Valor econômico, v. 16, n. 3754, 13/05/2015. Empresas, p. B2

 

Aneel faz pressão contra os 'apaguinhos'

 

Por Rafael Bitencourt e Daniel Rittner | De Brasília

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu um prazo de dois anos para um grupo de 16 distribuidoras, que inclui grandes empresas como Eletropaulo (SP) e Light (RJ), entrar nos eixos e se enquadrar nos limites de cortes no fornecimento de energia - conhecidos como "apaguinhos".

Essa lista de distribuidoras está fora das metas anuais estipuladas pela agência reguladora para a frequência (FEC) e a duração (DEC) dos cortes. Na semana passada, uma por uma, elas entregaram seus planos de ação para resolver os problemas de qualidade. As ações de melhoria na prestação dos serviços foram exigidas pela Aneel como forma de evitar a aplicação de penalidades mais severas contra as concessionárias que têm extrapolado sistematicamente os limites tolerados.

O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, disse ao Valor que, se as distribuidoras não cumprirem os planos apresentados, poderão sofrer intervenção administrativa - prática inaugurada em 2012 com oito empresas do Grupo Rede - e até perder a concessão. Ele classifica a iniciativa como um "grande esforço" assumido pela agência reguladora após o empenho em equilibrar as contas das distribuidoras com a política de realismo tarifário. "Primeiro, cuidamos da sustentabilidade financeira do setor. Agora, o consumidor vai exigir o serviço no padrão contratado", observou.

Além de Eletropaulo e Light, o conjunto de empresas que entregaram o plano abrange distribuidoras administradas pela estatal: Amazonas Energia (AM), CEA (AP), Ceal (AL), Celg (GO), Cepisa (PI), Ceron (RO), CERR (RR) e Eletroacre (AC). Inclui ainda AES Sul (RS), Ampla (RJ), CEB (DF), CEEE (RS), Celpe (PE) e Coelba (BA).

Essa "dura" da Aneel nas distribuidoras corre em paralelo com o processo de renovação de suas concessões, que deve sair nos próximos dias. Parte das empresas têm seus contratos vencendo em julho. É o caso de todas as distribuidoras da Eletrobras. Outras, como a própria Eletropaulo e a Light, têm mais uma década de concessão vigente e vão passar pelo mesmo tipo de "aperto".

Apesar das cobranças, a agência não definiu um valor mínimo de investimentos necessários para a recuperação da qualidade na prestação dos serviços. Onde e quanto vai se investir, conforme sublinhou o diretor-geral, é uma questão de cada empresa. "Não cabe à Aneel julgar o que deve ou não entrar no plano, mas apenas dizer se ele é suficiente ou não."

Desde 2010, as distribuidoras são obrigadas a compensar financeiramente seus consumidores por interrupções no fornecimento de energia, além de estarem sujeitas a multas pelas equipes de fiscalização da Aneel. Nos últimos cinco anos, essas compensações somaram R$ 2 bilhões.

"Isso está longe de atender às obrigações contratuais", frisou Rufino. Ele demonstrou contrariedade com algumas justificativas típicas das distribuidoras, como a atribuição dos problemas a tempestades e quedas de árvores sobre a fiação aérea. "Em São Paulo, quando chove, vira um transtorno, mas é exatamente em uma situação atípica em que o consumidor precisa de atenção e respeito. Não é compreensível levar dez dias para restabelecer o fornecimento em uma residência", acrescentou o diretor, lembrando a importância de melhorias no teleatendimento (call centers) das empresas, que também foram cobradas nos planos de ação.

No território nacional, como um todo, a Aneel tolera um limite de 14,58 horas por ano sem fornecimento de energia. Cada empresa tem uma meta individual. No ano passado, os brasileiros ficaram 17,61 horas, em média, sem luz. De acordo com Rufino, a frequência dos "apaguinhos" está mais ligada à falta de investimentos na rede, enquanto a duração das quedas é resultado principalmente de falhas na gestão e na manutenção do sistema.

Para ilustrar que a agência reguladora não atua apenas no campo das punições, Rufino disse que convocará as dez distribuidoras com melhores indicadores para uma exposição na sede da agência, onde poderão mostrar suas experiências positivas na prestação de serviços.

 

Agência prepara solução para inibir perdas das geradoras

 

Por Daniel Rittner e Rafael Bitencourt | De Brasília

 

Alan Marques/FolhapressRufino, diretor-geral da Aneel: principal objetivo das medidas é resolver a situação das geradoras daqui para frente

As autoridades do setor elétrico preparam uma solução para o rombo financeiro provocado pela escassez de chuvas nas geradoras de energia. O risco hidrológico, que obriga donos de usinas hidrelétricas a comprar energia no mercado de curto prazo para honrar seus contratos de suprimento quando as turbinas não conseguem produzir todos os megawatts comercializados, causou às empresas perdas estimadas pelo mercado em R$ 20 bilhões em 2014. Neste ano, o impacto do baixo nível dos reservatórios na conta das usinas pode chegar a R$ 30 bilhões, segundo projeções recentes de bancos.

Uma proposta para atenuar esse risco deverá ser apresentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) até o fim deste mês e colocada em audiência pública. Em entrevista ao Valor, o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, deixou claro, no entanto, que a proposta não mexe necessariamente com o passivo acumulado pelas geradoras e tem como principal objetivo resolver a situação daqui para frente.

"Juridicamente, talvez não haja espaço para mitigar esse risco, mas o órgão regulador não pode cruzar os braços e deixar os agentes quebrarem", disse Rufino. O desafio da agência é equilibrar a conta sem onerar excessivamente as tarifas. "Não é simplesmente tirar o risco das geradoras e colocar no colo dos consumidores."

A área técnica ainda faz uma "quantificação" do problema e um "mapeamento de alternativas", afirmou Rufino. Segundo ele, o rombo não tem a ordem de grandeza alardeada pelas geradoras. "Precisamos verificar a diferença entre deixar de ganhar, uma frustração na expectativa de ganho, e ter prejuízo de fato".

Para o chefe da Aneel, é necessário separar duas situações diferentes: sociedades de propósito específico (SPEs) que têm apenas uma hidrelétrica funcionando, como a Santo Antônio Energia (dona de uma das usinas instaladas no rio Madeira), e grupos vários projetos em funcionamento, como as estatais Cemig e Copel.

No último caso, elas podem dividir o risco hidrológico entre vários projetos. Se uma usina gera menos energia do que o previsto, por causa do esvaziamento de seu reservatório, outra usina (em outra região do país) pode estar produzindo mais. "O problema não incide da mesma forma sobre todos os agentes", ressaltou.

Rufino evitou entrar em detalhes sobre a proposta em formatação, mas sinalizou que uma das ideias é estabelecer um "hedge" obrigatório para os contratos das geradoras com o mercado regulado (distribuidoras). Hoje, as hidrelétricas podem vender até 100% de suas garantias físicas em contratos de longo prazo. Quem optou por essa estratégia, no passado, tem problemas agora para entregar essa energia - como reflexo da queda no nível das represas, que impedem as turbinas de funcionar com potência total.

O diretor lembrou que muitas geradoras, por iniciativa própria, mantêm um "hedge" em torno de 5% de suas garantias físicas. Por exemplo: se a usina tem 100 MW médios de energia assegurada, ela só negocia 95 MW e deixa uma proteção de 5 MW. Pode-se pensar, disse Rufino, em transformar essa prática em exigência universal e até mesmo definir um percentual obrigatório maior.

"Uma alternativa é impor um hedge maior. A prática mais comum hoje é de 5%. Pode ser, hipoteticamente, de 10%. Mas isso também significa que a geradora provavelmente praticará preços mais altos para os 90% restantes de energia que ela continuaria comercializando", comentou.

Outra questão que a Aneel pretende discutir é se a geração fora da ordem de mérito e a importação de energia dos países vizinhos podem ser considerados como mero risco do negócio. Pelas regras do setor, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aciona sempre a geração disponível de custo mais baixo.

Para poupar os reservatórios, no entanto, o ONS rasgou a cartilha e intensificou a prática de ligar térmicas a qualquer custo e trazer eletricidade da Argentina ou do Uruguai. Isso faz com que as hidrelétricas sejam forçadas a produzir menos energia, comprometendo o caixa das geradoras. "Se chegarmos à avaliação de que a matriz de risco está inadequada, poderemos olhar para a frente."

Até agora, o governo vinha tratando esse rombo financeiro das hidrelétricas como risco intrínseco ao negócio. As duas únicas exceções eram a binacional de Itaipu e as usinas que tiveram suas concessões renovadas pela MP 579, depois transformada na Lei 12.783, em 2012. Nesse caso, toda a garantia física das usinas foi destinada ao mercado regulado e o risco hidrológico ficou totalmente nas mãos do consumidor.

Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do grupo de estudos do setor elétrico (Gesel) da UFRJ, o princípio básico que norteará a proposta da agência reguladora é não dar uma solução linear às geradoras. O problema maior, na visão dele, é com as SPEs que foram constituídas para explorar uma única hidrelétrica.

"Essas sociedades são mais novas, altamente alavancadas e estão entrando gradualmente em operação", afirma Castro, que participou de discussões na Aneel sobre o assunto. "Para elas, o impacto do GSF [sigla para o déficit hidrológico] é destruidor. Se isso não mudar, compromete-se o caixa das SPEs e corre-se o risco de não haver interessados nos grandes empreendimentos que ainda vêm pela frente", completa.

No caso de grupos com várias usinas, Castro vê poucas chances de um alívio financeiro para as perdas do passado. "Até porque, se perderam de um lado, muitos grupos ganharam de outro", avalia o especialista, referindo-se à venda de energia no mercado livre e às atividades de comercializadoras ligadas a esses grupos. "E um socorro que envolva o Tesouro ou o BNDES, na atual conjuntura, é praticamente impossível."