O globo, n. 29947, 04/08/2015. País, p. 3

‘Profissionalismo no crime’

CLEIDE CARVALHO, GERMANO OLIVEIRA E TIAGO DANTAS

PF prende José Dirceu, acusado de montar na Petrobras o mesmo esquema de corrupção do mensalão

Procuradores acusam o ex-ministro de sistematizar a corrupção na Petrobras já no primeiro governo Lula com o objetivo de financiar campanhas eleitorais e enriquecer; Ministério Público não descarta investigar ex-presidente

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDOPrisão. No carro da PF, Dirceu é levado por agente para a Superintendência

Nove meses depois de deixar a cadeia, o ex-ministro José Dirceu, de 69 anos, foi preso novamente ontem, acusado pela Operação Lava-Jato de receber propina de pelo menos R$ 90 milhões e idealizar o esquema que desviou recursos da Petrobras. O juiz Sérgio Moro disse que ele exibiu “profissionalismo na prática do crime”. Segundo o Ministério Público, o petista é responsável por sistematizar a corrupção na empresa já no primeiro governo Lula, quando chefiava a Casa Civil, nos moldes do mensalão, que se destinava à compra de apoio político no Congresso. Para os investigadores, na estatal os objetivos eram outros: financiamento eleitoral e enriquecimento pessoal. O lobista Milton Pascowitch contou ter comprado apartamento para a filha de Dirceu e pagado despesas, como táxi aéreo e reformas de imóveis. A 17ª fase da operação foi batizada de “Pixuleco”, termo para designar propina atribuído ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari. A defesa de Dirceu afirmou que ele virou um “prêmio” num ato político. A Lava-Jato não descarta investigar Lula. -CURITIBA, SÃO PAULO E BRASÍLIA- O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu é acusado de receber propinas antes, durante e depois de condenado pelo mensalão. Suspeita-se de que tenha dedicado os últimos 12 anos à corrupção. No mensalão, para beneficiar o partido. Na Lava-Jato, não só para arrecadar doações de campanha, mas também para enriquecer a si próprio. Para o Ministério Público Federal, ao indicar nomes para dirigir a Petrobras, como Renato Duque, hoje preso, Dirceu idealizou o esquema de corrupção na estatal, a exemplo do que aconteceu com o Banco do Brasil, foco de fraudes para sustentar a base aliada no mensalão, em 2005.

— Entendemos que o DNA, como diz o ministro Gilmar (Mendes), é o mesmo do mensalão e da Lava-Jato — disse o procurador Carlos Fernando Lima, integrante da força-tarefa da Lava-Jato.

— A responsabilidade de José Dirceu é evidentemente, aqui, como beneficiário de maneira pessoal, não mais de maneira partidária, enriquecendo pessoalmente — completou.

Ao decretar a prisão preventiva de Dirceu e autorizar a Operação “Pixuleco”, deflagrada ontem pela PF, o juiz Sérgio Moro disse que Dirceu recebia propinas desde 2003, quando assumiu a Casa Civil do governo Lula. Para o juiz, provas de recebimentos no mensalão reforçam indícios de “profissionalismo e habitualidade na prática do crime”, e caracterizam “acentuada conduta de desprezo não só à lei e à coisa pública, mas igualmente à Justiça criminal e à Suprema Corte”.

Intermediário de propinas e delator na Lava-Jato, Milton Pascowitch contou à PF que, antes do mensalão, o grupo político de Dirceu se aproximou de algumas empresas que prestavam serviço para a Petrobras. Essas companhias começaram a pagar propina direto aos beneficiários, segundo ele. Após o mensalão, surgiu a figura dos operadores, que intermediavam os repasses de propina. Agora, a possibilidade de Duque se tornar delator eleva a tensão no PT, que é acusado de dividir os “pixulecos” da estatal com PMDB e PP, e teme novas provas e detalhes sobre a ação de João Vaccari, ex-tesoureiro do partido.

Também foram presos preventivamente (sem prazo) Fernando Antônio Guimarães Hourneaux de Moura, que sugeriu a Dirceu o nome de Duque para a Petrobras, e Celso Araripe, ex-gerente da estatal. Outros 5 foram presos temporariamente: Luiz Eduardo de Oliveira e Silva (irmão de Dirceu), Roberto Marques (exassessor), Olavo Hourneaux Moura Filho (irmão de Fernando), Júlio Cesar dos Santos (ex-sócio de Dirceu) e Pablo Kipersmit (diretor da Consist). Dirceu, sua empresa e seis presos tiveram bens bloqueados de até R$ 20 milhões cada um.

TRANSFERÊNCIA PARA CURITIBA

À noite, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do mensalão no Supremo, autorizou a transferência de Dirceu para a carceragem da PF em Curitiba. Dirceu cumpria pena pelo mensalão em Brasília, no regime domiciliar. Como a decisão saiu à noite, ele passou a noite na Superintendência da PF em Brasília. Dirceu recebeu roupas, lençol, cobertor e travesseiro.

De acordo com a Lava-Jato, os valores eram pagos a Dirceu por meio de falsos contratos de prestação de serviços da JD Consultoria, em dinheiro vivo e até em ressarcimento de gastos pessoais. As propinas descritas a Dirceu somaram cerca de R$ 90 milhões entre 2007 e 2014, segundo levantamento do GLOBO. Duas fornecedoras da Petrobras, Hope e Personal, garantiam, conforme o delator, “a maior renda” ao ex-ministro. O grupo de Dirceu recebia R$ 800 mil a R$ 1 milhão por mês, e Pascowitch entregava de R$ 80 mil a R$ 90 mil mensais à JD. Algumas vezes, o “pixuleco” era dado a João Vaccari.

As duas empresas forneciam mão de obra terceirizada à estatal. Nos contratos da Hope, a propina teria chegado a R$ 51,5 milhões — referentes a 1,5% do valor obtido pela empresa em contratos com a estatal. A Personal pagava valores fixos. Para o MPF, a JD era uma central de “pixulecos”.

— Com todo o tempo em que essa investigação durou, não há sequer uma comprovação de serviço prestado pela empresa JD — disse Márcio Anselmo, delegado responsável pela operação na PF.

No mensalão, Dirceu foi condenado em dezembro de 2012 e preso em novembro de 2013. Ficou na cadeia até 28 de outubro de 2014. Mas continuou recebendo de empreiteiras, o que, para Moro, configura propina. Foram R$ 8,5 milhões desde 2009 de Camargo Corrêa, Galvão Engenharia, UTC, Engevix e Egesa. OAS e UTC depositaram até 2014. Ele recebeu R$ 8,446 milhões do laboratório EMS e R$ 1,379 milhão da Monte Cristalina em parcelas mensais, pagas ainda depois que foi preso. Dos pagamentos da Engevix, segundo Pascowitch, um foi real, para Dirceu fazer negócios no Peru. O restante foi propina de Cacimbas 2, obra da Petrobras.

Camargo Corrêa e EMS disseram ter contratado serviços de Dirceu para abrir mercado no exterior. A OAS negou irregularidades. Hope e Engevix disseram estar prestando esclarecimentos à Justiça. Galvão Engenharia e UTC não comentaram, e a Personal não respondeu.