se ensaiava a transformação do P de CPMF de “provisória” para “permanente”. O imposto caiu, sem ter melhorado os serviços na rede pública de saúde, com protestos da base lulopetista no Congresso, sob o argumento de que o setor perderia uma receita de R$ 40 bilhões (valor, de resto, compensado apenas seis meses após, através dos apropriados mecanismos de arrecadação).

Por ser um imposto linear, a CPMF pesa mais no bolso de quem tem renda mais baixa. Além disso, por sua natureza, o gravame impacta cumulativamente na cadeia produtiva, comprometendo ainda mais os custos de produção, num país em que a carga tributária abocanha 35,7% do PIB. Esse tipo de visão, que toma como panaceia a dotação de orçamentos mais generosos, na verdade desvia o foco da questão. Os reais gargalos da saúde no país estão ligados à gestão ineficiente. Há no país comprovadas experiências de administrações bem sucedidas de hospitais, emergências e serviços públicos que resultam em aumento de produtividade e aperfeiçoamento de qualidade. Além disso, transferir a gerência para organizações sociais, por exemplo, é uma alternativa com bons resultados. Despejar mais verbas numa estrutura ineficaz equivale a jogar dinheiro pelo ralo.

 

Golpe mortal

POR OUTRA OPINIÃO / OSMAR TERRA

A dificuldade que o cidadão brasileiro tem de garantir acesso aos serviços públicos de saúde é crescente e angustiante. Não à toa, a saúde pública surge em todas as pesquisas de opinião como o maior problema do país. Milhões de brasileiros vivem uma rotina macabra, barrados nas emergências superlotadas, amargando meses e, por vezes, anos de espera para cirurgias simples. Muitos não resistem à demora!

Estamos vivendo a agonia do Sistema Único de Saúde, que se debate entre a falta de resposta à expectativa da população e o financiamento cada vez mais reduzido. E o governo federal anuncia um corte de cerca de R$ 12 bilhões do seu já caquético Orçamento para cumprir o "ajuste fiscal". Poderá ser o golpe mortal no SUS.

A Constituição estabelece que sejam compartilhadas ações e recursos entre União, estados e municípios. Descentralizou-se o atendimento básico, as redes de especialidades e de hospitais vinculados foram regionalizadas e hierarquizadas. Foram criados grandes programas nacionais, que mudaram para melhor, o curso da mortalidade infantil e da longevidade da nossa população. Mas isso não é suficiente. É necessário atender à demanda crescente de atendimento e de tratamento de média e alta complexidade. O aumento vertiginoso de veículos no país inflou as estatísticas de pessoas acidentadas ou sequeladas. A epidemia das drogas e a violência urbana dizimam parcela importante da nossa juventude, sem uma resposta minimamente adequada.

É necessário não só manter, mas ampliar as estruturas de atendimento e, no mínimo, dobrar o Orçamento. O sistema também tem que ser atrativo para os profissionais da área. Tem que ter carreiras adequadas e meritocracia. Hoje, nosso governo gasta quase a metade do per capita em saúde da Argentina, quatro vezes menos que o Reino Unido e cinco vezes menos que o Canadá. Há mais de uma década a participação da União no bolo da Saúde vem sendo reduzida.

Iniciativas para reverter essa situação, como o Saúde + 10, foram bloqueadas pelo governo. O que seria um reajuste para 19% da receita tributária líquida foi transformado em 15%, e bastante parcelado, pela maioria governamental no Parlamento. O governo também utilizou pleitos dos parlamentares, como o Orçamento impositivo, para reduzir ainda mais os recursos para a Saúde, absorvendo nele as emendas parlamentares. E o governo cortou 10% do orçamento do SUS!!

São atitudes de um governo que jamais tratou a Saúde como prioridade. E o ápice desse esvaziamento se dá agora, com o anúncio do corte de R$ 12 bilhões. Ou o governo federal revê com urgência esse corte ou vamos assistir, ainda este ano, ruir o maior e mais generoso programa que o Brasil já criou.

Osmar Terra é deputado federal (PMDB-RS) e presidente da Frente Parlamentar da Saúde e Defesa do SUS