A ilusão de mudança

 

Areforma política, em votação no Congresso, vem ocupando as principais manchetes da imprensa brasileira. Como bem elucidou o jornalista Merval Pereira “ninguém sabe o que vai acontecer com a reforma política no Senado, e pode até mesmo não acontecer nada”. Discute-se o fim da reeleição, tempo de mandato, idade mínima de candidato, data da posse do presidente e governadores, regras para acesso ao fundo partidário e tempo de TV, dentre outros temas secundários.

Mas a votação do modelo de financiamento de campanhas eleitorais reacendeu a polêmica mais acirrada. Alguns defendem a proibição completa de doação por empresas privadas a partidos políticos e candidatos. Em 24 de maio, por iniciativa atribuída ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Câmara aprovou proposta de emenda à Constituição, para prever autorização expressa de doação de empresas particulares só para partidos. Os candidatos, por sua vez, estarão autorizados a receber doações apenas de pessoas físicas. Já o limite de valor, de segundo o texto, deverá ser regulamentado por lei.

Na realidade, essa alteração é inexpressiva. Pouco modifica o atual modelo de financiamento de campanha, que é misto. No sistema eleitoral vigente, os recursos destinados às campanhas eleitorais são, em parte, públicos, oriundos do robusto fundo partidário, e privados, angariados através de doações de pessoas físicas e jurídicas, em montantes já limitados pela legislação eleitoral.

A motivação para essa emenda constitucional foi, na verdade, influenciar (em bom sentido) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650, no Supremo Tribunal Federal. A maioria dos ministros já proferiu voto pela inconstitucionalidade das contribuições de empresas para campanhas eleitorais. Trata-se de ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, através da qual pretende a entidade impedir doações desse tipo. O caso só não foi concluído porque o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos, para melhor avaliação do posicionamento que pretende adotar.

Nesse contexto, se a proposta aprovada pela Câmara for ratificada pelo Senado, as doações de que se trata passarão a ser consideradas “constitucionais”, e o julgamento do STF terá, necessariamente, outro desfecho. De fato, se for incluída no texto da Constituição regra que permita financiamento privado para partidos políticos, a Corte Constitucional não poderá concluir pela sua inconstitucionalidade.

Essa controvérsia é de grande relevância. A corrupção que assola o país tem sido instigada, em grande parte, pela necessidade de recursos para campanhas eleitorais, cada vez mais onerosas e sofisticadas. E os candidatos e partidos que não dispõem desse arsenal econômico acabam fora dos cargos eletivos.

Cada sociedade tem peculiaridades que justificam a adoção de sistemas eleitorais heterogêneos. No caso do Brasil, seria salutar à democracia não se admitir o financiamento privado de campanhas. Como já afirmou o investigado Paulo Roberto Costa, em depoimento à CPI da Petrobras, empresa não doa, investe, para colher lucros futuros. Argumenta-se que, proibidas essas doações, haveria maior movimentação do chamado “caixa dois de campanha”. Ou seja, critica-se um salutar regime jurídico eleitoral porque que ele, em tese, seria burlado por iniciativas ilícitas. Passe o truísmo, a resposta a essa argumentação é trivial: caberá à polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário agirem contra eventual descumprimento da lei.

Afinal, não desmerece a norma o fato de tentarem descumpri-la. Matar é crime, mas não é porque há muitos assassinatos que se proporá a descriminalização do ato de tirar a vida de alguém.